Discurso no Senado Federal

ANALISE DO TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO REALIZADO PELA PESQUISADORA CELESTE CORDEIRO, SOBRE OS CONSELHOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL NO CEARA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO CEARA (CE), GOVERNO ESTADUAL.:
  • ANALISE DO TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO REALIZADO PELA PESQUISADORA CELESTE CORDEIRO, SOBRE OS CONSELHOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL NO CEARA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/1999 - Página 6062
Assunto
Outros > ESTADO DO CEARA (CE), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • COMENTARIO, TRABALHO, CELESTE CORDEIRO, PESQUISADOR, ASSUNTO, ATUAÇÃO, CONSELHO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, ESTADO DO CEARA (CE), ALTERAÇÃO, RELACIONAMENTO, SOCIEDADE CIVIL, GOVERNO, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, POVO.
  • ELOGIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO CEARA (CE), INICIATIVA, DESCENTRALIZAÇÃO, MUNICIPIOS, SAUDE, EDUCAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, PLANEJAMENTO, GESTÃO, TASSO JEREISSATI, GOVERNADOR.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, recebi, no final do ano passado, um alentado trabalho de investigação levado a efeito pela pesquisadora Celeste Cordeiro, sobre os Conselhos de Desenvolvimento Sustentável no Ceará , do qual vou extrair informações, dados e comentários que julgo oportuno e conveniente trazer ao conhecimento desta Casa.  

O interesse da pesquisadora não foi avaliar o Governo, ou mesmo a sociedade, vista como antagônica àquele. O trabalho teve como objetivo:  

analisar como pessoas e grupos, do governo e da sociedade, têm buscado aproveitar novos espaços de convivência democrática, inclusive precisando enfrentar poderosas investidas de núcleos de poder - de dentro e de fora do Governo - ameaçados pelas emergentes estruturas de participação popular. E também lançar algumas reflexões ao debate na esperança de que possamos contribuir, de algum modo, na criação de nova mentalidade e nova prática política.  

O Ceará está vivenciando, nos últimos anos, uma experiência inovadora em termos de gestão participativa, concretizada de modo particular na organização de conselhos de feição variada. Com a vitória da campanha de Reforma Sanitária, em meados da década de oitenta, o Estado do Ceará passou a ser expressiva vanguarda de grande parte do movimento de ampliação de atores sociais na tomada de decisões de gerência pública. Muitos conselhos foram então instalados e colocados em funcionamento, até como exigência de legislação específica, como o Conselho da Criança e do Adolescente. Tal fenômeno gerou um dinamismo participativo peculiar, pois a sociedade cearense passou a dispor de caminhos concretos para efetivar uma participação social mais abrangente nas ações do governo, ao menos em termos setoriais.  

É possível avaliar a magnitude do impacto trazido por mudanças como essas num estado como o Ceará, sabidamente dominado há séculos por oligarquias políticas que ainda hoje, no limiar de um novo século, têm a ousadia de se valerem do "voto de cabresto" e do assistencialismo mais rasteiro para exercer a coerção política.  

Em conseqüência dessa maneira torta e enviesada de fazer política, cresce a idéia errônea e ultrapassada de que incumbe ao Estado prover tudo de que precisa sua população para sobreviver. Sob tal ótica, o prefeito deve ser um constante Doador, o governador deve ser um eterno Dadivoso, e nessa linha de pensamento, o presidente da República deve ser o Salvador da Pátria.  

Em palavras poucas e certeiras, a pesquisadora Celeste Cordeiro faz uma avaliação do cenário social e político do estado do Ceará, que, em linhas gerais, pode ser transposta para grande parte dos estados brasileiros. Ela diz o seguinte, em citação textual:  

Os problemas climáticos, a pobreza econômica, a falta de informação da população e a inoperância das elites para a solução de problemas coletivos, ao lado de tendências ancestrais da nação em direção ao paternalismo, formaram um caldo de cultura em que se destaca a crença no Governo como entidade salvacionista, e a busca de soluções pessoais sempre que possível.  

Pode-se, com base nesse cenário, avaliar a profunda modificação que se operou na sociedade cearense a partir das inovações administrativas introduzidas pelo assim chamado "Governo das Mudanças", cuja origem remonta ao advento da Nova República. Foi nessa época que um grupo de empresários, ligados ao antigo PMDB, organizou-se para construir um novo tipo de interlocução entre Estado e Sociedade, desmontando os "anéis burocráticos" das tradicionais práticas clientelistas e criando um modelo diverso de políticas públicas. Entre outros obstáculos, o Governo teve de enfrentar a inércia residual da sociedade cearense, especialmente a do interior, desprovida de qualquer tradição associativista ou participativa no campo político.  

O Ceará foi um dos primeiros estados a criar seu Conselho de Saúde. Tal iniciativa se deve à política de descentralização e municipalização patrocinada pelo primeiro Governo das Mudanças, na gestão de Tasso Jereissati, de 1986 a 1990. Apoiado por um amplo setor progressista da sociedade, o Governo Tasso implementou políticas mais descentralizadas, no intuito de criar novos canais de interlocução com a sociedade que enfraquecessem as redes de poder dos velhos "coronéis".  

A experiência de municipalização na Saúde foi reforçada com o Programa Agentes de Saúde, implantado a partir de 1987, e veio se consolidando com o trabalho consciente dos sucessivos governos. Segundo dados do Conselho Estadual de Saúde, o Estado do Ceará já contava, em 1997, com 149 municípios com a saúde municipalizada; 176 com conselhos formalizados, estando 14 em processo de implementação.  

Respaldadas no sucesso do programa de descentralização da área de saúde, começaram a surgir iniciativas semelhantes em outras áreas, como educação e recursos hídricos. Mais tarde, viriam a ser implantados os consórcios intermunicipais, como resultado da evidência de que a solução de muitos problemas municipais ultrapassa as fronteiras e condições de cada município isolado, obrigando ao aperfeiçoamento das estratégias de planejamento regional.  

É ainda no segundo governo Tasso Jereissati que surge a proposta de organização de conselhos de cunho mais geral, municipais e regionais, para tratar não mais a política de um setor específico, mas os problemas gerais do município ou região. Os Conselhos Regionais de Desenvolvimento Sustentável começam a ganhar corpo nesse momento, ocupando lugar de destaque num complexo modelo de gestão política que vai incentivar e mobilizar a sociedade para trabalhar junto com o governo  

Com base nesse modelo, o Estado foi dividido em 20 regiões administrativas, e em cada qual foi instalado um Conselho Regional de Desenvolvimento Sustentável , com participação de prefeitos da região, deputados estaduais mais votados e um representante dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável.  

Mas não pára aí a intrincada parceria entre governo e sociedade implantada no Ceará. Também fazem parte desse complexo esquema os Conselhos de Participação da Sociedade : Conselho da Família e da Cidadania , Conselho de Desenvolvimento da Cultura e Conselho de Desenvolvimento Sustentável , cujos membros foram escolhidos pelo Governador entre personalidades de destaque e especialistas de renome.  

A pesquisadora Celeste Cordeiro comenta o esquema de gestão participativa implantado no Ceará com as seguintes palavras:  

Essa engenharia de participação era coerente com os princípios norteadores do Plano de Governo, entre os quais destacamos: a sustentabilidade do desenvolvimento, a descentralização e a parceria. Os CMDS e CRDS [essas siglas referem-se aos Conselhos Municipais e Regionais de Desenvolvimento Sustentável] constituem parte fundamental da estrutura participativa, tendo em vista o papel crucial das regiões administrativas e dos municípios, considerados pela Constituição Federal como a instância da esfera estatal mais apropriada para a elaboração e execução das políticas públicas.  

Não se pense, porém, que tudo foram rosas no processo de renovação das práticas de gestão pública no Ceará. A partir de sua própria análise, e colhendo avaliação de pessoas que contribuíram efetivamente para a implantação desse novo modelo, a pesquisadora Celeste Cordeiro aponta, em seu substancioso trabalho de investigação, os aspectos que mais deixaram a desejar e que dificultaram, de uma forma ou de outra, o sucesso da iniciativa.  

Um dos pontos salientados pela pesquisadora é o seguinte, em suas próprias palavras:  

Não temos tradição de planejamento na área pública, o que implicaria em continuidade administrativa, em focalizar mais as ações do que as pessoas, etc., exatamente o contrário do que temos vivido em praticamente toda a história nacional. Muito menos temos o hábito do planejamento participativo, o qual exige trato democrático das questões públicas, que também tem escasseado em nosso percurso histórico.  

É compreensível que não se possa da noite para o dia implantar algo de novo numa cultura tradicionalmente conservadora. Principalmente quando esse novo que se traz vai no sentido contrário da maré dominante. O percurso da democracia e da participação requer, com certeza, um processo de aprendizado, um período de absorção, um tempo para ser assimilado e posto em prática. Quando esse percurso é, no entanto, palmilhado com êxito, os ganhos que traz compensam todo o esforço empenhado e todo o tempo despendido.  

A pesquisadora Celeste Cordeiro analisa a fundo, numa parte de seu trabalho, os limites e as possibilidades de participação social em políticas públicas no Ceará. Num determinado ponto, ela diz:  

O principal ganho, no processo de implementação de gestões públicas participativas no Ceará, diz respeito ao avanço da sociedade civil, à mudança de mentalidade do homem comum, que começa a perceber que seu maior espaço de cidadania é discutir os problemas coletivos de seu município, de sua região, num fórum adequado. A ruptura com a tradicional política autoritária e clientelista está se dando muito mais por conta da sociedade, e da afirmação de sua cidadania, do que do próprio Governo  

Reconhece a estudiosa que muito do que pode ser criticado nesses modelos de democracia semi-direta "é fruto da fragilidade das organizações, mesmo de instituições mais sólidas como partidos e sindicatos, que não possuem pessoas capacitadas para representá-las junto à sociedade maior."  

A seguir, a pesquisadora apresenta sugestões de aperfeiçoamento ao sistema de gestão participativa, entre as quais, destaco as seguintes:  

capacitação do funcionalismo público para lidar melhor com a gestão participativa;

capacitação dos conselheiros para melhor desempenharem seu papel;

envolvimento das universidades no processo de funcionamento dos Conselhos;

melhoria na comunicação entre municípios e regiões;

institucionalização do sistema de gestão participativa.

O trabalho da professora Celeste Cordeiro não interessa apenas a nós, cearenses. Dada a amplitude com que abarca a paisagem da governabilidade no Brasil nas duas últimas décadas, é leitura obrigatória para todos que se interessam por administração e gestão da coisa pública. Acima de tudo, por analisar e avaliar uma nova forma de se fazer a gerência pública, é referência atual e necessária para tantos novos administradores que estão assumindo, neste momento, diferentes postos na administração pública.

 

Vejo principalmente, no trabalho de pesquisa da professora Celeste Cordeiro, não apenas o esforço de compreender e analisar as experiências de descentralização política no Ceará, com maior e efetiva participação da sociedade no processo de gerência pública, mas, fundamentalmente, o empenho honesto e sincero de quem quer contribuir para a criação de uma nova mentalidade política no País.  

Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente. Muito obrigado!  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/1999 - Página 6062