Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Edison Lobão, Eduardo Suplicy, José Jorge, Roberto Freire, Sérgio Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/1999 - Página 6082
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, IGREJA CATOLICA, MUNICIPIO, RECIFE (PE), OLINDA (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ELOGIO, ATUAÇÃO, BENEFICIO, JUSTIÇA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador Geraldo Melo, Vice-Presidente do Senado Federal, que preside esta sessão; Remº Dom Marcelo Carvalheira, Arcebispo da Paraíba - como me ensinava há pouco; Exmº Sr. Senador Ronaldo Cunha Lima, 1º Secretário da Casa; Exmºs Srªs e Srs. Senadores; senhores convidados:

Desejo agradecer aos Senadores que subscreveram, para efeito regimental, o meu requerimento, para que realizássemos esta sessão em homenagem a Dom Hélder Câmara pela passagem dos seus 90 anos.

É com grande honra que venho, hoje, à tribuna desta Casa, em sessão especial, para homenagear os 90 anos de vida de um dos homens mais dignos e mais fascinantes deste País, Dom Hélder Câmara, apóstolo de Deus, pastor e profeta, Arcebispo emérito de Olinda e Recife, nascido na capital do meu Estado, Fortaleza, no dia 7 de fevereiro de 1909, de família pobre e numerosa, com 13 irmãos.

Dom Hélder Câmara inicia a sua trajetória pastoral em 1923, no Seminário Diocesano de Fortaleza. A partir dessa data e até hoje, são 76 anos de vida dedicados à Igreja, à devoção, às pregações, à paz, à democracia, às lutas contra as injustiças sociais em toda a América Latina, à defesa dos oprimidos e da reforma agrária nos latifúndios improdutivos.

“Aqui dentro do Brasil, o grande problema é que, depois que acabou a escravidão africana, começou a escravidão brasileira. E só terminará quando tivermos coragem de realizar uma autêntica reforma agrária. Este é ainda um dos sonhos da minha velhice.”

Quando pronunciou essas palavras, Dom Hélder Câmara acabava de iniciar uma grande cruzada pacífica na área rural de Pernambuco para que os camponeses não trabalhassem mais nas terras dos grandes proprietários e sim em suas próprias terras.

Durante 28 anos, esteve no Rio de Janeiro e integrou, por atavismo e destino histórico, aquela diáspora de cearenses, que se espalham pelo Brasil todo. Alguns, no exercício de labores humildes; outros, que se destacam, como Dom Hélder, pelo seu talento, pela sua personalidade; mas todos, à sua maneira, ajudando na construção de um País e de uma Nação mais justa.

Em 12 de março de 1964, poucos dias antes do golpe militar, chegou ao Nordeste para assumir a Arquidiocese de Olinda e Recife e de lá não saiu mais.

Certo dia, já de malas prontas para se fixar no Nordeste, perguntaram-lhe como definia o seu trabalho catequético durante 28 anos no Rio de Janeiro. Respondeu, dizendo: “O Ceará me preparou para o Rio, e o Rio me preparou para Recife, porque foi ao chegar em Recife que eu tive a visão mais completa do Nordeste, dentro do Brasil, dentro da América, dentro do Terceiro Mundo, dentro do mundo”.

É de salientar que, na sua passagem pelo Rio de Janeiro, bem como no pouco tempo em que permaneceu em Fortaleza após a sua ordenação, teve sempre um ativo trabalho social, sendo que, no Ceará, ainda chegou a exercer, por algum tempo, a diretoria da Instrução Pública e filiou-se a vários movimentos de promoção do operariado, numa atitude pioneira que não pode ser esquecida. E, no Rio de Janeiro, entre outros trabalhos de grande alcance, criou o Banco da Providência, que primeiro vem em socorro dos pobres, dos humildes, que não tinham acesso aos instrumentos de crédito, e a Cruzada São Sebastião, para ficarmos apenas nesses dois exemplos. Há, portanto, em toda a sua ação pastoral, um fio condutor, que é justamente essa identidade com o mais pobre, o humilde, o necessitado.

Em Recife, já em pleno período militar, suas ações começaram a se tornar cada vez mais políticas e sociais. Indiscutivelmente, passaram a revelar uma nova Igreja Católica, comprometida, voltada para os explorados e para os perseguidos, sensível ao drama da miséria secular do Nordeste, independente do controle dos poderosos, que estava brotando nos morros, nos alagados e nos mocambos de Recife e Olinda.

Essa nova Igreja, sob a liderança de um homenzinho franzino, de aparência frágil - e aqui interrompo o trecho escrito para evocar uma cena que tive a oportunidade de presenciar e que dá uma idéia da dimensão universal de Dom Hélder Câmara. Em 1993, estava na Europa e fui visitar um grande memorial dedicado à Segunda Guerra Mundial, recém-inaugurado, na cidade de Cannes, na França. O memorial, construído pelos franceses, traz também nas suas exposições, no material audiovisual que é projetado, a ambivalência do povo francês durante a Segunda Guerra, com o regime de Pétain, o regime facista, com os colaboracionistas e com a Resistência. Depois de percorrermos aquele memorial, extremamente bem construído, de muito bom gosto e muito importante, no encerramento da visita, chegamos a um grande auditório, onde as pessoas assistem à uma projeção. Ali é exibido um filme, que é um verdadeiro hino à paz, à democracia e à fraternidade. Pois bem, surpresos, vimos que as pessoas aplaudiam de pé a conclusão do filme, que contava com a palavra de Dom Hélder Câmara. Ele estava ali, pregando e levando a mensagem de fraternidade e de amor e de difusão das idéias que ele tem defendido ao longo de sua vida.

Para que possamos melhor aquilatar os seus propósitos ao chegar à Arquidiocese de Olinda e Recife, é conveniente que eu leia trechos do discurso que proferiu por ocasião da sua posse:

“Aceleremos, sem perda de tempo, como obra cristã, a evangelização, o esforço do desenvolvimento. De nada adiantará venerarmos belas imagens de Cristo, digo mais, nem bastará que paremos diante do pobre e nele reconheçamos a face desfigurada do Salvador, se não identificarmos o Cristo na criatura humana a ser arrancada do subdesenvolvimento.

Por estranho que a alguns pareça, afirmo que, no Nordeste, Cristo se chama Zé, Antônio, Severino... Ecce Homo: eis o Cristo, eis o homem! Ele é o homem que precisa de justiça, que tem o direito à justiça, que merece justiça.”

Em outro trecho igualmente esclarecedor, transcrito em artigo que o Embaixador Rubens Ricupero escreveu para a Folha de S. Paulo, há uma declaração textual de Dom Hélder Câmara:

“Como João XXIII dizendo “todos, batizados ou não, pertencem por direito a Jesus Cristo”, Dom Hélder vai declarar na posse em 1964, como Arcebispo de Olinda e Recife: “Ninguém se escandalize quando me vir freqüentando criaturas tidas como indignas e pecadoras. Quem não é pecador? (...) Ninguém se espante me vendo com criaturas tidas como envolventes e perigosas, da esquerda ou da direita, da situação ou da oposição, anti-reformistas ou reformistas, anti-revolucionárias ou revolucionárias (...) Ninguém pretenda prender-me a um grupo, ligar-me a um partido, tendo como amigos os seus amigos e querendo que eu adote suas inimizades. Minha porta e meu coração estarão abertos a todos, absolutamente a todos. Cristo morreu para todos os homens; a ninguém devo excluir do diálogo fraterno”.

Suas manifestações públicas contra o poder autoritário e discriminador do Estado, suas críticas diretas ao individualismo das elites, sua consciência social aguçada, inclusive nos momentos mais críticos da vida democrática em nosso País, são as provas mais vivas e mais corajosas desse engajamento em defesa dos deserdados da sorte.

Dom Hélder Câmara, ainda muito jovem, fez sua opção pelos pobres, adotanto o lema “In Manus tuas“, “em tuas mãos”, como que se abandonando a Deus e procurando ali a realização do seu magistério, da sua pregação.

Volto ao artigo que já mencionei de Rubens Ricupero:

“Decidiu ser sacerdote apesar dos temores do pai; que dizia: “Meu filho, você sabe o que é ser padre? Padre e egoísmo nunca podem andar juntos. O padre tem que se gastar, se deixar devorar”. Ao ser sagrado bispo, escolheu como lema “In Manus tuas”. São as palavras do Salmo que Jesus mesmo escolheu dizer na hora da morte: “Em Tuas mãos, Senhor, entrego o meu espírito”. Lembro o soneto da velhice de Guerra Junqueiro: “Na mão de Deus, na sua mão direita, descansou afinal meu coração“. Ainda não chegou a hora de descansar.”

Dom Hélder Câmara sabia muito bem que a evolução histórica do nosso País foi baseada no autoritarismo, na exclusão, no paternalismo e na gritante exploração de uma minoria de privilegiados sobre o resto da população. Ele sabia igualmente que nunca tivemos democracia sólida, e, nos curtos momentos históricos em que isso aconteceu, o processo institucional e político foi bruscamente interrompido pela força das armas ou por um simples golpe de Estado. Aliás, no último episódio de interrupção autoritária da vida democrática em nosso País, fomos forçados a ficar privados dos direitos durante 25 anos, ou seja, um quarto de século, entre 1964 e 1989, quando finalmente o povo brasileiro, nas ruas, reconquistou o direito de outra vez escolher pelo voto direto e secreto o Presidente da República.

Um dos heróis dessa luta foi Dom Hélder Câmara, que ficou entrincheirado durante os 21 anos de efetivo regime militar na Arquidiocese de Olinda e Recife, de onde organizou a resistência até o juízo final dos chamados anos de chumbo. De lá, nas ruas, nos púlpitos e nos canaviais de Pernambuco, ele combateu e denunciou a tortura e os assassinatos cometidos contra presos políticos, contra camponeses e contra trabalhadores indefesos. Nas prisões macabras do Departamento de Ordem Política e Social - DOPS, às margens do rio Capibaribe, em Recife, muitos estudantes foram salvos dos castigos da repressão graças à sua interferência corajosa, que nunca temeu a perseguição do regime.

Dom Hélder organizou e liderou passeatas e procissões de protesto para denunciar a violência praticada contra militantes e religiosos por policiais torturadores. Uma das mais importantes mobilizações ocorreu em 1969, nas ruas do Recife, no período mais duro da repressão, quando aconteceu o brutal assassinato do Padre Antônio Henrique Pereira Neto, trucidado barbaramente em um matagal na cidade universitária de Recife. O Padre Henrique era um dos religiosos mais ativos da Ação Católica, movimento criado por Dom Hélder para levar a Igreja aos morros e aos alagados do Recife e do Grande Recife. O assassinato daquele sacerdote comoveu a população do Estado e do País inteiro.

Completamente lúcido, de hábitos muito simples e precisando de muito pouco para viver, ele recebe os que o visitam em sua pequena e modesta casa situada na Rua das Fronteiras, em Recife. Passa os dias com os seus livros, com os seus discos, com os seus pensamentos, com as suas meditações e, sobretudo, com a sua fé inabalável no Cristo e ainda com a grande esperança de ver o fim da opressão, da fome e do latifúndio que massacra o ser humano.

Sua intensa vida missionária ainda lhe reservou tempo para escrever cerca de vinte livros, centenas de artigos e documentos, proferir palestras e conferências no mundo inteiro, conceder entrevistas, receber prêmios e títulos de Doutor Honoris Causa de várias universidades mundiais e participar de muitos encontros religiosos pelo mundo afora.

O Sr. José Jorge (PFL-PE) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. José Jorge (PFL-PE) - Congratulo-me com V. Exª pela iniciativa de, no Senado, realizar esta homenagem a Dom Hélder Câmara, ex-Arcebispo de Olinda e Recife, nossa cidade. Ele, certamente, foi um dos homens mais importantes do Brasil neste século, não só pelo trabalho religioso, como também pelos trabalhos político e social que realizou. Nós, pernambucanos, durante quase 30 anos, tivemos a honra de o ter como arcebispo das nossas principais cidades, Olinda e Recife. Sentimo-nos honrados também por, ainda hoje, S. Exª Revmª viver em nossa cidade, atuando como grande orientador, como uma bússola para todos aqueles que são homens públicos, que se dedicam à vida pública, à vida religiosa ou mesmo aos trabalhos sociais. Não poderíamos deixar passar esses 90 anos dessa existência tão rica sem que Dom Hélder Câmara fosse homenageado nesta Casa. Esperamos que possamos continuar, cada um na sua trincheira, aquele grande trabalho que ele realizou. Meus parabéns a V. Exª e ao Bispo Marcelo por suas palavras. Nós, pernambucanos, estamos muito felizes por esses 90 anos de Dom Hélder estarem sendo comemorados em todo o Brasil. Muito obrigado.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador José Jorge, pelo aparte que, com muita alegria, integro ao meu discurso, uma vez que V. Exª é um dos representantes do Estado do Pernambuco nesta Casa.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS-PE) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Peço licença a V. Exª para adiantar um pouco mais o meu discurso.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS-PE) - Peço que V. Exª integre logo o meu aparte como um outro representante de Pernambuco.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Pois não, Senador.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS-PE) - Creio que V. Exª, por todos os títulos e, inclusive, por ser cearense, como Dom Hélder Câmara, teve essa feliz lembrança. Esta não é uma homenagem do mundo católico, nem mesmo do mundo cristão. É uma homenagem que todo e qualquer cidadão que tenha uma visão humanista do mundo deve prestar. É esse o meu sentimento, a minha palavra, associando-me a essa comemoração.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - O aparte de V. Exª tem um sabor especial justamente pela maneira como manifesta o seu aplauso, a sua alegria, a sua satisfação com relação a Dom Hélder Câmara, até porque vamos vê-lo mais adiante como profeta do Terceiro Mundo. Talvez tenha sido mais ouvido e admirado pelos não-católicos do que pelos católicos. Essa universalidade de Dom Hélder é um dos traços mais marcantes de sua personalidade. O aparte de V. Exª me faz lembrar o que foi transmitido por Dom Hélder em suas mensagens de conteúdo e natureza humanista, pela sua preocupação com os pobres.

Vou ler um trecho escrito por um dos seus biógrafos, justamente falando desse caráter profético, missionário, evangelizador dele:

      “Não adianta estudar a ‘doutrina’ Hélder Câmara” - somos sempre tendentes a compartimentalizar, a segmentar, a querer instituir doutrinas, a querer instituir regras, a querer instituir procedimentos. “Não existe uma doutrina de São Francisco de Assis, nem de São Francisco Xavier, nem dos missionários do século XVI. O que importa é o Evangelho, a mensagem sempre repetida com muitas variações, mas sempre a mesma, assim como os discípulos de São João diziam do seu mestre”.

E, mais ainda, quando se fala sobre Dom Hélder como profeta do Terceiro Mundo:

“Uma das características da pregação de Dom Hélder como profeta do Terceiro Mundo foi a sua universalidade. Nunca apareceu como pregador para os católicos. A sua palavra, os seus gestos, a sua pessoa suscitaram entusiasmo igual entre os não católicos e os católicos, às vezes mais entre os não católicos. Pode-se dizer que ele foi, e é, o único bispo católico que alcançou verdadeira audiência no mundo não católico. Para muitos, ele é a imagem do bispo católico, pois não conhecem outro. Os outros são tão discretos que não chegam a ser conhecidos, nem sequer pelo nome. O testemunho de Roger Garaudy nos seus livros é eloqüente”.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço o Senador Bernardo Cabral, com muito prazer.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª tem o privilégio de ter nascido no Ceará, portanto, sua homenagem traz o signo da naturalidade. Devo dizer que só interrompi o discurso de V. Exª para que ficasse registrado um gesto de Dom Hélder Câmara num momento terrível na vida de alguns moços, há trinta anos, quando o Ato Institucional nº 5 foi editado e eu tive o meu mandato de Deputado Federal cassado. Perdi dez anos de direitos políticos e meu lugar de professor na Faculdade de Direito. O primeiro abraço de solidariedade que recebi foi de Dom Hélder Câmara. Mais tarde, quando Presidente da Ordem dos Advogados - lá se vão quase vinte anos -, ali estava ele. Vejam, há trinta anos - ele, com sessenta - tinha a mesma circunstância de agora, aos noventa: a de quem olha para trás e não tem medo de ir para frente. Se eu tivesse, ao interromper o seu discurso, de pedir-lhe desculpas, diria que Dom Hélder Câmara tem uma audiência marcada com a posteridade. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - V. Exª traz à tona mais um aspecto da vida de Dom Hélder: a solidariedade e essa luta permanente contra o arbítrio, contra a violência. Durante a sua vida como pastor, como arcebispo, fez tentativas de estimular esse movimento de não-violência, movimento que se consolida como um dos traços humanísticos mais respeitáveis da sociedade.

O Sr. Sérgio Machado (PSDB-CE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Senador Sérgio Machado, como um dos integrantes da Bancada do Ceará, concedo a V. Exª um aparte, com todo o prazer.

O Sr. Sérgio Machado (PSDB-CE) - O prazer é nosso, Senador Lúcio Alcântara. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Dom Marcelo Carvalheira, como cearense, Dom Hélder representa um orgulho para o nosso povo. Foi o pastor do Brasil, o pastor que dedicou sua vida à conscientização, à defesa dos humildes, à pregação da não-violência, a não ter medo dos poderosos. O que estava atrás daquela figura franzina, mas corajosa, inteligente, era a defesa dos humildes. Por isso, está sendo realizada essa homenagem dos noventa anos, que V. Exª propôs ao Senado. Nada mais justo. Como Líder do PSDB e sobretudo como cearense, participo dessa homenagem. Dom Hélder representa para nós, do Brasil, um exemplo de pessoa que dedicou a sua vida à luta pelos humildes, pelos menos favorecidos. Quis implantar no Brasil aquela democracia com a qual todos sonhamos, aquela democracia com justiça social, onde cada brasileiro tem assegurado o seu direito social.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Sérgio Machado, pela palavra de V. Exª, representando o Estado do Ceará no momento em que homenageamos um cearense, aliás, um cidadão do mundo, que a nossa terra teve a felicidade de servir-lhe de berço.

O que define Dom Hélder? Como ele pensa? Quais são as suas idéias? Quais são as suas propostas? Novamente vou a esse artigo escrito pelo Embaixador Rubens Ricupero.

“Dom Hélder, miúdo, franzino, como Betinho,...” -

Justamente uma das características de Dom Hélder, um homem pequeno, franzino, são os gestos largos, a capacidade de empolgar multidões, os grandes cenários, as grandes massas na sua condição de pregador, de homem dotado de um dom, de um talento próprio para a atividade de evangelização, de propagação da fé, de defesa dos pobres, dos humildes, dos excluídos -

“... filho da mesma terra onde nasceu o padre Cícero, atravessa praticamente o arco completo do século XX brasileiro. O que em primeiro lugar o define é ser ele um cristão substantivo, desacompanhado de atributo. Cristão. No sentido da história narrada por Hannah Arendt - Roma, junho de 1963 - João XXIII agoniza no Vaticano. A camareira do hotel pergunta à escritora: - Senhora, esse papa era um verdadeiro cristão; como foi possível então que ele conseguisse sentar na cátedra de São Pedro? Ele não tinha primeiro que ser nomeado bispo, arcebispo, cardeal? Será que eles não perceberam o que ele era?” No caso de Dom Hélder, eles se deram conta em tempo: foi arcebispo, mas não chegou a cardeal.

Peter Hebblethwaite, o biógrafo de grandes pontífices deste século, disse que João XXIII foi o primeiro papa cristão. e Paulo VI, o primeiro papa moderno. Dom Hélder foi, ao mesmo tempo, moderno e cristão. Ele é realmente o primeiro grande prelado brasileiro a romper o molde tradicional de alto funcionário eclesiástico, de pilar da ordem estabelecida. Sua cultura leiga ou religiosa é contemporânea, nutrida nos autores franceses das décadas de 30 e 40, como a de Paulo VI. Será pioneiro em compreender o valor dos meios de comunicação de massa”.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª me concede um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª com prazer, Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Senador Lúcio Alcântara, menino ainda, conheci Dom Hélder Câmara Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro e passei a admirá-lo pela sua luta, sua vocação da solidariedade. Depois, lendo a vida de São Paulo, passei a meditar sobre uma vida e a outra. Saulo, desde cedo, irredento, revoltado com as iniqüidades do mundo, tornou-se o grande pregador da doutrina de Cristo, nunca deixou de ser solidário com aqueles que mais sofriam. Assim me pareceu sempre a vida de Dom Hélder Câmara, a solidariedade é a sua marca, a sua revolta com as injustiças é também outra marca. Uma vida e outra, a meu ver, assemelham-se muito. Esse é um homem da Igreja, é um representante de Cristo, é uma figura extraordinária que merece estas homenagens e todas quantas possam ser a ele tributadas aqui e alhures. Parabéns a V. Exª pela iniciativa.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Edison Lobão, pela contribuição que V. Exª dá, não ao meu discurso, mas a esta sessão que está se realizando para exaltar, merecidamente, a figura de Dom Hélder Câmara.

Se esquecessem de dizer que Dom Hélder foi um dos idealizadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, e do Conselho Episcopal Latino-Americano, CELAM, dois braços fortes da Igreja Católica no Brasil e na América Latina, nossa homenagem estaria incompleta.

Corria o ano de 1950 e lá estava Dom Hélder em Roma, no Vaticano, sendo recebido pelo Monsenhor Montini, futuro Papa Paulo VI, que ouviu atentamente a sua explanação sobre a necessidade de se criar no Brasil a CNBB.

Um ano mais tarde, em novo encontro com o Monsenhor Montini, Dom Hélder o convenceu também de que a América Latina necessitava da criação de um Conselho que reunisse todos os bispos do continente, no sentido de coordenar as teses da Igreja e as ações pastorais em todos os países. Dessa maneira, estava plantada a semente do CELAM. Em 1955, no Rio de Janeiro, a 1ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em reunião preparatória, declarava aberto o processo de fundação da entidade.

Aqui um outro traço da personalidade de Dom Hélder enquanto administrador da igreja: a sua simpatia pela colegialidade, quer dizer, pelo governo colegiado, dividindo com os irmãos, assessores, leigos, padres e bispos o governo da Igreja.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Dom Hélder Câmara é um dos homens mais notáveis da nossa era e já ocupou há muito tempo os espaços na luta pela paz, liberdade e dignidade humana. Ao lado de Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá e Nelson Mandela, Dom Hélder já escreveu o seu nome na galeria dos mitos que este século produziu. Ele continua tendo uma grande alma - como Gandhi teve - e um grande sonho - como Luther King. Ao nosso “Mahatma” só falta agora o Nobel da Paz que haverá de vir.

É um orgulho muito grande para a Nação brasileira tê-lo como um de seus filhos mais ilustres. Gostaria que o Senado pudesse, daqui a dez anos, em uma sessão como esta, homenageá-lo pela passagem do seu centenário. Que Deus o continue protegendo, iluminando-lhe o caminho e dando-lhe muita saúde.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Gostaria de ouvi-lo, mas antes preciso saber da Mesa se isso será possível.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Claro que a Mesa não vai impedir a manifestação do Senador Eduardo Suplicy; lembraria apenas a S. Exª que está inscrito para falar nesta sessão em homenagem a Dom Hélder Câmara.

A Casa ouvirá, com prazer, a intervenção de S. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Faço este aparte como forma simplificada de participar desta homenagem do Senado à extraordinária figura da Igreja e do povo brasileiro que tem sido Dom Hélder Câmara. Preferi aparteá-lo, Senador Lúcio Alcântara, porque V. Exª aqui talvez seja um dos que mais tem compreendido a batalha de D. Hélder. Em 1991, Dom Hélder Câmara, em uma de suas participações no programa “Roda Viva” - foram diversas -, sugeriu que o Brasil se comprometesse a chegar ao ano 2000 com o objetivo de acabar com a pobreza. Ele disse - estávamos em 1991 - que o Brasil precisava criar os instrumentos para chegar ao ano 2000 sem que houvesse miséria em nosso País. Lembro-me disso, Senador Lúcio Alcântara, porque este foi um dos argumentos que eu próprio apresentei para justificar o projeto que instituía o Programa de Garantia de Renda Mínima - programa que Dom Hélder apoiou e, numa mensagem ao Senado Federal, pediu a sua aprovação. Ele havia compreendido perfeitamente o sentido de se garantir a cada brasileiro a possibilidade de participar da riqueza; ele entendia, como nós, que a ninguém deveria ser negada, pelo menos, renda suficiente para poder sobreviver com dignidade, viver com a possibilidade de estudar, alimentar-se e morar dignamente. Esta batalha ainda tem de ser levada adiante, pois já estamos em 1999 e faltam apenas nove meses para tentarmos instituir no Brasil alguns instrumentos que possam nos aproximar do objetivo de Dom Hélder Câmara. Cabe ao Governo Fernando Henrique Cardoso enfrentar esse desafio, já que Sua Excelência é o Presidente que vai fazer o Brasil cruzar o limiar do século. O início desse seu segundo mandato está sendo caracterizado por estatísticas que revelam recordes de desemprego e o aumento da violência, como resultado, inclusive, de uma pobreza que aumenta e de desigualdades que se tornam mais intensas. Ainda está nas mãos do Governo e do Congresso instituir essas medidas - medidas que se tornam ainda mais urgentes quando observamos o contraste entre taxas elevadíssimas de desemprego e lucros recordes de instituições financeiras. Em outros países, há lucros extraordinários para alguns setores como resultado de uma política econômica adotada - normalmente os governos estabelecem compensações para que aqueles que tanto foram beneficiados colaborem com os que não tiveram tanta sorte. Assim procedem para atingir objetivos como os colocados tão claramente por Dom Hélder Câmara, ao longo de toda a sua vida: justiça e dignidade - sempre procurando compatibilizá-las com a liberdade do ser humano, liberdade na fé e na palavra. Portanto, quero me irmanar na homenagem que V. Exª presta a Dom Hélder Câmara para atrair mais atenções para os seus objetivos, sobretudo para aquele que tem em vista, no ano 2000, um Brasil sem uma pessoa sequer em condições de miséria.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Senador Eduardo Suplicy, sabe V. Exª a admiração que tenho pelo seu trabalho e pela sua pessoa. Ao modo de Dom Hélder, V. Exª é um Apóstolo da Renda Mínima: está sempre pregando, trazendo essa discussão, suscitando esse debate. Tanto quanto possível, tenho-me aliado a V. EXª em algumas circunstâncias que certamente vão contribuir para minorar esse quadro de desigualdade que, infelizmente, ainda há, hoje, em nosso País.

O que é preciso separar bem, distinguir, é a ação de figuras, de personalidades como Dom Hélder Câmara, que não têm outro compromisso senão com a evangelização, com a pregação, com a sensibilização do povo, da sociedade para essa situação de absoluta injustiça social. Os mais ortodoxos, os que rezam mais pelo credo dos economistas, costumam dizer - diante de temas como o da Campanha da Fraternidade Sem Trabalho.... Por Quê? - que a Igreja não tem uma proposta, não tem uma solução.

Primeiro, a Igreja não é Governo; segundo, a sua função é um pouco a função de sal da terra: despertar as pessoas, sensibilizá-las para encontrarmos soluções para esses problemas.

Quando fazemos uma reunião como essa, em torno do nome de Dom Hélder Câmara, estamos cumprindo esse papel de mostrar o quanto há por ser feito, o quanto há por realizar nesse campo do desenvolvimento social. Não somos pessoas que não conhecem as limitações de recursos, as limitações orçamentárias, as dificuldades de gerir, ao mesmo tempo, tantos problemas, solucionar tantas dificuldades, algumas delas acumuladas ao longo desses 500 anos.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - (Fazendo soar a campainha.)

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Já concluo, Sr. Presidente.

No entanto, devemos cobrar determinação e empenho dos nossos governantes, para que essas questões sejam abordadas com a capacidade que o Governo tiver para fazê-lo.

Por fim, digo a S. Exª. que há, hoje, uma associação internacional, procurando sensibilizar para o imposto sobre transferências internacionais, Attac, se não me engano no nome. Vamos, portanto, S. Exª. e eu, filiar-nos e fazer esse trabalho de pregação, que um dia haverá de frutificar no coração dos homens e dos governantes.

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/1999 - Página 6082