Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A DOM HELDER CAMARA, ARCEBISPO EMERITO DE RECIFE E OLINDA, PERNAMBUCO, PELO TRANSCURSO DE SEUS NOVENTA ANOS.
Aparteantes
Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/1999 - Página 6093
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, IGREJA CATOLICA, MUNICIPIO, RECIFE (PE), OLINDA (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ELOGIO, ATUAÇÃO, BENEFICIO, JUSTIÇA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/ PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei breve em minhas palavras, dizendo que a homenagem que é feita a Dom Hélder é justa e que talvez seja uma espécie de resgate de um tributo pago por tudo aquilo que fez pelo Brasil, colocando-se como um referencial de esperança e de dignidade para todos nós.  

Quem é Dom Hélder? Fica difícil fazermos uma definição, porque existem aquelas pessoas que têm a capacidade de transpor a barreira da realidade pessoal. Elas passam a fazer parte das inúmeras realidades, das consciências que acompanham o seu trabalho e a sua trajetória. Como Francisco de Assis, Chico Mendes e tantos outros, certamente Dom Hélder é uma pessoa na qual projetamos muitos dos nossos sonhos, das nossas esperanças, daquele lado bom que temos e que gostaríamos de ver materializado na ação concreta das pessoas. Com certeza, Dom Hélder faz parte dessas nossas projeções. Mas, numa tentativa de definição, poderíamos dizer que Dom Hélder é o eterno lutador da democracia, da liberdade, da justiça social. É um daqueles que buscam parceiros para a construção de projetos que possam ser revertidos no bem comum, a fim de minorar o sofrimento da maioria, causado tanto pelas condições sociais, como pelas condições de falta de liberdade, de direito de expressão e de organização.  

Dom Hélder é, com certeza, um homem respeitado nacional e internacionalmente e mesmo quando quiseram fazê-lo passar apenas por um arcebispo emérito, sua força, sua coragem e sua dignidade o fizeram ser tratado como o eterno arcebispo de Olinda e do Recife, numa demonstração concreta de que os homens são, pelos seus feitos, maiores do que qualquer tipo de força bruta que queira impedir a sua memória de florir para a História.  

Conhece-se também a grandeza de um homem pela capacidade de reconhecer os seus erros. Quando falamos dos seus inúmeros feitos e qualidades, não podemos nos esquecer de uma delas, talvez uma das mais importantes: Dom Hélder também é um homem capaz de reconhecer seus próprios erros, que chamou de "pecados da juventude". Esses pecados, com certeza, foram absolvidos pela sua santidade na maturidade, quando tornou-se um exemplo concreto, para esta Nação, daquilo que deve ser, daquilo que é. Há uma música que diz: "O não é o que não deve ser, o que não é". Dom Hélder é o que deve ser, é o que é, é o que é pela sua história, pela sua garra, pela sua luta.  

Umas das coisas mais bonitas que posso observar na vida de Dom Hélder Câmara é o que deve ser. É o que é. É o que é pela sua história, pela sua garra, pela sua luta.  

Uma das coisas mais bonitas que posso observar na vida de Dom Hélder é o seu exemplo de amor. Foi por amor que, com certeza, enfrentou a falta de democracia. Com sua voz fez eco a milhares e milhares de brasileiros que estavam silenciados. Foi por amor que multiplicou a sua capacidade, em inúmeras conferências, debates, programas de rádio, nas suas composições, na sua poesia. Foi por amor que se dedicou, com tanta ênfase, aos mais pobres, aos desfavorecidos, àqueles pelos quais a Igreja fez a sua opção.  

Quero dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o exemplo de Dom Hélder é para todos nós um referencial de luta e, acima de tudo, de esperança em um País onde os problemas sociais se agigantam, onde as exigências para que façamos frente à incansável sede de lucro daqueles que especulam com dinheiro ao invés de gerar produto, daqueles que especulam com dinheiro ao invés de gerar postos de emprego, crescem. Em um País como este é que precisamos de homens com a força e a coragem de Dom Hélder. Foi por amor, também, que Dom Hélder foi capaz de ser ecumênico, de ultrapassar as barreiras de sua própria Igreja e ser aquele que se constituiu em um referencial para muitos credos. Afinal de contas, ele conseguiu viver na prática a máxima bíblica, dita pelo próprio Jesus, de que "Na Casa de Meu Pai há muitas moradas". E se há muitas moradas, com certeza existem muitos convidados, e com diferentes formas de agir e pensar, do ponto de vista da espiritualidade.  

Foi com esse espírito ecumênico que S. Exª Revmª conseguiu ser o profeta, como alguém já falou anteriormente, até mesmo daqueles que não acreditam em Deus.  

Sr. Presidente, após o apelo que me foi feito em função do adiantado da hora, quero dizer que talvez a melhor homenagem à figura de Dom Hélder se encontre na primeira Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios, cap.13, vv.1º a 7º, em que lemos a seguinte poesia - para mim uma das mais belas -, que gostaria de dedicar a Dom Hélder:  

A suprema excelência do amor - em alguns textos bíblicos está escrita a palavra "caridade "; prefiro a palavra "amor".  

Diz o Apóstolo Paulo:  

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.  

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.  

E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.  

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece,  

não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;  

não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;  

tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.  

O amor nunca falha;  

Com estas palavras do Apóstolo Paulo gostaria de dedicar a Dom Hélder todo o carinho que nós, brasileiros, da Amazônia ao Rio Grande do Sul, temos por ele, além da gratidão pelo exemplo de vida que ele é. É muito bom ter pessoas reais, pessoas concretas que fazem da sua prática de vida aquilo que professam com palavras. É dessas pessoas que extraímos a força e a coragem para tentar imitá-las, senão no todo, pelo menos em parte.  

Que, nesta homenagem, o Congresso Nacional comece a refletir sobre o dizer e o fazer, o pensar e o agir. Só assim poderemos transformar a realidade deste Brasil, como ele foi capaz de transformar mentalidades, não apenas da Igreja Católica, mas de todas aquelas pessoas que deram oportunidade aos seus corações de viver uma outra experiência: a experiência do amor.  

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - A Senadora me concede um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte ao ilustre Senador Roberto Requião.  

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - Senadora Marina Silva, o fundamental para nós, brasileiros, na existência e na presença de Dom Hélder Câmara na nossa estrutura social, é que as sociedades, a meu ver, comportam-se mais ou menos num esquema freudiano. Quando não existe uma referência forte de pai ou de mãe, a família se dispersa com exemplos alheios à sua estrutura. E neste período em que eu e tantos Senadores aqui presentes, tantas pessoas aqui presentes fazemos política, sempre que nos veio o desânimo, sempre que vacilamos e titubeamos encontrávamos pela frente a referência forte e corajosa de Dom Hélder Câmara. Dom Hélder Câmara foi um estímulo para os que vacilavam, um símbolo de coragem para os que lutavam e uma figura rigorosa e absolutamente indispensável numa sociedade onde faltam tantos valores, onde falta tanta firmeza na estrutura política, nos estamentos sociais. Eu não sei se Dom Hélder Câmara é um santo. Mas ele é, sem a menor sombra de dúvida, um das referências éticas e morais mais fortes do nosso País nos últimos 100 anos. Obrigado, Senadora.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço e incorporo o aparte de V. Exª.  

Santos são aqueles homens que foram, acima de tudo, capazes de enfrentar os seus pecados e os pecados da sociedade em que viveram. E um dos maiores pecados da nossa sociedade tem sido a injustiça social, e foi, durante um longo período, a ditadura, pela falta de democracia, e ele enfrentou isso com muita grandeza.  

Muito obrigada. (Palmas)  

 

\ U


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/1999 - Página 6093