Discurso no Senado Federal

TRANSCRIÇÃO DE CORRESPONDENCIA TROCADA COM O JORNALISTA HELIO FERNANDES, ACERCA DE CRITICAS EQUIVOCADAS FEITA A S.EXA. NO JORNAL TRIBUNA DE IMPRENSA, DO ULTIMO DIA 4 DE MARÇO DO CORRENTE.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • TRANSCRIÇÃO DE CORRESPONDENCIA TROCADA COM O JORNALISTA HELIO FERNANDES, ACERCA DE CRITICAS EQUIVOCADAS FEITA A S.EXA. NO JORNAL TRIBUNA DE IMPRENSA, DO ULTIMO DIA 4 DE MARÇO DO CORRENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/1999 - Página 6715
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, AUTORIA, ORADOR, RESPOSTA, CRITICA, HELIO FERNANDES, JORNALISTA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, TRIBUNA DA IMPRENSA, REFERENCIA, POSIÇÃO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, SENADOR, EX GOVERNADOR, EX MINISTRO DE ESTADO.
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, AUTORIA, HELIO FERNANDES, JORNALISTA, RESPOSTA, PEDRO SIMON, SENADOR, DEMONSTRAÇÃO, POSSIBILIDADE, DIALOGO, POLITICO, IMPRENSA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 4 de março, o jornalista Hélio Fernandes, na sua coluna no jornal Tribuna da Imprensa, fez alguns comentários, que me pareceram inexatos, a respeito de certas atitudes que tomei na política do Rio Grande do Sul. No dia seguinte, enviei a ele uma longa carta, em que apontava os equívocos cometidos no seu julgamento. Tratava-se de uma carta pessoal, da qual sequer pedi a publicação. Queria apenas que o colunista político conhecesse a verdade que se esconde por trás das aparências, das versões.

Para minha grande surpresa, dias depois recebi de volta uma extensa carta em que aquele que é um dos mais polêmicos jornalistas brasileiro - conhecido pelo vigor com que ataca os seus adversários - não só me respondia, como também abria seu coração. Na carta, Hélio Fernandes falava abertamente dos seus sonhos políticos, de sua larga atividade jornalística, de suas afeições e até mesmo de suas derrotas. Escrevia de peito aberto, sem meias palavras, como é seu feitio. Surpreendeu-me o tom confessional. Eu conhecia o jornalista, e não o homem que sobressai naquela carta.

Sinceramente comovido pela gentileza, telefonei a ele para agradecer resposta tão extensa. Ele perguntou-me se poderia publicar a carta. Respondi que sim, mas achava recomendável que ele publicasse, junto, a sua carta. Encerrei o telefonema informando-o de que iria ler a sua carta, se ele concordasse, e como ele concordou é o que estou fazendo neste momento.

É para isso estou aqui. Para ler, para que sejam publicadas nos Anais do Senado, a carta que enviei ao jornalista Hélio Fernandes e a que recebi de volta. Aos mais apressados, esta minha atitude pode parecer um ato de puro e simples exibicionismo. Não é. Desejo a publicação dessas cartas pelo que elas têm de simbólico. Elas mostram de que maneira se podem contornar conflitos entre os meios de comunicação e os homens públicos. Com grandeza, com elegância, com gentileza. No caso da mídia, a carta de Hélio Fernandes é ainda mais representativa, porque se trata daquele que é considerado um dos maiores e irancudos colunistas deste País. A carta dele mostra que erram os que trabalham com preconceitos. Se eu, prejulgando, considerasse o Sr. Hélio Fernandes um homem vaidoso, incapaz de receber uma crítica, não teria escrito a ele. Se eu o julgasse prepotente, como geralmente nós, políticos, julgamos os jornalistas que detêm o controle de colunas e jornais, não teria escrito a ele. Mas não me movimento sobre preconceitos. Acredito nos homens, principalmente nos que agem de peito aberto.

Esse pequeno episódio, creio eu, ilustra a possibilidade de um relacionamento digno entre a imprensa e o Parlamento. Por isso é que leio as duas cartas, para publicação nos Anais desta Casa.

A minha:

     Brasília, 5 de março de 1999

     Meu prezado amigo Hélio,

     Após tantas citações ao longo do tempo em que sua prestigiosa coluna, que eu respondi com constrangido e agradecido silêncio, sou compelido, mesmo contrariado, a reagir aos termos surpreendentes de tua coluna da última quinta-feira, 4 de março de 1999, na Tribuna da Imprensa.

     Teu comentário merece algumas considerações de minha parte, em homenagem ao imenso afeto e admiração que tenho por ti.

     Primeiro, não fui visitar o Governador Olívio Dutra em palácio. O Governador do meu Estado, na verdade, convidou toda a bancada federal gaúcha para discutir com ele os problemas do Rio Grande do Sul e as dificuldades que a administração estadual enfrenta, neste momento, com o Governo Federal. Não fiz mais do que atender ao chamamento do Governador, às vésperas de sua audiência em Brasília com o Presidente da República para discutir alternativas para o Rio Grande do Sul.

     A reunião com Olívio foi na ala residencial do Palácio Piratini, onde nunca “funcionei” pela simples razão de que lá nunca morei. Quando Governador, continuei morando na minha casa, um modesto apartamento de classe média baixa no bairro Petrópolis, onde resido há 40 anos. Como Governador, minha única mordomia era um solitário guarda na porta, por inarredável exigência do Gabinete Militar.

     Outro equívoco que cometes com teu amigo, Hélio: não disse, nem poderia dizer aquela frase ao Olívio: (“Você tem maioria enorme, coisa que eu não tive”). Por uma simples razão: ganhei uma eleição onde o PMDB, isolado, fez 27 deputados, contra 28 eleitos pela oposição, que englobava da esquerda à direita (PT, PDT, PDS e PFL, que se uniram, todos, num bloco homogêneo contra o meu Governo). Me faltava apenas um deputado para fazer maioria (o PMDB tinha 27; 28 já seria maioria) - que eu, Governador vitorioso, em início de mandato (em início de mandato as coisas são muito mais fáceis para o Governador) e que tudo pode, fiz questão de não buscar. (Governei sempre com minoria.) Hoje, o Governador Olívio Dutra tem uma bancada de 20 deputados contra uma oposição de 35 parlamentares de vários partidos.

     O que eu disse, amigo Hélio, é que o nosso Rio Grande era o único Estado (isso é importante salientar, nesta hora, na tribuna do Senado) com uma bancada federal fiel a este princípio: deputados e senadores com identidade política própria, mas que preservam os interesses do Rio Grande do Sul acima das eventuais diferenças partidárias. Desde 1990, a bancada gaúcha no Congresso Nacional cultiva o saudável hábito de se reunir uma vez por semana, em Brasília, para tratar dos problemas maiores do Rio Grande Sul - uma rotina única, só praticada pelos parlamentares riograndenses. As emendas da bancada ao Orçamento, discutidas abertamente por todos, são votadas em conjunto e apresentadas em bloco (assinadas por todos os parlamentares dos vários partidos). No Governo Collares, várias vezes nos reuníamos com esse objetivo. E assim foi, também, durante o Governo Britto.

Foi aí, nesta reunião com Olívio Dutra, que eu salientei a importância desta ação conjunta da bancada federal. Até oito anos atrás, esta prática não existia. Era impensável e inaceitável, até então, que algum parlamentar da Oposição se sentasse à mesma mesa do Governador. E isto nós fazemos hoje, Hélio, de forma aberta e transparente, preservando as diferenças de cada um, mas sempre na defesa intransigente dos interesses maiores do Rio Grande.

Outra injustiça que cometes comigo, Hélio, é a falsa idéia de que dou uma no cravo, outra na ferradura. Como frisei, e ninguém mais do que tu sabe disso, sempre coloquei os temas do meu País e do meu Rio Grande acima das divergências pessoais ou partidárias. Se existe uma coisa que nunca fiz, foi bajular. Não bajulei os militares, não bajulei os empresários, as grandes corporações, os empreiteiros, não bajulei o poder (não bajulei a imprensa). O Brasil inteiro sabe, há quatro décadas, o que eu penso e o que digo.

Tu bem sabes, amigo Hélio, que minha linha de conduta, ao longo da minha vida, é uma só: sou seguidor da ideologia humanística de Alberto Pasqualini, na busca permanente pela democracia e justiça social. Como escudeiro do grande Teotônio Vilela, percorri durante dois anos este Brasil inteiro na luta exaustiva mas gratificante pela anistia ampla, geral e irrestrita. Nunca, em nenhum momento, minha voz modesta mas digna calou-se na defesa de nossa gente e de nossa liberdade. Minha palavra, minha conduta de vida tiveram como parâmetro sempre a seriedade (sempre a verdade) - mais do que uma obrigação, minha razão de viver.

Não sou amigo de Fernando Henrique Cardoso há apenas cinco anos. Quando ele voltou do exterior, ainda humilde professor atingido pela violência do AI-5, vivíamos uma época em que os espaços políticos do País estavam reduzidos ou suprimidos pelo arbítrio. Fernando Henrique e muitos outros intelectuais da esquerda, que não tinham onde exprimir suas opiniões e debater suas idéias, tiveram refúgio no Parlamento gaúcho (na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, onde o MDB era majoritário). Naqueles tempos difíceis em que o Legislativo dos Estados estava fechado pela força, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul era a única ainda funcionando, dando vez e voz aos setores oposicionistas. E Fernando Henrique foi lá, várias vezes, a convite do MDB gaúcho, para desfrutar do espaço democrático da nossa Assembléia, em encontros realizados muitas vezes com o cerco de tropas do Exército. Foi ali, naquelas horas difíceis, desafiando de peito aberto a repressão e o arbítrio, que conheci e me tornei amigo de Fernando Henrique Cardoso. Não sou amigo de ocasião, amigo Hélio.

Eu me considero amigo de Fernando Henrique. Não sei se ele ainda me tem o mesmo carinho de antes. Eu tenho. Nunca fui seu adversário. Mas também nunca deixei de dizer e de fazer o que penso a respeito de seu Governo.

Sou daqueles, Hélio, que acham que amigo não é o que bajula. Amigo é aquele que, mesmo correndo o risco da incompreensão, tem a coragem de divergir e discordar, sempre que achar necessário.

No pleito passado, no Rio Grande do Sul, discursando no palanque em Porto Alegre e em Pelotas, na presença de Fernando Henrique (candidato à Presidência da República; eu, candidato a Senador), chamei a atenção do Presidente para a importância de orientar seu segundo mandato para os problemas da agricultura e para os dramas da injustiça social. Numa eleição em que, lembro ao amigo, eu fui vitorioso com 54% dos votos dos gaúchos (índice muito mais alto do que o de qualquer outro candidato), ao contrário de Fernando Henrique e de Antônio Britto.

Meu amigo Hélio: a surpresa que tive ao ler a coluna de quinta-feira levou-me a vasculhar os arquivos onde guardo, com carinho e apreço, todas as inúmeras colunas onde tive a honra de ser citado. E confesso que, ao relê-las, quase fui às lágrimas, tanta generosidade no julgamento desse jornalista sempre tão rigoroso, até mesmo com os amigos. Como na coluna do Natal de 96, onde escreveste: “Pedro Simon. Uma das melhores figuras do Senado, ex-governador, ex-ministro, homem de convicções, é perseguido por isso por FHC.”

Hélio, espero ter a chance, em breve, de um encontro pessoal para dirimir, com a sinceridade própria dos amigos e a boa vontade comum aos homens que se respeitam, as dúvidas que porventura possas ter acumulado, mais recentemente, a meu respeito. E terei, então, a oportunidade de receber tuas sugestões e tuas críticas. Sei que nada melhor que uma conversa direta, olho no olho, para manter o respeito e a admiração que a distância, por acaso, embaçou nessa velha amizade que tudo une e ninguém separa.

Um abraço do amigo,

Pedro Simon.

Leio a resposta de Hélio Fernandes:

Rio de Janeiro, 8 de março de 1999.

Prezado amigo Pedro Simon,

Nada mais digno, mais honroso, mais elucidativo, nada mais aconchegante do que uma conversa entre dois homens cuja amizade tudo une e ninguém separa. Até porque, utilizando a frase, poderíamos nos lembrar de Saenz Peña, o grande Presidente da Argentina, que vindo ao Brasil em 1922, nas festas do Centenário da Independência (que independência, Simon?) usou a frase em relação ao Brasil e à Argentina.

A conversa seria ótima da forma como você sugeriu, olho no olho. Mas eu não teria críticas e sugestões a você, meu caro amigo Simon, pois acredito que nada embaçou nem vai embaçar nossa velha amizade.

Quem sabe poderíamos comparar estilos, formas de luta, maneiras de travá-las? Mas acabaríamos como sempre dividindo a mesma trincheira, pois sempre estivemos juntos, atirando para o mesmo lado, com a mesma veemência. Talvez, e aí o talvez possa ser modificado pela certeza, tenhamos diferentes maneiras de combater, Alexandre, Júlio César e Napoleão, seguramente os 3 maiores generais da História, que vieram de 6 mil anos antes de Cristo (Alexandre) até 1812 (Napoleão), não combatessem rigorosamente iguais. Mas combatiam.

Sem nenhuma dúvida, uma das datas mais comemoradas na nossa História seja a Retirada da Laguna. Da mesma forma que na História da Inglaterra Dunquerque, outra retirada, seja inesquecível. Já o General MacArthur, que não pode deixar de ser citado, não acreditava em retirada, preferia levar tudo de roldão. Quando se retirou das Filipinas, foi ameaçado até de Corte Marcial, pois não queria se retirar. Recebeu então ordem direta do Presidente Roosevelt, comandante supremo do Exército dos Estados Unidos, que “lhe ordenava a retirada das Filipinas”.

Se pudéssemos comparar estilos de luta, maneira de lutar, formas de enfrentar inimigos ou até adversários, eu me compararia a MacArthur e deixaria os outros 3 para você, meu prezado Simon. E isso não é uma avaliação de mérito, um julgamento de valor, uma precedência, qualquer que seja a escolha. Simplesmente eu combato, tenho a obsessão de derrotar, destruir e derrubar o inimigo. Você é até mais lúcido, mais competente, mais vitorioso, pois só acumula vitórias, enquanto eu, do ponto de vista “da estratégia de resultados”, muito em moda, só acumulo derrotas.

Não deixei em nenhum momento, meu prezado Simon, de admirá-lo, de lhe devotar o carinho que merecem os lutadores como você, não tenho nada a retirar do que escrevi sobre você, nas mais diversas oportunidades. E espero que continue a conservar seus arquivos, onde estão guardadas as notas que dei sobre você, com a mais sincera e irrecorrível das amizades. E se o tempo permitir, amigo Simon, teu arquivo se enriquecerá mais, se é que qualquer nota deste humilde repórter pode enriquecer qualquer arquivo.

Mas tenho que dizer, com a mais triste das veemências, ou com a veemência da amargura, que estou cansado dessa “estratégia de ir e vir”, que, vá lá, defini errado como “uma no cravo e outra na ferradura”. Vou te dizer com a sinceridade de toda uma vida, Simon, que nada me entristeceu mais e até me revoltou do que o teu discurso sobre Mendonça de Barros. Repetido depois com Chico Lopes e Armínio Fraga. Pode até ter sido uma estratégia vitoriosa, pois Mendonça acabou demitido, e foi você quem o “aconselhou” a pedir demissão. Mas, depois de tantos elogios (eu sei, Simon, era uma tática), fiquei até desanimado. Mendonça de Barros já foi personagem de tantos escândalos, já enriqueceu tanto e tão estrepitosamente, ele, os filhos e amigos, que o combate direta e agressivamente seria o mais apropriado. E de que adiantou o teu combate, meu prezado Simon, se ele vai voltar para o primeiro plano pelas mãos do teu amigo Fernando Henrique Cardoso?

E se os “ventos ventarem” até 2002, se a sucessão de FHC não se transformar numa “sucessão-Itararé”, homenagem à “grande batalha que não houve em São Paulo, em 1932”, você ainda verá Mendonça de Barros, que deveria estar preso e condenado por vários episódios, digamos, desde 1970, candidato a ocupar o lugar que FHC DESOCUPA com galhardia.

Nem quero tratar diretamente de tua carta, Simon, pois ela está cheia de equívocos do princípio até o fim. Não sou bom polemista com amigos, adoro duelar ou combater com adversários ou inimigos, coisa que você jamais será. E também não gosto de combater à sombra, nas Termópilas, prefiro o sol quente, a batalha em campo aberto. E também não gosto de lutar na neve e no gelo abaixo de 40 graus, que destruiu um dos meus ídolos, Napoleão, e acabou com um dos carrascos da humanidade, Adolf Hitler.

Tua carta de 100 linhas, Simon, mereceria muito mais do que isso para a resposta. Talvez ou precisasse dos 100 dias que Napoleão ficou em Santa Helena ou dos mil dias de Kennedy, no livro maravilho e emocionante do historiador e assessor Arthur Schlesinger. Vou deixar tudo para me fixar apenas no que você escreveu sobre FHC. E, como eu disse antes, pela amizade indevida, despropositada e mal-agradecida, você não podia falar tão bem de FHC.

Para começo de conversa, Simon, é preciso rever o passado de FHC para reaver a veracidade das datas, a sua autenticidade, a credibilidade. Pois não fica bem a um homem como você, com o teu passado, o que representa no presente e o que ainda inscreverá no futuro, se apresentar publicamente para cantar hinos que jamais saíram dos lábios de FHC. Ele e você, meu caro Simon, nunca dividiram a mesma trincheira, entoaram o mesmo hino, agitaram a mesma bandeira. “Não sou amigo de Fernando Henrique Cardoso apenas há cinco anos”, diz você. Preferiria que essa frase ou esse sentimento da frase estivesse traduzido assim: - “Nunca fui amigo nem acreditei em Fernando Henrique Cardoso”. Aí, sim, estaria presente de corpo inteiro o Pedro Simon que jamais me cansei de elogiar, de exaltar, de admirar. Ser “rigoroso até com amigos”, uma frase tua, verdadeira, foi mais um dos sacrifícios que tive que praticar em nome da coerência, da luta pela coletividade, do combate que jamais deixei de travar comigo mesmo. Parece surpreendente, mas Carlos Lacerda me disse um dia, preocupado: “Você pode almejar o que quiser, Hélio, mas você combate demais. É preciso dar alguma coisa para que o adversário ou o inimigo possa pelo menos respirar.” Jamais concedi nada, por isso não conquistei coisa alguma, meu prezado Simon.

Poucas linhas, desculpe, para uma lembrança pessoal. Em 1966, fui candidato a Deputado Federal pelo MDB da Guanabara, do qual fui um dos fundadores. Era tido e havido como o mais votado, pois aqui só eu fazia oposição para valer. Isso era o pensamento de todas as pesquisas. E até mesmo do SNI, chefiado então pelo tenente-coronel Golbery. Comecei a campanha. Em todos os lugares me perguntavam: “Por que o senhor quer ser deputado? O senhor é um jornalista de prestígio, respeitado, para que ser deputado?”

E eu respondia o que era a minha convicção, a minha formação, a minha vocação e destinação: “Não quero ser apenas deputado. Se me eleger com grande votação, em 1970 serei candidato a governador e em 1975 a presidente da República”. Para isso me preparei de todas as maneiras, meu prezado Simon. Percorri muito mais o Brasil, Simon, do que qualquer pessoa. Em 1955, mocíssimo, no limiar dos 30 anos, fui dirigir a campanha de Juscelino. Achei que a eleição dele era a última oportunidade de evitar um golpe. Quando conversei isso com Carlos Lacerda, de quem sempre fui intimíssimo, tivemos uma daquelas discussões inesquecíveis de dias e dias. No golpe de 11 de novembro de 1955, eu estava ao lado de Juscelino eleito pelo povo, Carlos Lacerda estava no Tamandaré, junto com generais, almirantes e brigadeiros. Eram duas visões e versões diferentes do mesmo problema.

Hoje, quem dirige uma campanha eleitoral, seja qual for, acaba rico. Naquela época, não havia nada disso. E JK se elegeu combatendo seu próprio PSD, os militares e Café Filho no poder. Dessa campanha, feita sem um tostão, só duas satisfações. Em primeiro lugar, 1 ano inteiro correndo o Brasil, revendo o que eu já conhecia. Depois, a viagem com o presidente eleito, não empossado, visitando vinte e dois países, apenas sete pessoas e um convidado: este repórter.

Empossado, Juscelino me convidou para vários cargos que estavam de acordo com a minha idade e projeção. Não aceitei nenhum. Em 1960, Carlos Lacerda foi eleito e me disse pouco antes da posse: “E agora, como vamos conversar? Você não gosta de palácio, precisamos manter as conversas”. Depois de alguns dias, chegando a data da posse, me comunicou: “Vou nomear você secretário sem pasta. Podemos continuar conversando e você escrevendo”. Não aceitei, e sabe por quê, Simon?

Vou te dizer. Como eu pretendia ser Presidente da República, não queria que fosse “maculado” pela nomeação de ninguém. Eu achava que antes de qualquer coisa precisava de uma experiência parlamentar. Daí a minha candidatura a deputado federal em 1966. Infelizmente, Castelo Branco e amigos não queriam. A eleição era em 15 de novembro de 1966. Fui cassado no dia 12. Bati no Supremo no dia 13 e o Supremo mandou registrar minha candidatura pela decisão de um bravo gaúcho, Adalberto José dos Santos, você deve conhecer. Só que os ditadores não respeitavam nada, não ligaram para o Supremo, que foi cassado junto comigo.

Fui proibido também de escrever com meu nome e tive que usar o pseudônimo de João da Silva, um pracinha que morreu na Itália. Logo depois, em 1967, quando impuseram nova “Constituição” ao País, ganhei um artigo especial, Simon, você pode conferir. O artigo dizia: “Nenhum jornalista cassado poderá ser diretor de jornal”. Acontece que o único cassado diretor de jornal era eu. Decidi não sair do Brasil, não pedir asilo nem ir para o exílio. Por causa disso, sou o único brasileiro, em toda a História, a ser desterrado três vezes: 1967, em Fernando de Noronha; 1968, em Pirassununga, e 1969, em Campo Grande, hoje capital do Mato Grosso do Sul.

Estive cinco vezes no DOI-Codi do Rio, Simon, uma experiência espantosa. Não me torturaram porque na Barão de Mesquita eles estavam com mais medo do que eu. Lógico, eu estava com medo, mas não deixava que sentissem. Eles queriam me tocar, me torturar, me abater, mas não sabiam o que poderia acontecer. Eu era um nome nacional, o que poderia acontecer se eu não resistisse e morresse? O que aconteceu em 1970 com meu amigo Rubens Paiva e, em 1975, com Wladimir Herzog, que ninguém conhecia na época.

Nem quero mais falar do resto, da explosão total do meu jornal, das perseguições que duram até hoje, das discriminações. Só para você saber, Simon: em 1964, a Tribuna da Imprensa tinha sessenta páginas e cheia de publicidade. Por combater a ditadura, em 1985 estávamos com doze páginas e nenhuma publicidade. Como Prometeu acorrentado, tive que devorar as próprias vísceras para sobreviver. O que acontece até hoje. Com todos esses acontecimentos que marcaram minha vida e a vida de minha família, jamais fui convidado para qualquer reunião da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul “- essa foi paulada, mesmo. “Como você mesmo disse: ´Fernando Henrique foi lá várias vezes`. E foi, meu prezado Simon, com uma biografia usurpada, não escrita por ninguém, nem vivida por ele.

Em 1968, no AI-5, fui o segundo a ser preso, o primeiro foi Osvaldo Peralva, diretor assalariado do Correio da Manhã. Nenhum dono de jornal foi preso, todos negociaram. Houve muito menos censura do que se admite e muito mais auto-censura do que se imagina. Todos se entenderam. Quando seu amigo Fernando Henrique voltou do exterior em 1968, ele era um humilde e não compenetrado professor, “mas não foi atingido pela violência do AI-5”. Ele entrava e saía do País, foi para o Chile porque aqui estava chato, muitos dos seus amigos estavam lá. Depois, passeou pela Europa, sempre financiado pela Fundação Ford. O AI-5 só fez “atingir” Fernando Henrique numa coisa: tornar sua vida mais confortável. Com apenas cinco anos de professorado, de 1963 a 1968, foi aposentado com o equivalente a R$3.700,00 de hoje. Vinícius de Moraes, diplomata com 22 anos de carreira, foi aposentado no mesmo dia com o equivalente a R$600,00. Nada mais fizeram contra FHC, não foi cassado, preso, perseguido.

Fui cassado, como é público e notório, em 1966, por dez anos. Acabava, portanto, em 1976. O MDB da Guanabara lançou então, em 1978, meu nome para o Senado. Poderia ter me encontrado lá com você, acertado nossos métodos de luta, estaria agora no Supremo contra a reeleição de ACM. O Tribunal Eleitoral recebeu ordens de não registrar minha candidatura, apesar da cassação estar cumprida. Mas em 1978, na mesma eleição que eu não pude disputar, FHC foi candidato numa sublegenda, como havia na época. Se ele foi atingido pelo AI-5, como proclama e você candidamente acredita e referenda, então como conseguiu essa candidatura? E se não tivesse tido a aprovação do sistema, agora não seria o Presidente catastrófico que é, e ainda mais, reeleito por ele mesmo, contra a tradição e a Constituição.

Eu sei que você não é amigo de ocasião, Simon, como está na carta. Mas Fernando Henrique precisa muito dessa amizade, enquanto você não precisa dele para nada. Só mesmo a generosidade explícita e implícita do teu caráter, Simon, pode dar esse apoio inenarrável a FHC. Que ele não merece, não fez por conquistar e jamais vai consolidar.

Um encontro pessoal seria ótimo. Não gosto de Brasília, você raramente vem ao Rio. Mas não é preciso nenhum contato pessoal para que fique reafirmada minha admiração por você, a sinceridade com que sempre escrevi sobre você, a consideração que sempre manifestei por você. Independente de continuar acreditando que quando se luta pelo interesse nacional (e esse interesse jamais esteve tão atingido quanto agora), a luta frontal é muito mais eficiente do que a estratégia, a tática ou a luta de lado.

Napoleão costumava dizer: “Não tenho medo do inimigo pela frente, o que eu não quero enfrentar é o vento pelas costas”. Nada embaçou nem embaraçou nossa amizade, mesmo depois da catástrofe que está acima de nós dois, que é Brasília. Mas, longe ou perto, minha admiração e consideração por você nem precisam ser proclamadas.

Um abraço do amigo

Hélio Fernandes.

PS: A publicação do que você escreveu não representa nenhum direito, é um prazer. E só depende de uma ordem sua, Simon, basta determinar. Minha amizade é infinita, chega até a 1215, na Constituição de João Sem Terra, que vigora até hoje na Inglaterra. Em relação a mim, Simon, o que você determinar é o próprio Direito Consuetudinário, foi conquistado com o tempo, não precisa estar escrito em lugar algum.

Mais abraços do amigo

Hélio Fernandes.”

Achei que foi sincero, Sr. Presidente. Mas acho que, embora seja pessoal, é importante analisar o respeito recíproco, e como, muitas e muitas vezes, podemos nos entender na imprensa brasileira.

O Hélio foi duro comigo em sua crônica, conseguiu me magoar. Respondi-lhe profundamente, ponto por ponto, e agora ele me deu essa resposta, de conteúdo e de seriedade. Posso divergir, posso não pensar o que ele pensa, mas acho que seria melhor se, no Brasil, se fizesse jornalismo assim, se o diálogo entre políticos e jornalistas fosse assim, se tivéssemos esse direito de debater e analisar e se não acontecesse o que aconteceu, como a nota dura que ele publicou a meu respeito, que me deixou em uma situação constrangedora no Rio Grande do Sul. Mas ele me deu a oportunidade de respondê-la, e respeitou a minha resposta.

Que bom seria se o jornalismo fosse assim!

Ao meu amigo Hélio, o meu abraço fraterno.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/1999 - Página 6715