Discurso no Senado Federal

CONTRIBUIÇÃO A DISCUSSÃO ACERCA DA VIABILIDADE DO FUNCIONAMENTO, DO ANDAMENTO DOS TRABALHOS E DOS DESDOBRAMENTOS DECORRENTES DA INSTAURAÇÃO DE CPI NO CONGRESSO NACIONAL. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • CONTRIBUIÇÃO A DISCUSSÃO ACERCA DA VIABILIDADE DO FUNCIONAMENTO, DO ANDAMENTO DOS TRABALHOS E DOS DESDOBRAMENTOS DECORRENTES DA INSTAURAÇÃO DE CPI NO CONGRESSO NACIONAL. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/1999 - Página 6857
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • OPINIÃO, VIABILIDADE, INSTALAÇÃO, NUMERO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CONGRESSO NACIONAL, IMPORTANCIA, TRABALHO, CONGRESSISTA, APURAÇÃO, IRREGULARIDADE, JUDICIARIO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, AGENTE, CORRUPÇÃO.
  • DEFESA, REFORMA JUDICIARIA, IMPLANTAÇÃO, CONTROLE EXTERNO, JUDICIARIO.
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, COMBATE, NEPOTISMO, ALTERAÇÃO, SUPLENCIA, CARGO ELETIVO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Para comunicação de Liderança. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as indagações levantadas com relação à quantidade de CPIs solicitadas levantam a discussão acerca da viabilidade do funcionamento e do andamento dos trabalhos. Se a Casa trabalhar com afinco, não haverá nenhum tipo de problema. Pelo contrário, estaremos criando condições para que sejam encontradas as soluções que este País espera há muito tempo. Na verdade, estamos aproveitando essa onda moralizadora que desceu sobre o Congresso Nacional, uma bendita chama que agora tenta queimar todos os pecados capitais da corrupção e do desmando nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Assim espero.  

Algumas das Comissões de Inquérito propostas são antigas. O Senador Pedro Simon propõe uma CPI que não perde a atualidade e nem atropela as demais. Aguardar é exatamente da natureza da CPI dos Corruptores. Atrás de um corrupto há sempre um corruptor, como muito bem falou o Senador Pedro Simon. Certamente, os resultados das CPIs do Sistema Financeiro e do Judiciário também levarão necessariamente a uma busca daqueles que estão na ponta, daqueles que são os sujeitos ativos desse processo.  

A CPI aguarda, mas não é extemporânea; aguarda, mas não está fora de moda. Pelo contrário, situa-se na posição adequada para fazer o trabalho da obra inacabada da CPI do Orçamento, que deveria ter encontrado os corruptos.  

É fundamental que o Congresso Nacional, se aprovar essas CPIs, chegue às últimas conseqüências. As investigações devem ser feitas com todo o rigor, a fim de que encaminhemos, a quem de direito, todas as informações e o processo para que as penalidades venham a ser aplicadas.  

No caso da CPI do Judiciário, o problema será enviarmos o relatório ao próprio Poder Judiciário. Nesse caso, ou tratamos necessariamente da reforma do Judiciário ou estaremos apenas cortando a cabeça da Hidra, porque é da sua natureza que nasçam novas cabeças. Trata-se de um sistema que não tem controle externo, de um Poder que não é transparente e que, como o Legislativo e o Executivo, sofre de todas as mazelas, inclusive, da pior delas: a falta do controle externo e de transparência.  

É fundamental que, ao mesmo tempo em que fazemos as investigações com relação às denúncias de corrupção, trabalhemos também na essência do problema, fazendo a reforma do Judiciário, para que haja controle externo, para que o Poder Judiciário não se sinta acima do bem e do mal, mas para que também se considere parte da sociedade, necessitando ser controlado por ela. Afinal, é da sua natureza e da sua essência cumprir o tripé da democracia nos Três Poderes.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tendo em vista o exaustivo trabalho na Câmara dos Deputados, realizado pelo Deputado Aloízio Mercadante, e no Senado Federal, pelo Líder do PMDB, Senador Jader Barbalho, relativo à CPI do Sistema Financeiro e tendo vista o caráter pelo qual outras CPIs estão sendo propostas, é necessário que se dê conseqüência aos seus trabalhos. Se não realizarmos as duas CPIs e não trabalharmos em ambas com o mesmo afinco, a opinião pública poderá pensar que a CPI do Judiciário foi apenas política e que não a estamos encarando com seriedade.  

Todas as graves denúncias e os indícios de corrupção que estão ocorrendo hoje neste País precisam ser investigados. Senão, estaríamos fazendo uma inversão perversa do dito popular segundo o qual a senhora de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta. Se não dermos continuidade ao trabalho das duas CPIs ou deixarmos de realizar a reforma do Judiciário, estaremos fazendo uma inversão e, possivelmente, uma perversa paródia: não precisa ser honesta a mulher de César, basta que pareça honesta. Desse modo, teremos um problema muito sério. Prefiro que a CPI seja honesta, ainda que assim não pareça, a permanecermos na aparência sem chegarmos à essência.  

Por isso, o Bloco da Oposição estará presente como sempre nas CPIs — como sempre esteve — e se fará presente para investigar, trabalhar, reeditar tudo o que já foi feito na CPI do Orçamento, que chegou às últimas conseqüências, cassando um Presidente da República.  

Eu, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho de uma realidade social em que a corrupção tem uma conseqüência muito drástica. A conseqüência do desvio de recursos para obras que não são terminadas ou para pessoas que ocupam funções públicas e fazem delas um meio de enriquecimento é muito visível na realidade com a qual convivo, que é a da Amazônia, e tenho certeza de que também o é nos Estados do Nordeste e do País. Cada centavo — não é centavo, são milhões de reais — desviado para fins espúrios significa menos educação, menos saúde, menos geração de emprego e renda, menos cuidados com as questões ambientais e, com certeza, um maior descrédito na ação dos políticos, daqueles aos quais a sociedade delegou o poder de dar resposta aos problemas.  

Sempre repito que nós, políticos, somos eleitos para representar as pessoas, não para substituí-las. Infelizmente, a grande maioria dos políticos, ao chegar ao posto almejado, comporta-se como se pudesse substituir as pessoas e muitas vezes, quando tenta representá-las, é tolhida na sua ação. Hoje o que a população brasileira quer é que se façam as CPIs, que se investiguem os problemas, mas que se dê uma resposta adequada, concreta, para que esses problemas não continuem a ocorrer.  

Segundo um jargão utilizado pelas pessoas que lidam com a segurança, "o crime ocorre pela oportunidade do evento e pela certeza de que não será punido". Ocorre corrupção, desmando administrativo, falta de ética na política, porque oportunidades são oferecidas pela estrutura, e existe a certeza de que haverá impunidade, de que os responsáveis não serão pegos pela Justiça ou por quem quer que seja. Como muito bem falou o Senador Pedro Simon, ninguém se lembra de um caso de corrupção no dia seguinte ao da sua divulgação nas manchetes dos jornais, porque um fato concorre com o outro, as pessoas dão atenção ao que for mais grave. Passou a haver uma disputa pelo runking entre os casos de corrupção: os maiores são notados; os outros se tornam secundários.  

Srª Presidente, Srs. Senadores, a minha postura diante de fatos como esses é sempre no sentido de que haja investigação — a corrupção passou a ser um modo de fazer política —, não para que seja publicada em manchete de jornal ou para que se torne uma oportunidade a mais de se tirar proveito político, mas para que se apurem as conseqüências. A meu ver, as mazelas que a CPI do Judiciário está pondo para fora das entranhas desse Poder devem servir para fazermos a sua reforma; que não sejam utilizadas como uma forma de se criar impasse quanto à autonomia dos Poderes.  

Como falei em aparte ao Senador Roberto Freire, durante seu brilhante pronunciamento, o Congresso Nacional tem autonomia. Nós temos, em nosso seio, vários problemas. Alguns poderiam ser resolvidos pelos próprios Partidos, que poderiam expulsar de seus quadros determinados elementos que envergonham esta sociedade e que, no entanto, permanecem em seus cargos. Ainda que a Justiça saiba quem assassinou, desviou dinheiro público, apresentou uma emenda no Orçamento para beneficiar um empreiteiro amigo, recebendo por isso uma boa quantia em sua conta corrente, só poderá processar o Deputado ou o Senador se tiver autorização da Casa à qual pertencem, porque estão escondidos pela imunidade parlamentar.  

Defendo que se faça o corte nas entranhas do Judiciário, mas vamos pensar também as nossas entranhas, guardando a devida autonomia dos Poderes. Desde que era Vereadora, sempre lutei contra algo que considerava terrível: o famigerado nepotismo; por isso apresentei um projeto de lei que proíbe a indicação de parentes para suplentes de Senador, Deputado, Governador e Prefeito. Se, por um lado, o nepotismo na indicação do quadro é vergonhoso, também o é o nepotismo dinástico —, segundo o qual se passa de pai para filho um capital político que não foi acumulado —, principalmente por meio do mecanismo da suplência.  

Quando o parente de um político é eleito pelo povo, não há problema. A indicação do filho de um político para suplente possibilita que ele venha a assumir um cargo, sem ter, muitas vezes, vocação para a política.  

O Senador Eduardo Suplicy tem propostas no sentido de moralizar essa questão das suplências, porque pessoas assumem cargos para os quais não foram eleitas. E o meu projeto visa a que não exista também o nepotismo dinástico, que, do meu ponto de vista, é tão prejudicial quanto a indicação do cargo, pura e simplesmente.  

Não há problema, se, na mesma família, pessoas com vocação para a política apresentem seus nomes e disputem as eleições. Amanhã, se meu filho quiser ser político — ele diz que quer ser músico — e tiver capacidade, articulação, credibilidade, poderá disputar e receber votos. Se eu concordar com seus princípios, até poderei defender seu nome politicamente; senão, ele terá de apresentar sozinho suas próprias idéias.  

O processo de dinastia dentro do processo político, como muitas vezes ocorre, do meu ponto de vista, é tão prejudicial como o mecanismo de indicação.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/1999 - Página 6857