Discurso no Senado Federal

INTENÇÃO DE ENCAMINHAR A MESA, PROJETO SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DE EXPERIENCIA E COMERCIALIZAÇÃO DE ORGANISMOS TRANSGENICAMENTE MODIFICADOS. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • INTENÇÃO DE ENCAMINHAR A MESA, PROJETO SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DE EXPERIENCIA E COMERCIALIZAÇÃO DE ORGANISMOS TRANSGENICAMENTE MODIFICADOS. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/1999 - Página 7015
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • COMENTARIO, DECISÃO, ORADOR, RETIRADA, APERFEIÇOAMENTO, PROJETO DE LEI, PROPOSIÇÃO, MORATORIA, REGULAMENTAÇÃO, EXPERIENCIA, COMERCIALIZAÇÃO, VEGETAIS, SEMENTE, ALTERAÇÃO, GENETICA.
  • PRETENSÃO, REALIZAÇÃO, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, EMPRESA, ORGANIZAÇÃO SOCIAL, COMUNIDADE, ATIVIDADE CIENTIFICA, GOVERNO, DEFINIÇÃO, POSIÇÃO, REFERENCIA, LIBERAÇÃO, VEGETAIS, SEMENTE, ALTERAÇÃO, GENETICA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, atenho-me a uma polêmica que vem ocupando espaço nos meios de comunicação, por ser nova e trazer preocupações para a sociedade, principalmente para os setores que lidam com questões como o meio ambiente, biosegurança, enfim, para vários segmentos da sociedade que acompanham a problemática dos organismos geneticamente modificados, os famosos OGMs.

Essa polêmica ganhou agora notoriedade maior em função de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso avocou para si a discussão que vem sendo realizada por alguns segmentos da comunidade científica, organizações não-governamentais, empresas e governos. Posso citar aqui o caso do Rio Grande do Sul, onde o Governador Olívio Dutra conseguiu aprovar na Assembléia Legislativa a proibição dessas experiências dentro daquele Estado. Algo semelhante está sendo trabalhado pelo Deputado Gilney Viana e outros Srs. Deputados. Aqui, no Senado da República, apresentei um projeto mediante o qual propunha moratória para os organismos transgenicamente modificados. Retirei-o para aperfeiçoamento, mas o apresentarei após a Semana Santa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os organismos transgenicamente modificados ou os organismos engenheirados constituem-se em uma polêmica nova. A comunidade científica ainda não se manifestou a respeito do assunto, não nos informou se essas modificações podem causar danos à saúde e ao meio ambiente principalmente pela sua ação nos ecossistemas. Não são apenas danos ambientais que esses organismos podem causar - ainda não se sabe -, mas danos do ponto de vista econômico e social, porque, como se sabe, há, principalmente na Europa, a tendência de não aceitar a compra de produtos agrícolas engenheirados. Portanto, corremos o risco de estar produzindo uma soja que sofrerá boicote, por barreiras ambientais de biossegurança, nos mercados europeus.

Quando estive na Alemanha, no ano passado, tomei conhecimento de que o Parlamento europeu havia aprovado moção de repúdio à utilização dos organismos transgenicamente modificados, principalmente a soja, para a ração de animais usados na alimentação humana, como é o caso dos bovinos.

Acompanho essa discussão com muita tranqüilidade, primeiramente porque compreendo que a serenidade é fundamental para evitar que tomemos posições apressadas, como já o fez a CTNBio, que deu livre passe para a soja da Monsanto, uma multinacional, uma transnacional, que fabrica desde as sementes engenheiradas até os pesticidas e todos os insumos necessários para que esses grãos possam ter condição de reprodução no processo produtivo.

Sr. Presidente, considero importante que essa discussão esteja ocorrendo e ocupando espaço significativo nos meios de comunicação. Normalmente, quando temos assuntos polêmicos, os que têm uma posição favorável citam e expõem todos os argumentos com a finalidade de mostrar que a utilização do produto não apresenta problema. Por outro lado, os que têm posição contrária juntam argumentos para mostrar que há problemas. Quero, de coração aberto, propor o caminho do meio, que não pode ser o da CTNBio, que lá liberou os organismos transgenicamente modificados e nem pode ser o de dizermos, sem nenhum aval da comunidade científica, que isso está proibido ad infinitum.

Por isso, mediante o meu projeto, proponho moratória, para que, com responsabilidade e critérios científicos, possamos tomar um posicionamento em relação a esses riscos, que agora são apenas ameaças. Já temos, inclusive, informações de pesquisadores no sentido de que, do ponto de vista dos ecossistemas, já podemos contar com prejuízos líqüidos e certos. Por exemplo, as sementes esterilizadas, aquelas que não têm condição de reprodução, podem, num processo de polinização de outras espécies, trazer a problemas a espécies vizinhas, que poderiam ser polenizadas pelas primeiras safras dessas sementes quando se reproduzem.

Um outro aspecto para o qual a comunidade científica tem alertado é o fato de que a soja transgênica, assim como a castanha-do-pará engenheirada, pode causar alergias, e não se conhece mecanismos para se combater esse alergênio.

Assim, Sr. Presidente, o que quero observar é que já existe no Governo alguns segmentos muito apressados em atender ao apelo daqueles que estão ganhando milhões de dólares com os seus grãos modificados. O melhoramento de sementes é algo que vem sendo praticado na história da humanidade milenarmente, desde que o homem começou a manejar e a domesticar as plantas e as sementes. Só que era um processo de melhoramento natural. Não se trata de uma intervenção no DNA das plantas para causar alteração genética. Não se trata disso. Trata-se de melhoramentos conseguidos por meio de processos rudimentares e naturais de seleção no meio da cadeia produtiva, que são encaminhados pelas diversas formas de prática da agricultura. Nesse caso, trata-se de uma engenharia completamente nova, de uma interferência no processo natural da vida, e isso precisa ser avaliado com muito cuidado.

A nossa empresa de pesquisa, a Embrapa, altamente respeitada e por cujos técnicos temos o maior respeito, também já tem uma posição que considero, no mínimo, apressada: que se deve liberar, sem nenhum problema, a soja transgênica. Eu gostaria que as autoridades brasileiras, que os pesquisadores brasileiros pensassem no assunto levando em conta as preocupações ambientais e de saúde, mas sobretudo as preocupações de mercado, já que muitos não compreendem as questões sociais ambientais, mas entendem muito bem a linguagem do mercado; se alguém está dizendo que pode haver um boicote, que podemos sofrer algum tipo de restrição aos nossos produtos, talvez as pessoas parem um pouco para pensar no que estão fazendo.

É por isso que, na semana que vem, estarei apresentando novamente o meu projeto mediante o qual se institui a moratória para os organismos transgenicamente modificados. A exemplo do que fiz com o projeto que institui a regulamentação da Convenção da Biodiversidade, pretendo fazer um debate aberto com a comunidade científica, com as organizações sociais, com o Governo, com o Congresso e com as empresas. Vamos debater, apaixonadamente, mas sem preconceitos, sem idéias preconcebidas, para que possamos tirar uma posição adequada e respeitosa para com a saúde pública, o meio ambiente e os problemas econômicos que poderemos enfrentar a partir de uma decisão apressada de liberar os organismos transgenicamente modificados.

Tenho conhecimento de que um companheiro nosso, Deputado do Partido dos Trabalhadores, apresenta na Câmara dos Deputados a proposta da criação de uma comissão especial para debater o tema.

Espero que possamos fazer essas discussões durante a tramitação do projeto de moratória para os organismos transgenicamente modificados, para que possamos dar uma resposta àquilo que a sociedade vem acompanhando com preocupação - graças a Deus, agora, com alguma informação, dado que os meios de comunicação começam a tratar desse tema -, sem ficarmos preocupados com relação à pressão que poderemos sofrer por parte das empresas que têm altos investimentos e interesses em colocar seus produtos nas prateleiras, a qualquer custo e a qualquer preço.

Há inclusive observações feitas por cientistas de renome de que essas modificações, essas transformações transgênicas não estão contribuindo, do ponto de vista do valor protéico, para os consumidores desses produtos. No caso, são apenas garantia de lucros, de vantagens imediatas. Não existe ainda, repito, vantagem; pelo contrário, o que temos são indícios de que poderá haver desvantagens.

Quero reiterar que devemos ter muito cuidado em relação às posições que assumirmos daqui para frente. Acredito que o debate está lançado, como falei anteriormente, sem nenhum tipo de preconceito, mas com a certeza de que, se buscarmos as informações necessárias, poderemos chegar a uma conclusão positiva para o País e para os investidores, para as empresas que têm essa demanda. Se para os europeus não são bons os organismos transgenicamente modificados, se para o mundo desenvolvido eles podem causar danos à saúde, para nós, dos países em desenvolvimento, é a mesma coisa.

Não podemos ficar na contramão da história. Muitas vezes ficamos cavilando idéias que, lá no mundo desenvolvido, já foram completamente rechaçadas. Afinal de contas, não podemos fazer com esse avanço técnico o que fizemos na montagem do nosso parque industrial, quando deixavam expostas as suas carcaças para que os países de Terceiro Mundo as recebessem e tivessem, assim, um parque industrial completamente inadequado, enquanto o deles estava altamente modernizado. Não vamos fazer o mesmo no que se refere a processos altamente complexos que podem ser irreversíveis e causar danos que não temos sequer condição de avaliar.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/1999 - Página 7015