Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO FILOSOFO ANTONIO HOUAISS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO FILOSOFO ANTONIO HOUAISS.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/1999 - Página 7714
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANTONIO HOUAISS, PROFESSOR, DIPLOMATA, TRADUTOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESCRITOR, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), AUTOR, PUBLICAÇÃO, LINGUA PORTUGUESA, FUNDADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna desta Casa, no dia de hoje, para reverenciar a memória e prestar minhas homenagens a Antônio Houaiss, uma das personalidades de maior destaque do meio intelectual brasileiro.  

No dia seguinte ao de sua morte, ocorrida em 7 de março, o Senado Federal aprovou requerimento de pesar, de autoria do ilustre Senador Saturnino Braga, e, naquela oportunidade, deixei registrada, em poucas palavras, minha consternação com o desaparecimento dessa figura tão importante para a língua portuguesa e para a cultura nacional.  

Hoje, volto a esta tribuna para enaltecer mais detalhadamente os feitos de Antônio Houaiss e destacar a importância de sua atuação em prol da cultura brasileira e do estudo e difusão da língua portuguesa.  

Srªs e Srs. Senadores, com o desaparecimento de Antônio Houaiss nosso País perdeu um de seus filhos mais respeitáveis. Professor, diplomata, filólogo, lexicógrafo, ensaísta, tradutor, o carioca Antônio Houaiss nasceu em 15 de outubro de 1915. Toda a sua formação intelectual foi feita em sua cidade natal, o Rio de Janeiro. Licenciado em Letras Clássicas pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, lecionou português, latim e literatura no magistério secundário do então Distrito Federal, entre 1934 e 1946, quando pediu exoneração para exercer a carreira diplomática.  

A serviço do Ministério das Relações Exteriores, Houaiss exerceu funções diplomáticas em vários países. Foi Vice-Cônsul do Brasil em Genebra, servindo também como secretário da delegação permanente de nosso País em Genebra, junto à Organização das Nações Unidas – ONU. Foi Terceiro Secretário da Embaixada do Brasil na República Dominicana e na Grécia.  

Como Primeiro Secretário e, posteriormente, Ministro de Segunda Classe, integrou a delegação permanente do Brasil junto à ONU, em Nova York, de 1960 a 1964. Nesse período, foi membro da Comissão de Anistia de Presos Políticos de Ruanda/Burundi, que examinou os processos de 1.220 presos políticos anistiados pela Assembléia Geral das Nações Unidas.  

Integrou, também, representações brasileiras enviadas a Assembléias Gerais das Nações Unidas, da Organização Internacional do Trabalho, da Organização Mundial da Saúde e da Organização Mundial dos Refugiados. Durante o governo de Juscelino Kubitschek, atuou como assessor direto do Presidente da República.  

A carreira diplomática de Antônio Houaiss nem sempre foi muito tranqüila, embora ele próprio a tenha considerado "um período satisfatório, mesmo com os problemas políticos". Devido a acusações de que era comunista, foi preterido em várias indicações para postos no exterior. Nos anos 50, chegou mesmo a ser posto em disponibilidade inativa, juntamente com um grupo de diplomatas acusados de envolvimento com a esquerda, num processo que culminaria com seu afastamento do serviço ativo do Ministério das Relações Exteriores.  

Em 1964, foi compulsoriamente aposentado, cassado pela Revolução, e teve suspensos seus direitos políticos por 10 anos. Dedicou-se, desde então, com mais afinco, ao estudo da língua portuguesa e tornou-se, como ele mesmo se definiu, "um operário da palavra, aquele que pega os tijolinhos e constrói o edifício – que se chama dicionário"

Com o afastamento do Itamaraty, voltou-se para outras atividades, dedicando-se, em especial, a um dos projetos que o celebrizariam: a difícil e longa empreitada de recriar, em português, as invenções verbais do escritor irlandês James Joyce, em "Ulisses".  

Antônio Houaiss era, sem dúvida, um trabalhador intelectual dos mais ativos que o País conheceu. Homem de cultura notável, dedicava-se ao ofício das letras com paixão e tenacidade.  

Entre 1965 e 1970, coordenou a edição brasileira da Enciclopédia Delta-Larousse. O bom resultado do trabalho levou-o a se destacar como enciclopedista e dicionarista. Foi, posteriormente, encarregado da edição da Enciclopédia Mirador, organizou o Pequeno dicionário enciclopédico Koogan-Larousse, o Webster’s dicionário inglês-português, a Koogan-Houaiss – enciclopédia e dicionário ilustrado, entre outros.  

Antônio Houaiss ocupou a cadeira nº 17 da Academia Brasileira de Letras, por 28 anos. Em 1971, ao ser eleito para a ABL, foi alvo de bem-humorado protesto de um grupo de amigos que julgavam seu perfil incompatível com a solenidade reinante na Casa de Machado de Assis. Em dezembro de 1995, foi eleito presidente daquela prestigiosa instituição, dirigindo-a até 1996.  

Homem culto, extremamente inteligente, Antônio Houaiss teve uma fértil carreira literária. Foi autor de livros como "A crise de nossa língua de cultura", "O Português no Brasil", "Seis poetas e um Problema", "Socialismo: vida, morte e ressurreição", "A nova ortografia da língua portuguesa", entre outros. Publicou trabalhos de crítica literária, organizou antologias, realizou estudos lingüísticos e também transformou em livros sua outra grande paixão, a gastronomia, publicando obras como "A cerveja e seus mistérios" e "Magia da cozinha brasileira".  

Sr. Presidente, em 1990, Antônio Houaiss teve a satisfação de ver reparada uma injustiça cometida contra sua pessoa. O Governo brasileiro reabilitou-o, reconhecendo a arbitrariedade de seu afastamento do serviço diplomático, e o promoveu a embaixador na aposentadoria.  

No início da década de 90, Houaiss, que havia sido um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro, foi candidato a suplente de senador pelo PSB do Rio de Janeiro, e, posteriormente, candidato a Vice-Governador do mesmo Estado, pela legenda do PT fluminense.  

Em 1992, assumiu o Ministério da Cultura durante o Governo Itamar Franco, lá permanecendo até outubro de 1993. Foi membro do Conselho Nacional de Política Cultural e representou nosso País na UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.  

Seus últimos anos de vida, Antônio Houaiss dedicou-os à coordenação da elaboração de seu mais ambicioso projeto: um dicionário com cerca de 350 mil verbetes, o maior da língua portuguesa, iniciado em 1986.  

Infelizmente, não colheu em vida os louros de seu derradeiro trabalho, a ser lançado provavelmente no segundo semestre do próximo ano. Mas, certamente, colocará à disposição dos amantes e dos falantes da língua portuguesa um dos mais completos dicionários da atualidade.  

Srªs e Srs. Senadores, a morte de Antônio Houaiss, em 7 de março passado, empobreceu culturalmente o Brasil, privou-nos da presença de um dos cidadãos mais respeitados deste País e causou consternação no meio intelectual e linguístico nacional.  

Ao longo de seus 83 anos de existência, Houaiss, possuidor de multifacetada operosidade intelectual, distinguiu-se em várias atividades: como professor de português, filólogo, diplomata, político, acadêmico, enciclopedista, dicionarista, bibliógrafo, ensaísta, crítico literário, teórico da literatura, tradutor, humanista, jornalista e também como amante da gastronomia.  

Ao lamentar o desaparecimento do insigne intelectual, o Presidente Fernando Henrique Cardoso assim se pronunciou: "Antônio Houaiss foi um pensador que lutou por um Brasil mais justo e solidário. Como filólogo, dedicou sua vida ao estudo da língua portuguesa. Ministro da Cultura, defendeu o acesso de todos aos bens do pensamento. O Brasil perdeu um de seus filhos mais ilustres e dignos."  

Srªs e Srs. Senadores, ao concluir meu pronunciamento, quero reafirmar que, com a morte de Antônio Houaiss, a língua portuguesa perdeu um de seus melhores operários, um verdadeiro ourives, que trabalhava e lapidava minuciosamente as palavras da nossa língua como se fossem pedras preciosas. E o Brasil perdeu um de seus filhos de maior valor e de inteligência mais brilhante, que cuidou de um fator primordial para a identidade nacional: a nossa língua pátria.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/1999 - Página 7714