Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INICIATIVA DE PARLAMENTARES DA CHAMADA BASE GOVERNISTA NA CONSTITUIÇÃO DAS CPI DO SISTEMA FINANCEIRO E DO JUDICIARIO. DEFESA DA INDEPENDENCIA DO BANCO CENTRAL E DO BANCO DO BRASIL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A INICIATIVA DE PARLAMENTARES DA CHAMADA BASE GOVERNISTA NA CONSTITUIÇÃO DAS CPI DO SISTEMA FINANCEIRO E DO JUDICIARIO. DEFESA DA INDEPENDENCIA DO BANCO CENTRAL E DO BANCO DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/1999 - Página 8862
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
Indexação
  • IMPORTANCIA, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CONGRESSO NACIONAL, BENEFICIO, ECONOMIA NACIONAL, SOCIEDADE, COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS, ESCLARECIMENTOS, CONTINUAÇÃO, FAVORECIMENTO, GOVERNO, BANCO PARTICULAR.
  • CRITICA, ESTRUTURAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), ESPECIFICAÇÃO, ORIGEM, DIRIGENTE, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, OBRIGATORIEDADE, CARREIRA, FUNCIONARIO PUBLICO, POSSE, DIRETOR, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), BANCO DO BRASIL.
  • ANALISE, INSERÇÃO, BRASIL, ECONOMIA INTERNACIONAL.

O SR. LAURO CAMPO (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos vivendo sob o impacto de duas Comissões Parlamentares de Inquérito que há muito tempo dormitavam impossíveis de se desenvolver, de vir à luz, porque forças contrárias ao seu funcionamento impunham este silêncio.  

Mas agora devemos nos perguntar por que será que aqueles que sempre quiseram abortar a existência dessas Comissões Parlamentares de Inquérito, de repente, transformam-se nos partejadores dessas comissões. Permitem, cada vez com mais receio, que o ser que veio à luz posa assumir dimensões incontroláveis. Agem como um aprendiz de feiticeiro que desperta forças que se voltam contra si e, contra as quais, mostram-se inermes, impotentes.  

Realmente, a instalação dessas comissões parlamentares de inquérito por si só representa um arejamento para a economia nacional, para a sociedade brasileira, para aqueles que há tanto tempo esperavam que as suspeitas pudessem ser examinadas, ou para desfazê-las, mostrando que estamos num regime que, verdadeiramente, se pauta por princípios éticos e morais, por transparências, por respeito à dignidade; princípios que puseram em prática aquelas normas partidárias de bravos soldados da democracia, de bravos combatentes contra as trevas da ditadura e da opressão.  

Entretanto, para surpresa nossa, mal se instala a CPI dos Bancos, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso, na Europa, se mostra receoso, pelo menos receoso, de que alguns resultados dessa CPI possam pertubar a sua ética, a sua moralidade, a sua weltanschauung moderna a respeito daquilo que deveria ser a sociedade brasileira. Vemos que os receios começam a aparecer. Entre eles o receio de que algumas pessoas do Banco Central e de outros bancos, alguns banqueiros nessa "bancocracia" brasileira possam vir aqui e, por um lapso qualquer, contar até a verdade, dizer alguma inconveniência, levantar a tampa daquilo que sabemos existir há muito tempo neste País: um conluio fantástico, o mesmo conluio que criou o Proer, que já havia dado 21,5 bilhões e hoje já repassou gratuitamente mais de 30 bilhões sem qualquer garantia aos banqueiros. Nós fazemos todas essas reformas para conseguir 29 bilhões. O Governo Federal pretende levantar 29 bilhões com todo este sacrifício, este desemprego, este arrocho, esta pressão sobre os tribunais da Justiça trabalhista, a fim de que a Justiça do Trabalho não conceda o reajuste devido de salários e vencimentos. E vemos que dos 21,5 bilhões apenas 1,5 bilhão retornou à casa materna, porque o Banco Central é uma mãe para os banqueiros brasileiros.  

O que estamos vendo é justamente isto: o fulcro da CPI dos Bancos gira em torno da figura do ex-presidente Francisco Lopes. Quando o Governo enviou a esta Casa, para o Senado Federal, o nome do Professor Francisco Lopes para Presidente do Banco Central, acho que ele não estava nos pregando um calote, uma peta. Ele não estava testando a nossa capacidade de avaliar um candidato do Governo. Aqui, o Professor Francisco Lopes teve praticamente unanimidade. Inclusive eu cometi o pecado – que agora confesso – de ter votado no Sr. Francisco Lopes. E o fiz com medo de que algum Fraga viesse depois dele. E veio. Mas, no Sr. Armínio Fraga eu não votei. Enganei-me com o Sr. Francisco Lopes, porque o conhecia desde o início dos anos 70. Ele era um modesto professor como eu, e eu não sabia que os encantamentos do dinheiro o haviam levado para outros descaminhos.  

Parece-me que isso que aí está é o resultado de uma dependência do Banco Central relativamente aos banqueiros que produzem os diretores e os presidentes do Banco Central.  

Desde 1985, pelo menos, tenho dito que no Brasil estão amarrando cachorro com lingüiça. As funções principais do Banco Central: ser banqueiro do Governo, banco dos bancos, fiscal da circulação monetária, fiscal do sistema financeiro. Como é que egressos desse sistema financeiro podem ser diretores de fiscalização dos bancos que os produziram e que os fizeram ascender à direção? Ou então o contrário: pobres professores universitários, colegas de banco do Senador do PT que agora está falando, filhos de professores mineiros - não quero citar nomes -, de professores que tinham 19 filhos e que criaram sua prole modesta e honesta. De repente, eles se transformam em diretores e sócios de banco. Banco BBA - Banco Bracher Arida. De onde veio esse dinheiro? De onde veio essa fantástica taxa de lucro que faz esses bancos ascenderem dessa maneira?  

Referiu-se aqui ao nome de uma pessoa do BNDES, outra instituição que ou doa empresas estatais ou fornece empréstimos muito suspeitos, para, por exemplo, o Opportunity, banco do Sr. Pérsio Arida, casado com a Sr.ª Elena Landau, Diretora de privatização do BNDES. Nesse particular, o conluio já é familiar, bancário familiar, industrial familiar.  

No Japão, criaram-se os zaibetsu e os keiretsu, formas de organização e de simbiose entre as três formas de capital. Aqui se criam essas relações espúrias: marido, mulher e Banco Central; marido, mulher e BNDES; marido, mulher e compra, na bacia das almas, de empresas privatizadas. Como vêem V. Exªs estamos realmente inovando em matéria de relações espúrias e de estruturação desse sistema.  

É bom então não examinar muito. É bom não chamar o Ministro Pedro Malan, porque S. Exª pode perder aquela sua fleuma tão cultivada na Inglaterra e nos Estados Unidos, e falar a verdade, alguma verdade, sempre inconveniente para aqueles que procuram esconder a verdadeira situação do País.  

Portanto, o que estamos vendo agora é o seguinte: grande parte dessa disparada que presenciamos ocorre porque a dívida pública brasileira já ultrapassou os 507 bilhões de reais e a dívida externa se aproxima dos 300 bilhões de reais. Isso significa que cada trabalhador brasileiro que compõe a força de trabalho - muitos deles ganham apenas o salário mínimo de 130 reais por mês - está devendo 10 mil dólares. Os brasileiros comeram pescoço de frango, comeram pé de galinha e agora recebem a conta: cada um deverá pagar esse valor decorrente da dívida pública e da dívida externa. Obviamente, como disse a Senadora Heloisa Helena, essa dívida é impagável. O Brasil consegue, mais uma vez, aumentá-la em 2 bilhões de reais. O dinheiro está sobrando no mundo. Não há como realizar investimentos adicionais. A indústria de automóvel, por exemplo, que procurou o Brasil, produz em escala mundial 69 milhões de carros e só consegue vender 50 milhões. E vem para o Brasil produzir mais. Para vender para quem? As exportações argentinas de carro caíram 30%. Naquele país se diz, claramente, que o Mercosul acabou. Eu dizia há muito tempo que o Mercosul e também o Mercado Comum Europeu constituem um arranjo anticíclico para conseguir um mercado ampliado, que será uma proteção contra os efeitos da crise, que fecham todos os mercados às nossas exportações, como acontece, por exemplo, com os Estados Unidos, que estabelecem pesadíssimos impostos para evitar a nossa exportação de laranja, de chapas de aço, de ferro, etc.  

Desse modo, então, o que estamos vendo é que, com o aprofundamento da crise - isso é óbvio -, os Estados nacionais vão abandonar - como agora está acontecendo declaradamente com a Argentina - as pretensões de uma aliança mais ampla para conseguir um mercado mais amplo e vão fechar-se para que o seu mercado não seja invadido por mercadorias de outros países. Assim, a Argentina, que já viu contrair as suas exportações em 30%, percebe muito bem que tem de abandonar a ALCA e o Mercosul, porque, do contrário, irá aprofundar-se em uma crise sem retorno.  

Pois bem, o mundo tem montanhas de dinheiro e não consegue investi-lo. Então ele foge para a especulação nas bolsas até provocar a sua explosão, como ocorreu no sudeste asiático e em diversos outros países, ou vai comprar papéis do Governo. A dívida pública dos Estados Unidos é de US$5,6 trilhões. Como é que um país que tem US$5,6 trilhões de dívida pública pode dizer que é neoliberal, que o Estado deve desaparecer, deve emagrecer, quando ele está gordo, tem US$5,6 trilhões só de dívida pública federal? Os Estados Unidos são o maior comprador do mundo. Um governo, como o americano, que gasta US$ 1,6 trilhão por ano, não pode deixar de gastar em armas obviamente. Pergunte lá na Iugoslávia e no Oriente Médio se é ou não verdade isso.  

Agora o Governo brasileiro diz que lavou a cara, está com outra fisionomia, tem outro perfil, foi rejuvenescido. O tal "Brasil em Ação" parece que retirou o Brasil da "inação I" do Real I e o colocou na "inação II", do Real II. O que é do Brasil em Ação? Só existem as pedras fundamentais, mais nada. De modo que, a partir deste momento, o Brasil perdeu, com a desvalorização, R$102 bilhões. Estamos pelejando para conseguir R$40 bilhões emprestados. O Governo Federal doou mais de 50,7 bilhões a São Paulo e ao Banespa, e nós estamos aqui, de "pires na mão", pedindo R$41 bilhões. Desses R$41 bilhões, apenas nove chegaram ao Brasil.  

Agora, conseguimos 2 bilhões lá fora, em virtude do lançamento de títulos da dívida pública brasileira, títulos da dívida externa brasileira. O Brasil agora é outro, tem credibilidade, tem uma imagem externa fantástica, com 2 bilhões entre aqueles que fugiram do Brasil e levaram, há pouco tempo, mais de 40 bilhões. Agora estamos tentando, de novo, realimentar e trazer de volta, os capitais voláteis, os especulativos.  

O Brasil, para conseguir esses 2 bilhões, fez uma maquiagem, colocou uma máscara. O Brasil está pagando 11% de juros. Há uma taxa de juros no Japão que é de 0,15% ao ano. O Governo dos Estados Unidos paga cerca de 4 a 5% de juros ao ano. O Brasil paga 11%. Desse modo, é evidente que conseguiríamos algum empréstimo externo. O Governo vangloria-se disso e o povo, consciente, chora, porque sabe que terá de pagar os juros mais elevados do mundo sobre papéis colocados no exterior.  

Para a minha sobrevida será muito difícil, será mesmo impossível, ver este País realmente conseguir ser uma espécie de Fênix que vá ressurgindo de suas cinzas, de sua morte, porque, entre outras coisas, quando começa a clarear um pequeno espaço dessa estrutura administrativa brasileira, vemos que há forças contrárias que não querem permitir que o Sr. Pedro Malan compareça à Comissão Parlamentar de Inquérito e têm receio de que hoje o Sr. Francisco Lopes possa escorregar, cometer algum ato de descontrole e até falar a verdade.

 

Estou convencido de que neste País, dessa nova ética, dessa nova moralidade, o maior pecado é dizer a verdade. Perguntem ao Ministro Rubens Ricupero quanto custou a S. Exª a realidade expressa em poucos segundos — o Ministério e outras coisas mais. S. Exª falou durante 30 segundos a verdade, disse que todos eles eram bandidos. Isso lhe custou tudo.  

Vão ao Banco Central e vejam se lá não há bandidos. Quem pode duvidar disso?  

No século passado e no princípio deste século, nos Estados Unidos, em qualquer lugar, no Texas ou na Califórnia, por exemplo, onde se furasse brotava petróleo. No Brasil, em qualquer local que se instaure uma CPI, damos em uma fossa. Daí nosso receio dessas CPIs. Por isso, o Ministro Pedro Malan não deve comparecer e prestar esclarecimentos à CPI.  

Parece-me também que devíamos aprender um pouco com esta atuação do Banco Central. Da última vez que estive aqui, inquirindo o Sr. Cláudio Ness Mauch, a Diretoria de Fiscalização do Banco Central estava vaga, para não se responsabilizar ninguém pela falta de fiscalização. Tal procedimento foi que permitiu ao Banco Nacional emitir dinheiro falso. Quando o Banco Nacional criou depósitos fictícios, fantasmas, emprestando esse dinheiro, estava criando moeda escritural falsa. É a mesma coisa que imprimir notas; não há diferença alguma.  

Então, vimos que, para os bandidos do Banco Nacional, naquela ocasião, rapidamente, US$9 bilhões foram emprestados pelo Governo – só para o Banco Nacional!  

Cada um dos filhos do Sr. Magalhães Pinto tinha uma superlancha, uma igual à outra. O nome de uma delas era "Vida Dura". Como trabalha essa gente! Vida dura, com US$9 bilhões! E a Dª Ana Lúcia Magalhães Pinto, naquela ocasião, era — e aí o perigo desse negócio de parente — nora do Presidente da República.  

Sr. Presidente, como meu tempo está vencido, eu só gostaria de dizer, rapidamente, que propus ao exame desta Casa uma mudança do critério. O Banco Central somente seria dirigido, bem como o Banco do Brasil, por diretores egressos da carreira. Somente funcionários de carreira poderiam ocupar os cargos de direção dos Bancos Central e do Brasil. Assim, a direção dessas duas instituições poderia se tornar independente do maior perigo, que é a própria rede bancária, o próprio sistema financeiro, a quem são chamados a fiscalizar e a controlar.  

Desse modo, não digam que queremos sempre o pior. Estamos pelejando, lutando, isto sim, para que alguma janela possa ser aberta e que a luz através dela espante alguns vampiros, fazendo com que este País possa dar algum passo no sentido da dignidade, do respeito e de uma moralidade que tenha tudo a ver com a vida humana e com a sua proteção.  

A independência dos Bancos Central e do Brasil somente poderá ser efetivada na medida em que as nomeações de seus presidentes e diretores se constituam em uma ascensão administrativa, impessoal, a esses cargos de comando. Do contrário, teremos sempre Soros ou sombras, projeções e fantasma de Soros dirigindo nossas instituições.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/1999 - Página 8862