Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE O DESENCONTRO DE VERSÕES ENTRE O FMI E O GOVERNO BRASILEIRO EM RELAÇÃO A PRIVATIZAÇÃO DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL, DO BANCO DO BRASIL E DA PETROBRAS.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • COMENTARIOS SOBRE O DESENCONTRO DE VERSÕES ENTRE O FMI E O GOVERNO BRASILEIRO EM RELAÇÃO A PRIVATIZAÇÃO DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL, DO BANCO DO BRASIL E DA PETROBRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/1999 - Página 10670
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, INCOMPATIBILIDADE, DEPOIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, PRIVATIZAÇÃO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), BANCO DO BRASIL, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • COMENTARIO, CONCLUSÃO, ORADOR, VERDADE, DEPOIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), SOLICITAÇÃO, SENADOR, REALIZAÇÃO, DEBATE, REFERENCIA, PRIVATIZAÇÃO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), BANCO DO BRASIL, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), BANCO DO BRASIL, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), DESENVOLVIMENTO NACIONAL, AUSENCIA, BENEFICIO, INTERESSE, PAIS.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nossos jornais vêm divulgando, nas últimas semanas, um curioso desencontro de versões. Poderia até ser divertido, não se tratasse de assunto da maior seriedade. De um lado, as autoridades do Fundo Monetário Internacional – FMI anunciam sem disfarces que o Governo brasileiro se comprometeu, no âmbito do acordo de socorro firmado com aquela entidade monetária global, a privatizar a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e a Petrobrás, as últimas grandes empresas estatais. De outro lado, o Ministro Pedro Malan e o Presidente Fernando Henrique Cardoso afirmam e reiteram candidamente que isso nem está sendo cogitado.  

Posso estar enganado, Srs. Senadores, mas acredito que uma destas duas hipóteses tem de ser verdadeira: ou bem houve um mal entendido nas negociações — o que implicaria nossa inevitável conclusão pela incompetência dos negociadores de um dos lados — ou alguém aí está mentindo. Quem tiver outra explicação plausível que a apresente, pois não consigo imaginar mais alguma.  

Esse dilema posto, a nós restaria questionar quem é incompetente. Ou quem é mentiroso. Ou ainda — hipótese nada improvável — quem é, ao mesmo tempo, mentiroso e incompetente.  

Do lado do FMI, até que podemos pensar em incompetência, face aos desastres econômicos que vêm acometendo os países em que ele intervém. Não se trataria, contudo, de incapacidade de negociação, mas, antes, de um viés teórico e ideológico ao qual, nem sempre, a realidade se conforma. Por outro lado, cabe perguntar o que ganharia o FMI em mentir a respeito do acordo feito com as autoridades de um país periférico, que só ganha o noticiário internacional quando oferece algum incidente folclórico?  

Francamente, Srs. Senadores, acho difícil. Do lado do Governo brasileiro, acusações de incompetência serão certamente mais bem fundadas. Pois não foram as autoridades monetárias brasileiras que amarraram o País a uma âncora cambial insustentável, até ver virar poeira a credibilidade conquistada a partir do sucesso do Plano Real em conter a inflação? E quanto à fidelidade das afirmações aos fatos e às ações, quem pode dizer que confia em nosso Governo? O FMI certamente não, pois seus negociadores saíram daqui em outubro impressionadíssimos com a afirmação peremptória do Ministro e do então Presidente do Banco Central de que nossa política cambial não seria alterada. E já vimos no que deu.  

Se esse raciocínio é correto, podemos considerar verdadeira a versão segundo a qual o Governo pretende privatizar essas empresas. E, se é assim, temos o dever, como Senadores da República, de trazer ao debate a questão da relação entre essas vendas e o interesse da Nação.  

Será mesmo — devemos nos perguntar — que contribui alguma coisa para o bem do País a privatização da maior empresa brasileira, pioneira e criadora de tecnologia de ponta? É sensato vender uma empresa lucrativa e com grande perspectiva de lucro futuro, detentora que é de reservas incalculadas de petróleo e gás natural? Vamos entregar por preço irrisório, para regozijo do FMI, essas reservas do combustível fóssil que vem sendo e continuará por muito tempo a ser o alimento do progresso?  

Será razoável, enfim, nos desfazermos dessas reservas quando sabemos que foram buscadas e encontradas por brasileiros que, com sua dedicação e convicção, desmentiram os reiterados pareceres de técnicos estrangeiros — como o famoso Mr. Link — segundo os quais o subsolo brasileiro não conteria uma gota de petróleo? Vamos vender a empresa cuja atuação livrou o País da dependência total ao petróleo importado?  

Falo da Petrobrás e de suas realizações como uma conquista dos brasileiros porque isso descreve exatamente o que ela é desde sua fundação, resultado de uma campanha memorável, até o trabalho pioneiro de pesquisa, lavra e produção de petróleo e gás na plataforma submarina, sobre lâminas d’água de mais de mil metros. Tenho, contudo, uma razão mais premente para chamar a atenção dos Srs. Senadores para a questão da nacionalidade. É sobre isso que pretendo argumentar aqui com mais cuidado.  

Trata-se da constatação de que, pelo porte da empresa, somente seria possível privatizar a Petrobrás fragmentando-a ou vendendo-a aos grandes grupos internacionais oligopolistas do setor. Privatizar a Petrobrás significa, necessariamente, desnacionalizá-la.  

Ora, o argumento de que esse não é um setor estratégico nestes tempos de globalização dos mercados oculta uma falácia. De fato, os países mais ricos, em geral, não conservaram suas estatais nos setores energético e de telecomunicação, por exemplo. Privatizaram-nas de fato, mas não as desnacionalizaram, pois as venderam a seus cidadãos e a empresas do próprio país. Algum dos Srs. Senadores poderia conceber a situação em que as comunicações das Forças Armadas americanas estivessem sob o controle de empresas de outro país? Ainda que fosse um país normalmente alinhado aos Estados Unidos, quem garantiria que amanhã não se tornará inimigo?  

Esses setores, não tenhamos dúvidas, continuam a ser estratégicos. Não precisam suas empresas ter controle estatal, mas precisam ser confiáveis em caso de situações de emergência ou em que esteja envolvida a segurança nacional. Precisam ter controle nacional.  

E como sabemos que não há grupo brasileiro capaz de comprar a Petrobrás nem, muito menos, de levar adiante seu programa de pesquisa e lavra, precisamos admitir que, por mais que defendamos a retirada do Estado da economia, a Petrobrás não deve ser privatizada. Pelo menos não agora.  

Que dizer, então, da privatização de dois bancos voltados para o atendimento das necessidades de financiamento do cidadão comum, dessa gente que não especula com dólares, nem manipula papéis da dívida brasileira, nem joga na roleta dos mercados de futuros? O Banco do Brasil, por décadas a única fonte para o financiamento rural dos pequenos agricultores, e a Caixa Econômica Federal, principal agente financiador da habitação para as classes média e popular, exerceram e continuam a exercer um papel fundamental na redução das desigualdades sociais que são uma mancha em nossa auto-imagem como Nação democrática.  

Não deverão ser mantidas, Srs. Senadores, essas verdadeiras agências promotoras do desenvolvimento e da justiça social? Ou será que o Governo só tem ouvidos para os portadores estrangeiros de capital volátil? Ou será que o Brasil passou mesmo a ser o paraíso dos bancos privados nacionais e estrangeiros, sem o menor compromisso com o desenvolvimento do País, mas sempre socorridos com o dinheiro de nossos impostos quando se vêem em dificuldades?  

Não vou dizer que essas empresas estatais não têm problemas, que elas não precisam ser modernizadas e ficar mais eficientes. Ao contrário, penso que elas devem ter aperfeiçoados seus métodos de ação, de modo a torná-las perfeitamente competitivas com as empresas privadas de seus setores, nos mercados que disputam. Banco do Brasil e Caixa Econômica têm muito o que melhorar em termos de atendimento ao cliente. Mas não devemos esquecer as importantes atividades que eles exercem e que escapam ao interesse dos bancos privados.  

O caso da Petrobrás é ainda mais sério. Foi um extraordinário esforço físico e financeiro de toda a Nação, por quatro décadas, que fez dela uma das seis maiores empresas do mundo no setor petrolífero. O monopólio foi quebrado, muito bem; quem quiser investir e produzir petróleo no Brasil que venha, desde que para procurar por conta e risco próprios novas jazidas. Entrar e ganhar de mão beijada para exploração as áreas já pesquisadas e cubadas pela Petrobrás, depois dela ter arcado com todos os riscos, isso é inadmissível. Pois é exatamente o que propõe o primeiro-genro, diretor da Agência Nacional do Petróleo, ao obrigar a Petrobrás a abrir a todos os interessados suas informações sobre o subsolo brasileiro.  

Que me perdõem o Sr. Zylberstajn e os que o apóiam, mas não creio que possa haver ação mais contrária ao espírito do próprio capitalismo que essa história de obrigar uma empresa a revelar seus segredos industriais. Isso é como tentar obrigar a Coca-Cola a revelar a fórmula de seu xarope. É inconcebível! E se, como é o caso, quem age contra o interesse da empresa é seu acionista majoritário — o Estado, por intermédio de seu agente, a ANP — a coisa chega às raias da esquizofrenia.  

Ou serei eu que estou ficando louco? Lembro, por exemplo, que, à época da quebra do monopólio, um desses jornalistas econômicos chapa-branca, que aplaudem até os espirros do Governo, exultava com a descoberta — dele certamente — de que Monteiro Lobato não defendera a intervenção do Estado no setor petróleo.  

Grande novidade! Monteiro Lobato acreditava na capacidade do empresário nacional de desenvolver a indústria petrolífera. Qualquer pessoa que tenha lido, quando criança, o livrinho chamado O poço do Visconde terá entendido isso claramente. Nem seria necessário o imenso esforço intelectual de ler seus escritos para adultos. Uma coisa, porém era clara para Lobato: essa indústria precisava ser nacional, porque se tratava de nossa autonomia econômica. Tenho a convicção de que, posto diante da insuficiência do empresariado nacional para o investimento do porte necessário à indústria petrolífera, ele teria marchado ao lado dos seguidores de Horta Barbosa cantando o lema "O petróleo é nosso".  

Sr. Presidente, fui militante das reformas de base, naquele tempo, e me conservei um defensor da empresa nacional. Caso se faça necessário, estou disposto a voltar às ruas para defender a soberania nacional. O Governo faria melhor em não contar tanto com a apatia dos brasileiros, pois o último a desprezar a indignação popular e fazer ouvidos moucos à voz das ruas foi legal e legitimamente posto para fora do Palácio do Planalto.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/1999 - Página 10670