Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A PROPOSTA DO MEC REFERENTE AO CREDITO EDUCATIVO.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • REFLEXÕES SOBRE A PROPOSTA DO MEC REFERENTE AO CREDITO EDUCATIVO.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/1999 - Página 12789
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, PROPOSTA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), TRANSFORMAÇÃO, CREDITO EDUCATIVO, CONTRATO DE RISCO, PREJUIZO, PAIS, POPULAÇÃO, IMPEDIMENTO, ESTUDANTE CARENTE, HABILITAÇÃO, NIVEL SUPERIOR.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ACRESCIMO, DISPOSITIVOS, LEGISLAÇÃO, GARANTIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, MUTUARIO, PROGRAMA, CREDITO EDUCATIVO, ABATIMENTO, DIVIDA, VIABILIDADE, ESTUDANTE CARENTE, PERMANENCIA, UNIVERSIDADE.
  • ENCAMINHAMENTO, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, PRESENÇA, DIRETOR, CREDITO EDUCATIVO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, SENADO, ESCLARECIMENTOS, ACESSO, ESTUDANTE CARENTE, PROGRAMA.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no início da década de setenta, se não me falha a memória, os intelectuais brasileiros mobilizaram-se em torno de um termo novo e praticamente desconhecido à época: os contratos de risco.  

Resumindo, a grosso modo, os contratos de risco tinham por objetivo a sondagem e a exploração de petróleo, especialmente em nossa plataforma submarina. Isto é, empresas multinacionais correriam o risco de investir tempo e recursos na busca de petróleo; em troca, se o resultado fosse positivo, aquelas firmas ficariam com o maior percentual relativo a produtos e lucros.  

Realizaram-se debates inflamados, não só nos três níveis do Poder Legislativo, mas também nas universidades, nos clubes, nas associações. Era o assunto do momento. Mesmo sob um regime de força, os brasileiros questionaram as vantagens para o Brasil.  

Na época, Srªs e Srs. Senadores, não tínhamos tecnologia nem equipamentos que nos permitissem a procura do petróleo no mar. Segundo os contratos, o País não investiria nada. O risco seria do investidor. Mesmo assim, os debates foram acirrados.  

Agora, travaremos contato com um outro tipo de contrato de risco. Entretanto, Sr. Presidente, desta vez, ambos os lados estarão sob constante ameaça, e não vejo possibilidade de ganho para nenhuma das partes. Desta vez, o tema é educação. O contrato de risco apresenta-se sob a forma do crédito educativo. Os envolvidos são, de um lado, o Ministério da Educação - representado pelo Ministro Paulo Renato - e, do outro, o povo brasileiro, representado pelos universitários carentes.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não discorrerei sobre os aspectos que estão em todos os jornais. Desejo apenas ressaltar alguns elementos da proposta do MEC, que precisam ser exaustivamente analisados pelas duas Casas do Congresso Nacional.  

Os alunos beneficiados pelo crédito educativo iniciarão o ressarcimento imediatamente após a formatura. Quem garante que estejam empregados ou que consigam trabalho? Quem garante que, com o aumento constante do desemprego, se conseguirem trabalho, o ordenado lhes permitirá saldar os débitos?  

Para terem uma idéia mais precisa, no meu Estado, Tocantins, os vencimentos médios de um professor estão em torno de R$450,00. Setenta por cento do professorado tocantinense não têm formação superior. Imaginemos, por um momento, que muitos desses professores pretendam cursar uma faculdade para aprimorar conteúdos e técnicas e terem uma possibilidade de ascensão social e de melhoria econômica. Enfim, é justo e louvável que queiram cursar o nível superior.  

Com um ordenado de R$450,00, não poderão arcar com as próprias despesas e assumir os custos de livros e cadernos, além do preço da mensalidade da faculdade. Só dispõem de duas alternativas: ou renunciam à possibilidade de estudar, sacrificando os sonhos de realização profissional, ou recorrem ao crédito educativo.  

Se optarem pelo programa governamental, estarão condenando-se às angústias de uma dívida crescente, de um futuro incerto, de preocupações constantes. Muitos desistirão durante o curso. Todos consumirão parte do tempo e do esforço cerebral sob o peso dos débitos. Os poucos que concluírem a graduação verão chegar a formatura com pesar, pois a conclusão do curso marca o início da cobrança das dívidas.  

Nobres colegas, parece que está sendo aplicado ao ensino superior um raciocínio semelhante ao da arrecadação fiscal. Os impostos, os juros embutidos, a insistência da autoridade em escorchar, em onerar excessivamente o cidadão resulta em sonegação, em embuste, em constantes fraudes, em estímulo às ações de esperteza em que se burla o Fisco por se sentir espoliado. Em conseqüência, a arrecadação fiscal é bastante inferior ao esperado.  

Citamos como exemplo, Sr. Presidente, a última palestra do eminente Secretário-Geral da Receita Federal, que pasmou todos que o assistiam e toda a imprensa nacional, pelo nível de sonegação que se pratica neste País. A propósito, trata do assunto um importante editorial da Folha de S.Paulo de hoje: estão sonegando até a sonegação.  

Os juros de 12% ao ano sobre os débitos com o programa do Crédito Educativo trarão um efeito semelhante. A inadimplência, atualmente em torno de 55%, em oposição ao que o Governo espera, aumentará. A evasão e a repetência, também. Alega o Ministro Paulo Renato que os juros alimentarão o fundo que permitirá empréstimos a outros estudantes. É o mesmo raciocínio lógico do sistema tributário: cobra-se mais, para arrecadar mais. E arrecada-se menos. Juros altos para atender mais estudantes. E atenderão cada vez menos.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Ouço V. Exª, eminente Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Nobre Senador Carlos Patrocínio, tenho imenso prazer em me solidarizar com V. Exª, que aborda um assunto que é da responsabilidade de cada brasileiro e de cada representante que tem expectativa de futuro para este País. Hoje, olhar para esse universo de pessoas com tendência à responsabilidade, com forte interesse em construir o futuro, em ter a possibilidade de viver bem em seu próprio País é algo muito difícil. A idéia do desenvolvimento humano é esquecida e colocada em segundo plano pelas autoridades deste País. O Brasil se afirma com o depoimento do eminente Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, como o país, de fato, mais injusto do mundo e, não só isso, como o país dos maiores privilégios do mundo. Os grandes ricos — com suas grandes fortunas — são privilegiados pelo não-pagamento de seus tributos, pela não-responsabilidade tributária, enquanto cada brasileiro que sonha em construir seu próprio País, em desenvolver sua cidade, sua região, seu povo, passa pela angústia de ver as porta fechadas. O exemplo é o que V. Exª apresenta: esse horizonte restrito e limitado da formação educacional do País. A responsabilidade do Senado Federal hoje é fazer o que V. Ex.ª está fazendo: sensibilizar as autoridades públicas, para que digam o que deve ser feito com o serviço público, com as políticas públicas, em relação ao futuro do nosso País. Não é possível imaginarmos um Brasil dos privilégios e um Brasil que olha para a juventude desconsiderando a importância do desenvolvimento humano e do próprio ensino superior, que é a base, a afirmação do conhecimento científico deste País, algo que não deve ser colocado em segundo plano, que deve fazer parte da idéia do desenvolvimento. Portanto, solidarizo-me integralmente com V. Exª por seu pronunciamento e espero, sinceramente, que a educação seja, na consciência de cada acadêmico que dirige o nosso Brasil, um instrumento e um vetor da construção do futuro, tão vasto, tão imenso, como muito bem disse, em recente discurso, o Senador Lauro Campos. Se, na Austrália, o salário mínimo é US$2.198, por que é um peso tão grande investir em educação superior no Brasil, onde um professor chega a ganhar no máximo, em média, R$450,00, como no caso do Estado de V. Exª? Parabéns pelo pronunciamento!  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Agradeço, Senador Tião Viana, a participação de V. Exª em meu modesto pronunciamento.  

Um professor, na realidade, ganha em média, no meu Estado, R$450,00, e nós nos vangloriamos de pagar um dos melhores salários do País para nossos professores.  

Estamos chamando atenção para esse problema, que surgiu, sobretudo, após a aprovação da lei que extingue as isenções tributárias e fiscais de algumas entidades ditas filantrópicas. Parece que essa lei teve um mau efeito: muitos alunos estão saindo da faculdade, porque se lhes cortaram a bolsa de estudo, e o que se observa é que os pais desses alunos não estão tendo condição de sustentá-los nas faculdades pagas.  

Segundo o grande escritor francês, Antoine de Saint Éxupery, a autoridade que pretende ser obedecida deve dar ordens razoáveis. Esse ensinamento não é novo; pode ser encontrado em diversos filósofos. No século IV a. C., ponderava Aristóteles que todo governante sábio deve tudo subordinar à preocupação de assegurar a felicidade e a tranqüilidade dos cidadãos. São Gregório I, que foi Papa no período de 509 a 604, deixou-nos escrito que o mais importante para um bom administrador é cultivar a justiça e proteger os direitos dos cidadãos.  

Na ponta do lápis, no papel, a matemática financeira aplicada ao Crédito Educativo pode funcionar. No entanto, o papel aceita tudo! Nele podemos escrever o que quisermos; riscar, apagar, reescrever. No entanto, estamos lidando com seres vivos, com seres humanos; com muitos daqueles que serão professores dos nossos netos. Nem o gado, nem os animais, nem mesmo as plantas se conformaram, assim, às determinações, por mais poderosa e tirânica que seja a autoridade.  

Serão aplicadas aos universitários mais pobres normas semelhantes às do Sistema Financeiro de Habitação. Pagava-se o imóvel o ano inteiro, mas o débito crescia sempre mais. Qual o resultado disso? A inadimplência e a falência do sistema.  

Com tantos exemplos, vamos tentar de novo? Não podemos esquecer-nos de que errar uma vez é humano, mas vamos persistir no erro? Vamos repetir a experiência com a mais nobre das substâncias: os ideais dos nossos jovens? Vamos arriscar o futuro de nosso País? Ou será essa uma estratégia para estreitar ainda mais o topo da pirâmide educacional, impedindo-se os alunos carentes de cursar o nível superior?  

Sr. Presidente, ilustres Senadores, preocupado com esses aspectos, apresentei o PLS que recebeu o nº 92, de 1999, acrescentando os seguintes dispositivos à Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre o serviço voluntário:  

"Art. 3º . Os mutuários do Programa de Crédito Educativo que estiverem inadimplentes terão assegurada a alternativa de prestar serviço voluntário em sua especialidade, em tempo parcial ou integral, segundo as necessidades priorizadas pela União, a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não-lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social.

 

Parágrafo único . O serviço voluntário prestado abaterá, progressivamente, a dívida do mutuário, podendo quitá-la, conforme normas a serem fixadas pelos agentes do programa a que se refere o caput deste artigo."  

Esta é uma proposta de solução para o problema daqueles que querem pagar, mas não podem, e, sendo cidadãos, merecem oportunidades educacionais eqüitativas. O objetivo da proposição é, portanto, apresentar uma alternativa que produza benefícios quer para o indivíduo, quer para a coletividade.  

Sr. Presidente, desejo enfatizar que, transformando o Crédito Educativo em um contrato de risco, o mais prejudicado será o nosso País; será a população brasileira, que deixará de contar com milhares de jovens que poderiam habilitar-se em nível superior, se os obstáculos não fossem quase insuperáveis.  

Para finalizar, Sr. Presidente, gostaria de dizer a esta Casa que também encaminhei requerimento, solicitando a presença do Diretor Nacional do Crédito Educativo para prestar esclarecimentos à Comissão de Educação desta Casa, tendo em vista que não se observa o acesso de mais de um estudante pobre ao Crédito Educativo. Embora o Orçamento Geral da União preveja as dotações necessárias para custear o Crédito Educativo, não temos visto habilitados os jovens indicados a recebê-lo, mesmo aqueles cujos pais percebam salários irrisórios — salário mínimo, por assim dizer.  

Portanto, gostaria de merecer de V. Exª e da Mesa uma resposta ao requerimento, para ouvir o responsável pelo Crédito Educativo em nosso País na Comissão de Educação.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/1999 - Página 12789