Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEFLAÇÃO E O DESEMPREGO NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEFLAÇÃO E O DESEMPREGO NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/1999 - Página 12806
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATRASO, DESVALORIZAÇÃO, CAMBIO, POSTERIORIDADE, REELEIÇÃO, FAVORECIMENTO, ESPECULAÇÃO, SAIDA, CAPITAL ESPECULATIVO, BRASIL.
  • CRITICA, PROPAGANDA, GOVERNO, COMEMORAÇÃO, VITORIA, CONTROLE, INFLAÇÃO, AUSENCIA, DIVULGAÇÃO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, FOME, DESEMPREGO, INFERIORIDADE, PODER AQUISITIVO, POPULAÇÃO, REDUÇÃO, PREÇO, VENDA, RESULTADO, AUMENTO, JUROS, FALENCIA, EMPRESA.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, até agora estava indeciso a respeito do assunto que deveria desenvolver hoje desta tribuna. Isto porque cheguei à conclusão de que o assunto principal, aquele a que eu teria obrigação de me referir hoje, porque urgente e importante, é uma pesquisa que venho fazendo há muito tempo a respeito da "terceira via", a respeito das alternativas da economia capitalista, da Modernização 1 e da Modernização 2, a que se referem eminentes professores e intelectuais ingleses e alemães, principalmente.  

Isso vai ser desenvolvido amanhã em um pronunciamento para o qual já me encontro inscrito, mas vou apenas adiantar o seguinte: o Governo, o Presidente FHC tem uma linguagem, um discurso que desenvolve no exterior e tem um outro, completamente diferente, que ele passa para os enganados ouvintes brasileiros.  

Cheguei a essa conclusão que agora se fortalece com o fato de que os principais construtores da "terceira via", aqueles que propõem principalmente na Alemanha e na Inglaterra a condução da crise do capitalismo global, tomaram agora como modelo para o capitalismo mundial em crise o Brasil. Não é apenas a sociedade brasileira com o seu desemprego fantástico, com a sua economia informal, com a sua atividade subterrânea, com a pior distribuição de renda do mundo, com a desarticulação total do Estado como organização da acumulação capitalista das empresas estatais, não é apenas isso que serve de modelo para o capitalismo desarvorado e em crise em escala mundial.  

Para o sociólogo Ulrich Beck, a brasilização ou feminilização do trabalho representa o futuro na atual sociedade global de risco. Brasilização ou feminilização: quer dizer, um expediente de manhã, um expediente de tarde e outro expediente de noite, para, com os três, compor um salário de subsistência. Esse é o objetivo. Esse é o objetivo da economia global, capitalista e desesperada, como se está vendo. Quem objetiva isso como resultado da ação estatal e coletiva está completamente desesperançado, desesperado e sugere, segundo a proposta da Modernização 2, "a desordem do progresso", proposta para os governos da Alemanha e da Inglaterra e outros que queiram seguir esse modelo. Trata-se do modelo da brasilização: a desordem do progresso.  

Esse tema vou desenvolver amanhã, porque hoje inclusive eu estava pensando em estimular o meu filho mais velho a essa leitura, mas fiquei receoso de que a sua pressão pudesse subir, diante da indignação que isso provoca. Se a pressão do meu filho, de 41 anos, poderia perigosamente subir, poupo-me desse trabalho e passo a ler o pronunciamento que havia escrito na semana passada. Se esse meu trabalho fosse publicado, se eu conseguisse uma brecha na imprensa para publicá-lo, o que obviamente não me é possível, intitular-se-ia "Caçando Com Cães e Gatos: FHC, Deflação e Desemprego".  

Em um raro momento de sinceridade e lucidez, o Sr. Camdessus, Diretor-Gerente do FMI, declarou que o culpado pelos problemas e sofrimentos por que passa o Brasil é o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Disse, ainda, o Dr. Camdessus que o candidato FHC atrasou a desvalorização do câmbio com o objetivo de empurrar para depois da reeleição a visualização de todos os problemas ocultos pela estabilização. Se a maxidesvalorização do real e todos os efeitos colaterais tivessem ocorrido antes da reeleição, a volta da inflação, a elevação estratosférica da taxa de juros, o agravante do desemprego que atingiu 19,9% em São Paulo, 22% em Brasília e 25% em Salvador, o aumento vertiginoso das dívidas pública e externa teriam antecipado o repúdio ao Governo e posto em sério risco a reeleição sonhada por FHC. O que todas as pesquisas de opinião revelam, a rejeição ao seu governo, teria acontecido antes da reeleição sem desincompatibilização. O golpe dado pelo recandidato FHC, o atraso da desvalorização cambial a que se refere Camdessus favoreceu os especuladores internacionais, dando tempo ao capital volátil de voar do Brasil carregando seus lucros fáceis. Mais de US$40 bilhões de nossas reservas bateram asas. Para os bons entendedores, aquele atraso foi uma espécie de informação privilegiada dada a todos os especuladores. Só o Marka e o FonteCindam não entenderam os avisos. Uns gênios...Esses Cacciola... Por suas inteligências atípicas foram indenizados depois. O custo FHC se elevou, por conta da reeleição, em mais de cem bilhões de reais. Os embolsos de Salvatore Cacciola, FonteCindam e Chico Lopes são parcelas irrisórias do Custo FHC.  

Vencida a reeleição, foram esquecidas as promessas de um Brasil em Ação e as juras de liquidar o desemprego com a mesma agilidade prestidigitadora com que fizera "sumir" a inflação. Sua Majestade - digo, S. Exª - não revelou nunca que o aumento do desemprego foi conseqüência do esfriamento da atividade econômica, essencial para que a inflação fosse "derrotada". O enxugamento, a redução de demanda, os aumentos do déficit comercial e da dívida externa provocados pelos estímulos e subsídios às importações dos produtos que levaram as empresas nacionais à falência e os trabalhadores para a rua do desemprego, a elevação dos juros a 49% ao ano, oficializando a agiotagem, foram ingredientes essenciais à "vitória" do Governo FHC sobre a inflação.  

O volume de emprego e o nível de renda dos países ricos se mantiveram elevados graças às exportações que eles fizeram com os subsídios criminosos pagos pelo nosso governo, em cujo corpo encarnou o espírito do FMI e do Banco Mundial. Os empresários nacionais demitiram em massa e muitos deles faliram ou venderam suas indústrias para os capitalistas estrangeiros favorecidos pelo governo dito nacional, alienação financiada pelo BNDES de pai para os filhos. Mendonça de Barros, velho de guerra, o das Comunicações, declarou que "é impossível evitar o vazamento de informações", esquecido de que é um interlocutor auricular e privilegiado do Presidente. Disse ainda: "deixei de ganhar", referindo-se à negociata de janeiro. Ato de penitência, só pode ser.  

A farra do boi das importações pagas, subsidiadas pelo Governo FHC, acabou quando as reservas em dólares bateram suas asas voláteis e quando os empréstimos secaram. As importações foram reduzidas não porque o Governo brasileiro ou o Banco Central quisessem, mas por absoluta impossibilidade de se dar continuidade ao processo de combate à inflação por meio de importações a preços tão baixos que achatavam os internos.  

O arrocho salarial, a desmoralização dos sindicatos e de suas reivindicações e a demissão de servidores públicos e de operários não foram suficientes para diminuir a demanda em nome do combate à inflação. Impossibilitado de continuar a proteger as importações por causa do aumento da dívida externa, que pulou para US$250 bilhões, a "solução" do Governo governado por Washington foi congelar o consumo e o investimento ao mesmo tempo: a elevação da taxa de juros a 45% ao ano foi um remédio heróico, ótimo para matar qualquer paciente, encontrado pelos tecnocratas ausentes, esquecidos de conhecerem o Brasil real. Combater o desemprego - isto o mentiroso não confessa - é inverter os sinais de todas as medidas postas em prática pelo Governo da esquizofrenia real.  

Com o aprofundamento da fome, do desemprego, do desespero, a renda disponível para o consumo diminuiu tanto que provocou uma violenta pressão no sentido da queda dos preços, da deflação - esta que estamos vendo em São Paulo e em várias capitais. Nem a maxidesvalorização do real, decretada em meados de janeiro, foi capaz de provocar a volta do sopro inflacionário que os otimistas do Governo passaram a antever. Os tecnocratas bem nutridos não sabem por que, numa economia totalmente dolarizada, a desvalorização do real não se traduziu numa elevação de preços. A verdadeira âncora do real é e sempre foi a fome e o baixíssimo nível de consumo do povo brasileiro. Os comerciantes, mais próximos da massa de consumidores consumidos, entenderam, muito antes que os tecnocratas de proveta conseguissem fazê-lo, que, se eles remarcassem seus preços de acordo com o aumento dos preços das peças, dos componentes e das mercadorias importadas, suas vendas cairiam tanto que provavelmente os levaria á falência. E se não remarcassem os preços poderiam sobreviver até liquidar seus estoques, mas as receitas de suas vendas não seriam suficientes para repô-los. Essa situação crítica, provocada pela pobreza, pelo desemprego, pela falta do poder de compra dos consumidores, pela fome da massa potencializada pelo aumento dos juros é a neo-âncora, que impediu o retorno da inflação que os tecnocratas esperavam que viria na esteira da maxidesvalorização do real. Por que a inflação não voltou galopante? Distantes do povo e de sua fome, os tecnocratas não podem encontrar a resposta simples e verdadeira.  

A propaganda oficial gasta seus tristes foguetes comemorando a vitória sobre a inflação, quando os preços e seus índices se inclinaram sob o peso da fome que se aprofunda com o desemprego, com a queda das vendas devido ao aumento dos juros, com a desvalorização imobiliária, com as falências, concordatas, desemprego crescente e fusões que atestam a presença da crise. O Governo FHC sobreviveu, o real ficou "estável", congelado por meio de uma overdose de panacéias que estão matando o paciente Brasil. Tudo se agravou e se evidenciou a partir da maxidesvalorização cambial de janeiro: o câmbio chegou a 2,17 reais por um dólar. As importações caíram, reduzindo a oferta interna de mercadorias; as exportações não chegaram a se elevar, porque bateram a cabeça nas portas fechadas de um mundo que jamais praticou a abertura neoliberal a não ser como produto de exportação, de enganação e de debates universitários. Os juros paralisantes subiram a 49% ao ano (e mesmo no atual patamar de 27% ao ano, em termos de juros reais, é o maior do mundo), somando a redução da demanda de bens de consumo à demanda de meios de produção. O salário mínimo, em dólar, caiu a 78 reais por mês, oficializando a fome.

 

Devido à âncora da fome, a demanda interna ficou congelada. A taxa de câmbio está se estabilizando no patamar de R$1,70/US$1,00, que corresponde aproximadamente à inflação do real, e que deveria estar vigorando pelo menos desde o ano passado. Dentro em pouco se verá que o Governo aprontou toda essa arruaça da maxidesvalorização, incorreu em todos os custos da mudança de câmbio, nas vendas de dólares pelo Banco Central para apagar o fogo do " overshooting" do dólar, para nada, porque, afinal, o real, ancorado na fome, na contração da demanda interna, voltou, teimosamente, ao antigo patamar. Mas se a taxa de câmbio recuar mais e se aproximar do nível anterior a 13 de janeiro, aos ferrenhos tempos de Gustavo Franco, as importações tenderão a se elevar novamente. Só que, agora, as reservas e os empréstimos em dólares para pagar as importações de mercadorias subsidiadas se volatizaram, não existem mais.  

A queda de preços produzida pela crise brasileira pela âncora da forme, do desemprego e dos juros estratosféricos é deprimente das receitas e dos lucros. A memória deflacionária apagou-se antes da "memória inflacionária" que o real quis condenar ao esquecimento.  

Falta memória histórica a esses tecnocratas brasileiros. Barton, Dr. Quesnay, Mercier de la Rivière, Robert Malthus, Marx, J.M.Keynes e alguns outros geniais estudiosos da economia capitalista compreenderam que o processo de acumulação de capital necessita desesperadamente da presença da inflação. "Deflação é crise" – disso sabia Constantino Bresciani Turoni (" The economics of inflation "); Keynes escreveu que a inflação é o "elixir" que estimula a atividade econômica enquanto a deflação "deprime os negócios".  

A inflação é perversa porque corrói os salários e os vencimentos; a deflação é perversa porque desemprega os trabalhadores e coloca os empresários falidos no mesmo barco dos sofredores. O capitalismo é perverso porque não oferece outras opções, é pobre de imaginação criadora. Perdido, o capitalismo descobre sua neo-solução: "A Globalização da Pobreza", título do livro recente de Michel Choussodovsky.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/1999 - Página 12806