Discurso no Senado Federal

DEFESA DA REGULAMENTAÇÃO DOS RECURSOS GENETICOS NATURAIS EM FACE DAS DENUNCIAS DE BIOPIRATARIA.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • DEFESA DA REGULAMENTAÇÃO DOS RECURSOS GENETICOS NATURAIS EM FACE DAS DENUNCIAS DE BIOPIRATARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 02/06/1999 - Página 14218
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, PESQUISA, INFORMAÇÕES, COLETA, RECURSOS NATURAIS, GENETICA, IMPEDIMENTO, ATO ILICITO, ESTRANGEIRO, APROPRIAÇÃO, CONHECIMENTO, COMUNIDADE INDIGENA, ATIVIDADE PREDATORIA, FLORESTA, PAIS.
  • COMENTARIO, OBJETIVO, PROGRAMA, ECOLOGIA, UTILIZAÇÃO, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TRABALHO, AUTORIA, EUGENIO DA COSTA E SILVA, ADVOGADO, ESCLARECIMENTOS, CONVENÇÃO, BIODIVERSIDADE, BRASIL.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Constituição Federal garante a proteção dos recursos naturais, tornando obrigatória a fiscalização e o controle das entidades públicas e particulares que se dediquem à sua manipulação, a qualquer título.  

No entanto, carecemos ainda de uma legislação específica que regulamente a pesquisa de informações e a coleta de amostras dessas riquezas genéticas, propiciando a atividade ilícita, sobretudo de estrangeiros, quer junto às comunidades indígenas, quer no interior solitário das extensas florestas.  

Isso acontece apesar de a Lei Magna e a legislação complementar reconhecerem com clareza a "organização social, costumes, línguas, crenças e tradições" dos índios.  

As terras que ocupam, e as riquezas naturais nelas compreendidas, constituem patrimônio da União, sem embargo de que essas populações usufruam dos benefícios oferecidos pelo meio ambiente, inclusive e principalmente daquelas substâncias há muito usadas na prevenção, tratamento e cura das doenças.  

Não se desconhece, por outro lado, que o mercado mundial de medicamentos movimenta algo em torno de 320 bilhões de dólares, anualmente, e que cerca de 40% dos remédios têm origem direta ou indireta nas fontes naturais, sendo 10% de origem animal e 30% de origem vegetal, estimando-se que 25 mil espécies de plantas estejam sendo utilizadas pelos produtores.  

Justifica-se essa opção pelo fato de os estudos científicos confirmarem as propriedades curativas dos fitoterápicos. Alguns órgãos oficiais, como a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, mantêm programas de tratamento de diversas doenças com plantas medicinais. Males comuns como a diarréia, a enxaqueca, os resfriados e as verminoses, que acometem grande numero de pessoas, são curados em pouco tempo e com baixo dispêndio de verbas públicas.  

Multiplicam-se, porém, as denúncias de que pesquisadores, a serviço das grandes multinacionais farmacêuticas, de hábito servem-se de antigos e tradicionais usos e conhecimentos indígenas, a eles inocentemente transferidos pelos curandeiros da comunidade, habituados a tratar as doenças administrando produtos extraídos da vegetação natural.  

Os princípios ativos identificados e manipulados em grandes laboratórios do exterior transformam-se, então, em medicamentos patenteados, aqui e alhures largamente consumidos, fazendo a fortuna injustificável das empresas farmacêuticas estrangeiras.  

Essa nova face da pirataria tem sido inúmeras vezes denunciada, inclusive das tribunas do Parlamento, sem que medidas mais drásticas de Governo a tenham combatido, nela reconhecendo grave prejuízo aos interesses do País.  

A biopirataria disso melhor se aproveita para a produção de novos quimioterápicos, com custos ínfimos, maior eficiência e reduzidos efeitos colaterais.  

Também os órgãos de Imprensa amiúde ocupam-se do tema, reclamando providências governamentais que, definitivamente, coíbam as expedições predadoras de nossas florestas, que furtam parte significativa das nossas riquezas fitoterápicas, com incompreensíveis facilidade e ausência de reação prática.  

Reportagens recentes de O Globo e do Jornal do Brasil ferem, com propriedade, o assunto, esclarecendo que aqui se concentram mais de um quinto das plantas encontradas em todo o mundo, mas que não possuímos "lei para protegê-las".  

Ademais, constatada a dificuldade de se impedir a saída ilegal desse produto, o Governo vem aplicando estratégia de combate que consiste em aqui produzir os mesmos remédios fabricados no estrangeiro, a partir da matéria-prima em ambos os casos extraída das nossas florestas.  

Com esse objetivo, promoveu a construção do pólo de biotecnologia de Manaus, nela investindo 60 milhões de reais, inicialmente, além de criar o banco de dados sobre biodiversidade, como parte integrante do Sistema de Vigilância da Amazônia – Sivam.  

Considerada a inviabilidade de policiar proveitosamente a saída do referenciado material, uma vez que o microorganismo pode ser transportado em pequenos tubos de ensaio, e a fim de assegurar que a possibilidade de industrialização seja administrada pelo Brasil, aposta-se no Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia – Probem.  

Dessa forma, a iniciativa prioritária do Programa consistiria na construção de complexo laboratorial no Distrito Industrial de Manaus, a ser encarregado das pesquisas básicas e aplicadas de transferência de tecnologia e prestação de serviços.  

Julga-se que o Probem terá dificuldade para atrair para a região os pesquisadores do Sul e do Sudeste do País, impedindo a desejável concentração de cientistas na Amazônia.  

Tal fato pode facilitar a "evasão de conhecimento e de material genético", em face do domínio estrangeiro nos convênios de cooperação internacional, conseqüente do apontado reduzido número de pesquisadores nacionais, conforme registrou a Comissão Externa da Câmara dos Deputados, encarregada de investigar a prática da biopirataria no País.  

Contudo, ainda no sentido de atrair para a Amazônia a comunidade científica, o Programa, mediante convênio firmado com o Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq, oferece cerca de 80 bolsas de estudo, nas áreas de zooquímica, fitoquímica e engenharia genética, além de prever a criação de uma rede de laboratórios, destinada à bioprospecção da fauna e da flora, e de investir na formação de pessoal.  

Inexistindo um sistema organizado sobre biodiversidade no País, procura-se, também, impedir que os grandes centros de pesquisa estrangeiros colecionem maiores informações sobre a Amazônia do que os pesquisadores brasileiros.  

Com essa finalidade, a Fundação Aplicações de Tecnologias Críticas – Atech, encarregada da integração do projeto Sivam, estrutura um banco de dados sobre a biodiversidade, dando-lhe competência para processar as informações que serão produzidas, dentro de dois anos, pelos satélites e sensores do sistema.  

A proposta de reunir os conhecimentos tecnológicos, a informação e o pessoal técnico especializado, estabelecendo, de forma legal e transparente, parcerias interna e externamente, pode estimular o desenvolvimento e a comercialização de novas drogas e outros produtos originados da biodiversidade.  

O condenável é admitir que o interesse de corporações estrangeiras conduza à apropriação indevida da matéria natural, e que, a partir daí, desenvolvam, como seu, o produto, sem que os brasileiros de alguma forma sejam beneficiados pelo processo.  

Finalmente, é de se reconhecer como procedentes as ponderações do advogado Eugênio da Costa e Silva, em trabalho há pouco divulgado, esclarecedoras de que a Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada pelo Brasil, "propõe uma série de princípios e objetivos que deverão ser implementados no âmbito nacional".  

A legislação pátria há de se referir às condições de "acesso aos recursos genéticos, à biotecnologia e aos conhecimentos tradicionais das populações locais e indígenas", entre outras questões de explícito interesse das indústrias de fármacos, de biotecnologia e de cosméticos.  

A Convenção é afirmativa ao reconhecer que "os recursos genéticos presentes no território de um determinada nação estão incluídos no conceito de soberania nacional", devendo as leis internas dispor sobre a aplicação desse acertado conceito. Porém, enquanto os Estados têm soberania para legislar sobre o tema, devem "facilitar o acesso a tais recursos por outros países".  

Os benefícios daí decorrentes devem incluir a possibilidade de "participação em projetos de pesquisa" e na "divisão justa e eqüitativa dos resultados financeiros" subseqüentes.  

A Convenção recomenda, ainda, que a lei deve estabelecer claramente as condições de acesso aos recursos genéticos, possível, apenas, quando existente "o formal consentimento do país provedor dos recursos". Também, reconhece direitos às comunidades indígenas, pelos seus conhecimentos, inovações e práticas, "relevantes para o manejo sustentável da biodiversidade do planeta", sem revelar que a esses atributos possa corresponder determinado valor comercial.  

Por derradeiro, o estudo consigna que "a biodiversidade, os recursos biológicos e as tecnologias do futuro são pontos estratégicos, determinantes do debate sobre a proteção do meio ambiente". Exige-se, todavia, que os governos, com a participação efetiva "da sociedade civil organizada e das comunidades tradicionais", criem as condições e fixem as limitações para o acesso e a exploração "dos recursos existentes em nossas florestas, rios e mares".  

Estamos concluindo, Sr. Presidente, o nosso pronunciamento, registrando que, à vista do exposto, é inadiável promover a atualização dos compromissos internacionais e do ordenamento jurídico interno relacionados às riquezas fitoterápicas brasileiras.  

A integralidade da legislação específica, estudada, revista e consolidada, deve estabelecer as devidas prioridades para o seu rigoroso controle, assim como dispor acerca de novas, urgentes e incontornáveis limitações à sua exploração imprópria ou mesmo criminosa, desse modo verdadeiramente atendendo ao interesse maior do País.  

Sr. Presidente, peço que conste dos Anais este documento.  

Era o que tínhamos a dizer.  

************************************************************************* 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR CARLOS PATROCÍNIO EM SEU DISCURSO DE ENCAIXE:  

************************************************************************** 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/06/1999 - Página 14218