Discurso no Senado Federal

PREOCUPANTE RECRUDESCIMENTO DA VIOLENCIA NO BRASIL E A NECESSIDADE DE SEU ENFRENTAMENTO. PROPOSTA DO GOVERNO PARA O DESARMAMENTO DA POPULAÇÃO, CONSUBSTACIADA EM PROJETO DE LEI QUE ESTA SOB A APRECIAÇÃO DA CAMARA DOS DEPUTADOS.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • PREOCUPANTE RECRUDESCIMENTO DA VIOLENCIA NO BRASIL E A NECESSIDADE DE SEU ENFRENTAMENTO. PROPOSTA DO GOVERNO PARA O DESARMAMENTO DA POPULAÇÃO, CONSUBSTACIADA EM PROJETO DE LEI QUE ESTA SOB A APRECIAÇÃO DA CAMARA DOS DEPUTADOS.
Aparteantes
Maguito Vilela.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/1999 - Página 15431
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, INICIATIVA, EXECUTIVO, PROIBIÇÃO, VENDA, ARMA DE FOGO, MUNIÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, EXCEÇÃO, FORÇAS ARMADAS, ORGÃO PUBLICO, SEGURANÇA PUBLICA, EMPRESA, SEGURANÇA, VIGILANCIA.
  • DEFESA, DESARMAMENTO, POPULAÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, EXPECTATIVA, APOIO, CONGRESSO NACIONAL, PROJETO DE LEI.
  • COMENTARIO, DADOS, HOMICIDIO, CRIME, AUMENTO, VIOLENCIA, CAPITAL DE ESTADO, INTERIOR, NECESSIDADE, DISCUSSÃO, SOCIEDADE, SEGURANÇA PUBLICA, SUGESTÃO, REALIZAÇÃO, DEBATE, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS).
  • SUGESTÃO, MOBILIZAÇÃO, GOVERNO, MINISTERIO, CAMPANHA, DESARMAMENTO, INCENTIVO, ATIVIDADE, DEFESA, PAZ.
  • SUGESTÃO, CONCURSO, PREMIO, MUNICIPIO, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, VIOLENCIA, CRIAÇÃO, DIA NACIONAL, INCENTIVO, PESQUISA CIENTIFICA.
  • SOLICITAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), INCLUSÃO, COMBATE, VIOLENCIA, COMPROMISSO, POLITICA PARTIDARIA.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tramita na Câmara dos Deputados, desde o final do mês passado, o Projeto de Lei nº 1.073, do Executivo, que proíbe a venda de armas de fogo e de munições em todo o território nacional. Com as exceções previstas na iniciativa do governo federal, ficam fora do alcance da lei as Forças Armadas, os órgãos de segurança pública da União, dos Estados e Municípios e as empresas de segurança privada.  

Com essa iniciativa, o Presidente da República fez o que a sociedade brasileira já esperava diante do quadro crítico de violência urbana que cresce a cada dia no país. Cabe agora ao Congresso Nacional, representando a vontade de todo o povo brasileiro, decidir se quer ou não fazer a sua parte para desarmar esse ambiente de guerra social em que todos estamos direta ou indiretamente envolvidos.  

Os bandidos continuarão armados com as armas que já possuem, mas terão menos armas para roubar dos cidadãos que cometem o equívoco de achar que, armando-se, estão protegidos. A verdade confirmada por pesquisas é que as armas guardadas em casa acabam por atrair ladrões, intensificar a escalada de assaltos domésticos e aumentar o mercado paralelo, que é altamente indutor da criminalidade.  

O projeto, é claro, não resolve o problema do contrabando de armas, mas vai mostrar, pelo menos, que o poder público saiu do estado de letargia e de impotência que marcava a sua omissão diante da escalada da violência. Nesse sentido, trata-se de uma primeira reação que o Congresso tem o dever de apoiar para que comece a se estabelecer no país um ambiente psicológico favorável ao combate da violência.  

As manchetes dos jornais e da televisão mostram diariamente esse quadro de gravidade crescente, em que os vilões levam sempre a melhor. Nos três primeiros meses deste ano, 2.667 pessoas foram assassinadas na região da Grande São Paulo. No Rio de Janeiro, o número de vítimas de homicídios foi superior a 1.500. Esses dados assustadores fazem parte da reportagem de capa que foi publicada recentemente pela revista Época, ao fazer um retrato sobre o crescimento da violência nas duas principais cidades brasileiras e no restante do país. Com base nos estudos sobre o recrudescimento da criminalidade no Brasil, a revista constata que "os números são de guerra civil".  

A edição mostra ainda os resultados de uma pesquisa sobre os problemas que mais assustam os brasileiros nos dias de hoje. A violência ganhou disparado com 68%, superando o desemprego, com 41%, e a fome, com 13%. Em São Paulo, um quarto das pessoas consultadas já viveram o drama de assaltos ou algum tipo de violência familiar. Esses números não são muito diferentes no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, na Bahia, no Rio Grande do Sul ou em Goiás.  

Por meio de outras informações divulgadas oficialmente pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, é possível verificar que os números podem ser ainda mais assustadores. Na capital e no interior, os delitos praticados no primeiro trimestre chegaram a um total de 436 mil. Foram crimes contra pessoas, patrimônio, costumes, casos de tráfico de entorpecentes e práticas de contravenções. Somando-se apenas os homicídios, as tentativas de homicídio, as lesões corporais e os estupros ocorridos na capital e no interior do Estado, chega-se a 88 mil casos. Estamos falando de estatísticas que foram consolidadas a partir de registros policiais. Os fatos que não chegam ao conhecimento das delegacias não compõem o universo geral da violência, o que leva a uma verdade incontestável: as informações que são levadas à opinião pública, e que já assombram pela sua grandiosidade sinistra, são apenas parciais.  

Srªs e Srs. Senadores, não é difícil entender as causas do trauma que atinge hoje toda a sociedade brasileira. O terror social, que há alguns anos era restrito às colunas policiais de matutinos sensacionalistas, agora é assunto tanto de varejo como de atacado na primeira página da grande imprensa. Foi a realidade de cada dia que construiu essa inversão de importância da violência urbana. Aquela briga de esquina em que fulano matava beltrano já não é assunto para a crônica policial. O crime ganhou novas escalas de violência, requinte e sofisticação. Assim, cresce o número de chacinas pelo controle do tráfico de drogas e chegamos à era dos matadores seriais, aqueles que pareciam apenas fantasia do cinema de ficção. Esses praticantes de crimes hediondos fazem dezenas de vítimas em velocidades crescentes, espalhando o pânico entre as famílias e estimulando o surgimento de novos psicopatas que querem superar a performance macabra do último facínora que ficou famoso.  

No Rio Grande do Sul, o serial killer Paulo Sérgio matou sete pessoas. Queria atingir um número maior de vítimas para superar a fama de Francisco de Assis Pereira, o maníaco que estuprou e matou dez mulheres em São Paulo. No Rio de Janeiro, foi um auxiliar de enfermagem que matou mais de cem doentes que estavam internados no Hospital Salgado Filho. Está crescendo o número de anormais que matam por prazer, sem que governo e sociedade se dêem conta de que precisam reagir para evitar o crescimento dessa mancha patológica que ameaça transformar-se em endemia e que faz do crime de morte um hábito banal de qualquer dia ou qualquer hora.  

Esses três casos mais recentes e rumorosos desafiam o desemprego, a guerrilha urbana do tráfico de drogas e o uso indiscriminado de armas como indutores exclusivos da violência, ao lado das motivações próprias dos crimes de seqüestro.  

Os três criminosos estavam empregados, nenhum deles tinha envolvimento com o consumo de drogas, e apenas o matador do Rio Grande do Sul usava armas de fogo para executar suas vítimas, depois de um ritual que era temperado com requintes de crueldade, frieza e sadismo.  

Esse é o novo ingrediente que passou a fazer parte do sofrimento de uma sociedade enferma, onde muitas causas já contribuem para a escalada da criminalidade. Desajustes conjugais, declínio do espírito de família, desemprego, falta de teto, falência dos sistemas de saúde, escassez de escolas e carências alimentares fazem o ambiente propício para exacerbação das mais diversas formas de violência.  

Quem pode está pagando para exercer, ou tentar exercer, o direito sagrado da vida em condomínios fechados ou em residências protegidas por sofisticadas parafernálias eletrônicas. É como se tivessem de comprar o direito à vida, protegendo-se dos bandidos. Mas isso não impede que os ladrões, os assaltantes e os matadores ajam livremente fora das fortalezas. Esses criminosos assaltam e matam nas vias públicas, nos bancos, nos estabelecimentos comerciais, nas escolas, na vida noturna, nos cruzamentos, nos estacionamentos, nos ônibus, nas rodoviárias e nos aeroportos. Eles matam e, na maioria dos casos, vão continuar matando, ante a cumplicidade de uma legislação generosa que vai devolvê-los às ruas após algumas poucas horas de prisão. Outros, com poderes especiais no crime organizado, vão cumprir penas privilegiadas, comandando gangues de assaltos e seqüestros de dentro das prisões, com seus celulares. E ainda há aqueles criminosos de baixa ou alta periculosidade que vão se misturar num sistema penal caduco que acentua ainda mais os desvios psicológicos das personalidades violentas.  

Gostaria de abrir um espaço para o registro de alguns fatos ligados à violência nos últimos dias. No dia 7 de junho, segunda-feira, os jornais faziam o balanço do fim de semana. Em São José dos Campos, São Paulo, 346 presos fugiram da cadeia pública da cidade pelo portão da frente, após render o carcereiro. No Rio de Janeiro, um jovem morador de um condomínio de classe média alta saiu da fortaleza que o protege para agredir a socos e pontapés, durante a madrugada, o frentista de um posto de gasolina. Na cidade de Caxias, na Baixada Fluminense, várias pessoas foram assassinadas por metralhadoras, numa batalha pelo controle do tráfico de drogas, num bar localizado nas proximidades do posto policial.  

No dia seguinte, terça-feira, cinco jovens entre 15 e 20 anos foram mortos na pequena cidade paulista de Serrana, com 60 perfurações à bala. No Rio, a polícia apreende, numa favela do subúrbio de Bonsucesso, 827 quilos de maconha, depois de intenso tiroteio em que os bandidos usavam fuzis AR-15 e escopetas. Na cidade de Águas Lindas, aqui mesmo no entorno de Brasília, a polícia consegue desbaratar duas quadrilhas com grande arsenal de armas de uso exclusivo das Forças Armadas.  

Na quarta-feira, dia 9, agentes da Polícia Federal conseguiram desarticular, na estação rodoferroviária de Brasília, uma quadrilha internacional que agia em conexão com Assunção, capital do Paraguai. Foram apreendidos 118 quilos de maconha. É bom salientar que, na capital do País, o volume de apreensões de drogas triplicou nos últimos três primeiros meses do ano.  

Mas quero voltar a este retrospecto indesejável. Na sexta-feira, ainda em Brasília, um policial foi preso por tráfico de drogas. Em São Paulo, a Polícia registra a 28ª chacina ocorrida no Estado, com o tráfico de drogas servindo como pano de fundo. Quatro mulheres e três homens foram executados num bairro da zona sul. Cresce para 96 o número de vítimas de chacinas. No mesmo dia, os assaltantes escolhem a casa de um juiz de direito para invadir e roubar, em São Paulo. Em Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, um grupo de criminosos explode uma torre de energia para desligar o sistema de segurança de uma agência bancária que seria assaltada. Três municípios ficam sem luz durante 14 horas.  

No sábado, dia 12, traficantes matam um policial federal e um cidadão no bairro carioca de Humaitá. Também na zona sul da cidade, bandidos armados assaltam o apartamento da atriz Célia Biar.  

Na última segunda-feira, o noticiário policial de São Paulo registrava a ocorrência de 53 homicídios durante o final de semana. Numa cidade do interior, um tiro acidental mata uma criança de oito anos que brincava com uma garrucha. Em Belo Horizonte, um jovem de 17 anos foi assassinado a pontapés por um assaltante.

 

Desse quadro de guerra não escapa nem a minha querida Goiânia, que foi eleita, há dois anos, a cidade brasileira com os melhores índices de qualidade do Estado. O nosso Estado era considerado o 5º Estado de mais segurança no País. Reproduzo, aqui, apenas as manchetes do noticiário policial do jornal O Popular dos quatros últimos dias, meu querido Presidente, meu grande ex-Governador de Goiás. No domingo, o jornal informava que já chega a 28 o número de ocorrências ligadas a roubo de cargas no Estado. Um grupo de bandidos rouba veículo da Polícia Militar. E o corpo de um jovem é encontrado boiando num córrego da cidade. Na segunda feira, o jornal dedicou-se a mostrar a situação precária do presídio de Anápolis, com 140 detentos se amontoando em celas infectas. O noticiário de ontem mostra o apelo da Srª Vilma Vaz, pedindo punição para os assassinos que mataram a sua filha de apenas oito anos. Outro destaque é o caso de um policial que acabou de ser executado, sob a suspeita de ter praticado uma série de crimes violentos. Hoje, o jornal destaca os seguintes fatos: quadrilha é indiciada sob acusação de arrombamento; preso o suspeito de vender droga em escola; capturados dois de bando que matou para roubar; ladrão rouba veículo, capota e acaba morto; e, detidos em flagrante suspeitos de assaltos.  

Não gostaria de estar aqui, Srªs e Srs. Senadores, fazendo esse balanço da violência, mas não posso me furtar a esse dever, diante de uma realidade que sufoca e aflige a sociedade brasileira. Gostaria de salientar que existe uma outra face cruel nessa onda de violência que cresce assustadoramente no País. É o barbarismo que está chegando às escolas. Num mundo conturbado por desajustes sociais e familiares, existe o clima favorável para a formação das gangues que transferem para as salas escolares o ambiente de guerra dos bairros pobres ou de classe média. As motivações podem vir do submundo da droga ou da violência pela violência. Outra situação é aquela em que, estimuladas pela naturalidade com que o assunto é tratado na rua ou em casa, crianças com idade inferior a 10 anos acabam entrando inocentemente nessa promiscuidade armada.  

Entre muitos outros casos que se tornaram comuns, lembro-me de uma notícia de televisão que me espantou. Um aluno de primeiro grau colocou na mochila os dois revólveres que foram guardados displicentemente pelos pais. O pretexto era mostrar as armas aos colegas, mas qualquer noção mínima de psicologia indica que essa exibição precoce de poder pode ser o começo de desvios graves e incontroláveis em direção ao crime.  

Sem ser um caso semelhante, e não sendo também um caso de disputa de gangues, vimos ainda recentemente uma outra situação que comoveu e indignou todo o País: a violência de um trote de calouros, na USP, na melhor faculdade do País, que levou à morte o estudante Edison Hsueh.  

É nesse universo etário que está a maioria dos quase 1.900 jovens que foram assassinados no Brasil, apenas no ano passado, segundo números da Unesco.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO) - Ouço V. Exª com muito prazer.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB-GO) - Antes de mais nada, gostaria de cumprimentá-lo pela abordagem desse tema, que deve ser motivo de preocupação de todos nós brasileiros e, principalmente, do Congresso Nacional. É impressionante como a violência está imperando neste País. Hoje, não temos mais cidades ou Estados brasileiros onde a violência não esteja presente. O mais preocupante, Senador Mauro Miranda, é que, nas escolas, jovens, crianças e adolescentes estão sendo mortos no pátio, na entrada ou até mesmo nas salas de aula, como já aconteceu em Goiás. Acredito que tem que haver uma reação, temos que fazer alguma coisa neste País. Não podemos nos acostumar com esta idéia: matar transeuntes na esquina, no sinaleiro, nos carros, matar para roubar, incendiar índios, enfim, crimes absurdos, e, agora, até crianças, jovens e adolescentes serem assassinados todos os dias, praticamente, nas escolas. Estava vindo de casa e ouvi que, ontem, alguns jovens estavam jogando bola na quadra de uma escola quando cinco pessoas chegaram atirando, mataram um e feriram não sei quantos. A sociedade brasileira está atônita. O que está acontecendo? Por que os índices de criminalidade estão subindo tanto neste País? Ninguém mais tem tranqüilidade para sair durante a noite em qualquer cidade do Brasil e as autoridades têm que fazer alguma coisa a respeito. V. Exª está começando uma discussão importante, abordando um tema momentoso e nós precisamos tomar providências em relação a esse índice alarmante de criminalidade. É lógico que temos que prestar atenção na péssima, na má, na criminosa distribuição de renda neste País. Eu acho que este é um dos motivos pelos quais o Brasil detém um dos altos índices de criminalidade: a distribuição de renda no Brasil é criminosa. Além disso, alie-se a isso a falta de programa sociais. Hoje mesmo foi divulgada pela Rede Globo e por toda a imprensa nacional que, segundo o Unicef, há 50 mil crianças no Brasil vivendo do lixo. Ora, como não haver violência? Como não haver criminalidade? Há outros motivos que revoltam a sociedade, como, por exemplo, o socorro financeiro aos Bancos Marka e FonteCindam - do qual nunca se ouviu falar - no montante de R$ 2,5 bilhões. Enquanto isso, 50 mil crianças vivem de lixo neste País. Que País é este em que nós estamos vivendo! Por isso eu cumprimento V. Exª. Temos que ter a coragem de fazer essas abordagens e dizer os motivos pelos quais estamos sendo invadidos por uma brutalidade, por uma criminalidade nunca vista na nossa história. Muito obrigado, Senador Mauro Miranda.  

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO) - Sou eu quem agradeço, Senador Maguito Vilela. Entendo a ênfase do seu aparte e os motivos fortes que o levaram a apartear-me por conhecer bem V. Exª e saber da sua sensibilidade pelas questões sociais.  

Srªs e Srs. Senadores, não quero me alongar na descrição desse quadro geral de violência urbana que nos aterroriza como Nação civilizada e amante da paz. O importante é saber se temos consciência correta das dimensões desse mal que consome grande parte das riquezas produzidas pelo País, além de milhares de vida, e se há alternativas em curso ou que possam ser concebidas para reduzir a incidência dos crimes de morte. O problema é amplo e complexo e não pretendo dar a V. Exªs a impressão de que poderíamos ser capazes de gerar remédios infalíveis em curto prazo. O pano de fundo de tudo isso envolve questões profundas que vão desde o quadro de exclusão social que atinge a maioria da população brasileira, como, por exemplo, o caso citado pelo Senador Maguito Vilela, da diferença de renda da população ou da má distribuição de renda, até o gerenciamento inadequado do sistema carcerário, passando pela influência negativa de leis e códigos desatualizados, despreparo e corrupção de policiais, desequilíbrios econômicos regionais que tangem a pobreza e exacerba a urbanização, promiscuidade social nas periferia, favelização crescente de boa parte da classe médica, lentidão da Justiça como elemento indutor de revolta e descrença, marginalização de minoria raciais e sociais, consumo de bebidas, armamento acelerado da população, impotência do Poder Público para coibir esse hábito arraigado e crescente, contrabando de armas, tráfico e consumo de drogas, desequilíbrio familiar, impunidade e um sem número de causas isoladas ou de causas que se somam para perverter o objetivo de paz social do povo brasileiro.  

O Governo sabe que há cerca de seis milhões de armas de fogo em poder da população civil e que mais de 8% de todas as pessoas que perderam a vida diante da mira de um revólver, em todo o mundo, é constituída de brasileiros, conforme já informaram algumas publicações especializadas. Mas o fato objetivo é que a sociedade brasileira carece de um amplo debate institucional sobre a questão da violência, e os investimentos do Governo, no conhecimento objetivo dessa realidade, através de pesquisas, troca de informações e estímulos a trabalhos acadêmicos, são praticamente inexistentes. Em setembro do ano passado, as Fundações João Pinheiro e Konrad Adenauer realizaram um seminário internacional para debater a segurança pública como tarefa do Estado e da sociedade. É uma das poucas iniciativas de que se tem notícia nos últimos anos. Ao abrir o seminário, o Sr. Roberto Martins, Presidente da Fundação João Pinheiro, reconheceu que "o setor acadêmico, os cientistas sociais e as próprias instituições responsáveis pela segurança pública tem se dedicado a esses problemas muito menos do que eles merecem, em termos de trabalho de pesquisa, de criação de conhecimento e de entendimento da realidade".  

Para abrir espaço a esse debate e criar uma nova dimensão de prioridade estratégica para a redução da violência, creio que cabe ao Governo dar o primeiro passo com uma decisão de impacto, que estabeleça no País um clima de mobilização social, colocando o assunto da violência no topo de suas preocupações a fim de induzir a sociedade a uma aliança forte com o Governo. A minha sugestão ao Presidente Fernando Henrique Cardoso é que Sua Excelência convoque, para breve, uma reunião do Ministério com o objetivo de discutir o tema da violência urbana como questão de segurança nacional. A proibição da venda de armas é importante, mas é apenas uma parte dos inúmeros problemas a serem resolvidos no universo geral da violência urbana. E, ainda assim, o projeto já encontra resistência de diversos lobbies, que se organizam para impedir a sua aprovação na Câmara dos Deputados. O clima de guerra civil, de que fala a edição desta semana da revista Época, justificaria o caráter de prioridade, de emergência e de integração interministerial para combater o crescimento assustador da violência urbana. Se der resultado o projeto de iniciativa do Governo, que prevê uma indenização para cada arma entregue espontaneamente, creio que já poderemos comemorar uma grande vitória. Mas é importante observar que esse fato vai aumentar a responsabilidade do Governo. Ao desarmamento da população civil terá que corresponder um conjunto de políticas públicas que melhorem as condições mínimas de segurança da sociedade brasileira. É óbvio que os bandidos não vão entrar na fila da paz social e o grande contingente da população que se armou para defender-se poderá não atender inteiramente ao convite de paz do Governo, porque não houve uma grande campanha prévia para o desarmamento dos espíritos, indispensável para o desarmamento material. Considero positiva, por outro lado, a posição assumida pelo nosso querido ex-companheiro, Elcio Alvares, ao assumir o Ministério da Defesa, no sentido de que as Forças Armadas passem a integrar a luta contra o tráfico de drogas.

 

Sr. Presidente, gostaria de mais um tempo para que eu pudesse concluir a minha palavra. Prezados colegas, o objetivo da minha presença nesta tribuna na tarde de hoje é a defesa da tese de que chegamos aos limites máximos de tolerância e de que o povo brasileiro e os Poderes Públicos - Executivo, Legislativo e Judiciário - têm diante de si o dever de colocar a segurança pública como tema número um numa agenda prioritária de preocupações para este final de século. Estamos vivendo uma época em que quase todos os dias são dias de fatos estarrecedores. Ainda há pouco, relacionei uma série de fatos que retratam a escalada da violência nas principais cidades brasileiras. Foi um retrato sumário dos últimos dias. Qual será o cardápio de sangue que os bandidos ou as nossas adversidades sociais estarão preparando para hoje, amanhã ou depois? Dentro do esforço nacional para colocar um basta na escalada da violência, cabe também ao Congresso, e a esta Casa em particular, assumir espaços na intensificação do debate, na apresentação de propostas e na modernização das leis. A Comissão de Assuntos Sociais pode ser o foro adequado para a realização de debates com autoridades, especialistas e estudiosos, em busca de saídas que possam produzir novas leis ou iniciativas em parceria com o Executivo. Esta é uma sugestão que quero apresentar ao ilustre colega Senador Osmar Dias.  

Ainda recentemente, encaminhei ao Deputado Paulo Lustosa um conjunto de propostas para análise da Fundação Pedroso Horta, instituição de estudos e pesquisas que ele dirige com descortino e competência. No documento, que peço à Mesa considerar parte de meu pronunciamento, sugiro a instituição de um concurso nacional para premiar os municípios que adotem os melhores programas de combate à violência e que cheguem aos melhores resultados. Sugeri também a reflexão sobre as seguintes possibilidades: criação do Dia Nacional de Combate à Violência Urbana, com a promoção de eventos nacionais, estaduais e municipais para o engajamento comunitário em ações objetivas de busca da paz social; realização de pesquisas acadêmicas, com o patrocínio da Fundação, para que se possa chegar a um diagnóstico aproximado e confiável sobre as causas da violência e as realidades do sistema penitenciário; articulação política com o Ministério da Justiça para que os novos títulos de concessão de utilidade pública se submetam a objetivos diretos e indiretos da antiviolência, e articulação política com o Ministério das Comunicações para estimular a criação de rádios comunitárias vinculadas a movimentos municipais pela paz.  

Numa palavra especial aos meus companheiros do PMDB nesta Casa, e num apelo pessoal ao Senador Jader Barbalho, Presidente do meu Partido, gostaria de sugerir que o combate à violência urbana passasse a ser um dos principais compromissos partidários, para agora e para o futuro. Embora seja essa uma questão que transcende os espaços políticos próprios de cada partido, por ser um tema de interesse de toda a sociedade, e, portanto, suprapartidário, Sr. Presidente, acho que, como partido de massa, devemos adotar a causa como bandeira, para ampliar os limites do nosso diálogo e de nossas identidades com o povo brasileiro. Hoje temos a posição humilhante e desconfortável de terceiro país mais violento do mundo, vindo logo depois da África do Sul e Jamaica, e seguido, no quarto e quinto lugares, por Colômbia e Filipinas, segundo fontes da ONU. As mesmas fontes revelam que, nos últimos 18 anos, o número de homicídios subiu de 15 para 50, para cada grupo de 100 mil habitantes. Por seu lado, o Banco Interamericano de Desenvolvimento revela que os custos econômicos e sociais da violência urbana consomem atualmente, no Brasil, cerca de 12,5% do PIB ou, aproximadamente, US$100 bilhões.  

Com estes dados globais sobre o crescimento e o custo da criminalidade no Brasil, que deixei para o final de meu pronunciamento, Sr. Presidente, quero alertar este Plenário para as nossas responsabilidades de homens públicos com as atuais e futuras gerações e com a imagem de um País amante da paz. Está passando a hora de assumir uma atitude forte e conseqüente contra a explosão de violência que está roubando a naturalidade e alegria do povo brasileiro e impondo uma atmosfera coletiva de medo e insegurança. Com um grande esforço nacional pela paz, através da união solidária entre o Governo e todos os segmentos da sociedade, ainda acho que poderemos inverter essa realidade. É a minha mais sincera esperança Srªs e Srs Senadores.  

Sr. Presidente, quero relembrar a solicitação que fiz, de inclusão do documento que enviei ao Deputado Paulo Lustosa como parte do meu pronunciamento.  

Muito obrigado, Sr. Presidente, pela complacência e ampliação do meu tempo.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MAURO MIRANDA EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/1999 - Página 15431