Discurso durante a 82ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PROTESTO CONTRA A AMEAÇA DA ENTRADA DAS DISTRIBUIDORAS DE PETROLEO NO MERCADO DE REVENDA DE DERIVADOS.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • PROTESTO CONTRA A AMEAÇA DA ENTRADA DAS DISTRIBUIDORAS DE PETROLEO NO MERCADO DE REVENDA DE DERIVADOS.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/1999 - Página 16284
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, DECISÃO, GOVERNO, AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO (ANP), CESSÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, DIREITOS, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, LOCAL, PESQUISA, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • CRITICA, GOVERNO, AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO (ANP), ILEGALIDADE, ABERTURA, REVENDA, COMBUSTIVEL, COMPANHIA DISTRIBUIDORA, PREJUIZO, PEQUENA EMPRESA, TRABALHADOR, SETOR.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB–MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, algumas semanas atrás eu denunciava desta tribuna o verdadeiro crime de lesa-pátria que está a ser perpetrado pelo governo e pela Agência Nacional de Petróleo — ANP ao ceder à exploração, por parte de empresas transnacionais, a um preço simbólico, as áreas petrolíferas brasileiras detectadas e sondadas pela Petrobrás com o emprego de recursos do País. o que se está a fazer, como já disse, é jogar ao lixo não apenas o patrimônio público, representado pelo investimento da Petrobrás, mas também o fruto do trabalho de milhares de engenheiros, geólogos e outros especialistas que deram ao país uma das mais extraordinárias demonstrações da capacidade técnica dos brasileiros.  

Venho trazer agora outra denúncia. Desta vez, a iniciativa antinacional do Governo e da ANP, em lugar de se voltar contra o gigante, contra a maior e mais capacitada empresa brasileira, volta-se contra milhares e milhares de pequenos empresários, os revendedores de combustíveis de todo o País. Além de constituir um ataque injustificável a pequenas empresas, responsáveis pelo emprego de muitos brasileiros, trata-se de uma afronta à Lei nº 9.478, de 1997, que regulamentou o setor petrolífero após a quebra do monopólio estatal, obedecendo a prescrição constitucional do artigo 238.  

Para V. Exªs que porventura não a conheçam, digo que essa Lei, relatada na Câmara pelo Deputado Eliseu Resende, deixou bem definida a distinção entre as áreas da distribuição e da revenda, bem como a diferença entre os perfis das empresas que exploram cada uma delas. A distribuição, pelas próprias características do investimento necessário para o negócio, é naturalmente oligopolizada, como acontece em todo o mundo. No Brasil, antes da abertura propiciada pela Portaria de número 842, de 1990, cerca de 98 por cento do mercado de distribuição era controlado por cinco empresas; hoje, mesmo com essa abertura, o grau de concentração nessas mesmas empresas é de 85 por cento.  

Já a revenda, ao contrário, é, em geral, um mercado concorrencial. No Brasil, por exemplo, há cerca de 25 mil revendedores, que empregam mais de 300 mil trabalhadores. É fato — não estou aqui para difundir meias-verdades — que, em muitos lugares, como aqui mesmo em Brasília, há cadeias inteiras de postos de serviços pertencentes a um único grupo ou a poucos grupos que oligopolizam ou cartelizam o mercado. Se, entretanto, sairmos aí, Brasil afora, sobretudo pelas cidades do interior e pelas estradas, veremos incontáveis exemplos de postos de serviços que são típicas empresas familiares, com a mãe no caixa, o pai no balcão de autopeças e acessórios, um filho coordenando os frentistas e uma filha na pequena lanchonete.  

Nunca será demasiada a insistência em ressaltar a importância das pequenas empresas como essas para a economia e para o emprego.  

Apesar disso, ao que tudo parece indicar, para o primeiro-genro da corte, Sr. Zylbersztayn, e para seus comandados, não há limites à desfaçatez, à covardia, à injustiça. Desmascara-se, no mesmo movimento, a face de um governo que se diz progressista e favorável ao mercado concorrencial, mas que não perde oportunidade — ou não seria opportunity? — para favorecer os especuladores e o grande capital internacional em detrimento dos empresários produtivos e dos trabalhadores brasileiros.  

Pois não é — eis minha denúncia de hoje — que a ANP resolveu abrir a atividade de revenda de combustíveis às empresas distribuidoras? Infelizmente, a grande maioria da população ignora completamente os fatos que venho de expor sobre a estrutura da indústria de petróleo no Brasil e no mundo. A desinformação é uma forma de cegueira: por causa dela nossa gente não dá, nem pode dar, a devida atenção ao que está propondo a ANP com seu novo modelo regulatório da distribuição e revenda de derivados de petróleo.  

Permitir que as distribuidoras — sobretudo as gigantes, como Shell, Esso ou a própria BR — sejam proprietárias de postos de serviços constitui séria ameaça de verticalização da indústria, processo pelo qual todas as etapas do percurso de um produto, desde a lavra — no caso de um produto de origem mineral, como o petróleo — até sua venda ao consumidor final, sejam integralmente dominadas por uma única empresa ou por poucas empresas.  

Ainda que o modelo regulatório proposto limite a participação das distribuidoras na revenda a dez por cento dos postos de serviço, ou a 18 por cento do volume comercializado de produtos, não podemos ter dúvidas de que as grandes companhias distribuidoras concentrarão seus postos de serviço nos locais mais rentáveis, deslocando do mercado, por meio de expedientes como o dumping, as pequenas empresas ou confinando-as aos mercados periféricos. Além disso, é importante salientar os fatos de que os critérios não estão claros quanto a qual dos limites vai valer e de que não há garantia de que eles não serão "esticados" até atingir os cem por cento.  

Sr. Presidente, a receita bruta operacional anual dos postos de serviços em nosso País é estimada em um total de três bilhões de reais. O lucro líquido anual das distribuidoras, por outro lado, é estimado em um bilhão de reais. Não parece lógico que, face à ordem de grandeza dos ganhos, as megaempresas queiram, ao arrepio da legislação brasileira e do costume internacional, açambarcar a fração de mercado que lhes foi sempre vedada? E não é absurdo que, para isso, contem com o beneplácito de um governo que age como se estivesse comprometido com a destruição do empresariado brasileiro?  

Srs. Senadores, em nosso papel de legisladores e de fiscais das ações do Poder Executivo não podemos permitir que se venha a consumar essa ameaça de verticalização do mercado de revenda de produtos tão vitais à economia como são os combustíveis.  

Não foi pela defesa da livre concorrência que rompemos o monopólio estatal da pesquisa, da lavra, da importação, do refino e do transporte de petróleo e derivados? Pois é pela mesma defesa da livre concorrência que devemos agora manter a revenda nas mãos dos pequenos proprietários e barrar a entrada, nesse mercado, das empresas-paquiderme que são as distribuidoras. Esse setor, que nunca esteve no monopólio, não pode ser oligopolizado agora, depois de toda a liberalização e privatização que caracterizam nossa década.  

Cabe dizer, ainda, que a entrada das distribuidoras no mercado de revenda favorecerá a disseminação, em seus postos, do sistema de auto-serviço, pelo qual todos os serviços de um posto poderão ser completamente operados por um único empregado. No quadro atual de desemprego, só um louco pode desejar o desaparecimento de mais alguns milhares de postos de trabalho.  

A entrada das distribuidoras no mercado de revenda, portanto, além de injusto para com os pequenos empresários e para com os trabalhadores, seria um completo disparate econômico. Uma afronta, repito, à lei e ao bom-senso.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/1999 - Página 16284