Discurso no Senado Federal

APOIO AO PRONUNCIAMENTO DA SENADORA EMILIA FERNANDES. NECESSIDADE DO ENGAJAMENTO DO GOVERNO FEDERAL NA COMISSÃO MISTA DO CONGRESSO NACIONAL PARA ERRADICAÇÃO DA POBREZA. TRANSCRIÇÃO DE MATERIA PUBLICADA NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, NO ULTIMO DIA 6, INTITULADA 'UM GRITO PELA AFRICA'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS. POLITICA SOCIAL.:
  • APOIO AO PRONUNCIAMENTO DA SENADORA EMILIA FERNANDES. NECESSIDADE DO ENGAJAMENTO DO GOVERNO FEDERAL NA COMISSÃO MISTA DO CONGRESSO NACIONAL PARA ERRADICAÇÃO DA POBREZA. TRANSCRIÇÃO DE MATERIA PUBLICADA NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, NO ULTIMO DIA 6, INTITULADA 'UM GRITO PELA AFRICA'.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/1999 - Página 19835
Assunto
Outros > BANCOS. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • APOIO, DISCURSO, EMILIA FERNANDES, SENADOR, OPOSIÇÃO, REDUÇÃO, DELEGACIA REGIONAL, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CRITICA, DECISÃO, ANTERIORIDADE, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS, APREENSÃO, RISCOS, QUALIDADE, SERVIÇO PUBLICO.
  • COMENTARIO, CRIAÇÃO, COMISSÃO MISTA, DEBATE, COMBATE, POBREZA, ANALISE, SITUAÇÃO, BRASIL, ATUAÇÃO, GOVERNO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), MORTE, ADOLESCENTE, EMIGRAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, GUINE, CARTA, DENUNCIA, SUBDESENVOLVIMENTO, CONTINENTE, AFRICA, AUXILIO, PRIMEIRO MUNDO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvi atentamente o discurso da Senadora Emilia Fernandes. As explicações sobre esse processo de reorganização do Banco Central não são esclarecedoras na medida em que há centralização da fiscalização nas regiões onde há mais matrizes de instituições financeiras, mas essas fraudes ocorrem nas agências; elas não ocorrem no ar.  

Estive com o Presidente do Banco Central, Dr. Armínio Fraga, e pedi-lhe que reavaliasse a decisão. Mesmo que o Presidente do Banco Central tenha toda a razão, gostaria de lembrar que está em curso a CPI do Sistema Financeiro, em que uma série de aspectos estão sendo avaliados. Penso que seria oportuno adiar um pouco essa decisão. No entanto, até agora, apesar das manifestações que ouvimos aqui no Congresso, o Banco Central ainda não se dispôs a reexaminar esse problema.  

Deixando de lado a questão dos funcionários, que certamente serão submetidos a um processo desgastante de transferência e enfrentarão problemas pessoais e familiares, o que me preocupa é saber que as antigas delegacias do Banco Central vão ficar com poucas atividades. Conseqüentemente, não temos segurança de que serão capazes de cumprir com suas finalidades. Invoco aqui dois depoimentos feitos na CPI do Sistema Financeira: o do Dr. Cláudio Mauch e o da Drª Tereza. Eles disseram que o Banco Central não tem pessoal suficiente e que são necessários cinco anos para formar um fiscal competente e conhecedor do assunto. Então, a partir daí, vemos que possivelmente o problema do Banco Central está na falta de condições para que ele possa trabalhar.  

Estamos assistindo a um processo de privatização, ou seja, o Estado está-se desfazendo de suas empresas, e temos de entender também que o Estado precisa estar cada vez mais presente em determinadas atividades. Um exemplo é o Banco Central. Assim, o Estado tem de investir, dar condições, recursos e meios para que o Banco Central possa realmente ser o guardião da moeda.  

Espero que haja reconsideração, para que se encontre um caminho mais razoável, mais justo, pelo menos a nosso juízo. Eu não conheço o estudo que levou a direção do Banco Centrar a fazer esse voto. Como está em curso a CPI do Sistema Financeiro, o mais razoável seria esperar suas conclusões.  

Sr. Presidente, hoje, eu gostaria de falar do assunto que está na ordem do dia: o combate à pobreza. A Comissão Mista, que foi criada, deve ser instalada nos próximos dias. Alguns Líderes já fizeram suas indicações. Desejamos que ela seja um foro de discussão desse problema, que não é simples, nem é assunto para ser resolvido com voluntarismos. A vontade política para isso é importante, necessária e indispensável, mas é evidente que há necessidade de articular todo um programa de combate à pobreza que se baseie na continuidade - quer dizer, um programa que deve ser realizado em determinado período -, que tenha recursos e que esses recursos cheguem, de fato, à população mais pobre. Ao mesmo tempo, devemos perseguir permanentemente a meta do crescimento e do desenvolvimento.  

O Governo Federal tem programas de combate à pobreza. A reforma agrária, a previdência do idoso, a previdência do trabalhador rural, a previdência do deficiente físico, o programa de bolsa-escola, tudo isso mostra a ação do Governo Federal, que conta com o Programa Comunidade Solidária para atender àquelas populações marginalizadas, que estão realmente vivendo numa situação de pobreza absoluta ou de miséria. É preciso analisar a situação para saber se essas medidas estão surtindo efeito, isto é, se estamos conseguindo reduzir numa velocidade razoável a pobreza no País.  

O Brasil nunca será um país justo se não conseguir realmente promover as pessoas que estão abaixo da linha de pobreza.  

O Brasil está entre as dez maiores economias do mundo, mas é o penúltimo na lista na distribuição de renda. É um país extremamente injusto. Falou-se muitas vezes em deixar o bolo crescer para dividi-lo depois. O bolo cresceu durante alguns anos, porém essa divisão foi pequena. Agora o bolo não está mais crescendo, porque o Brasil está sem crescimento econômico e sem desenvolvimento. O grande desafio que o Presidente Fernando Henrique tem pela frente é realmente o de retomar o processo de desenvolvimento.  

O Ministro Fernando Bezerra, no seu discurso de posse, disse que não há apenas a desigualdade entre o norte e o sul ou entre o nordeste e o sudeste; há também bolsões de pobreza mesmo nas regiões mais ricas, onde parte da população vive em condições extremamente desfavoráveis do ponto de vista social e econômico.  

Uma série de estudos que agora estão vindo à tona, trazidos pela imprensa, pelos órgãos técnicos e pelos diferentes segmentos da sociedade, agitam essa discussão. O que não pode ocorrer é uma discussão improdutiva. Temos de retirar desse fato elementos para apoiar programas de combate à pobreza. A estabilidade da economia e o equilíbrio da moeda não podem constituir a única razão de ser de um governo. A economia só terá sentido se ela se movimentar para produzir o bem-estar das pessoas, observando as qualidades individuais, as oportunidades que as diferentes pessoas têm.  

Os jornais publicaram neste fim de semana, por exemplo, uma matéria sobre o que aconteceu na União Soviética a partir do governo Mikhail Gorbachev, quando houve todo aquele processo de fragmentação da União Soviética, em que os padrões sociais e econômicos da população caíram vertiginosamente, até em função do processo produtivo, porque, como era um planejamento dirigido, havia vocações para determinadas repúblicas que produziam apenas um tipo de produto. Ocorre que, quando ruiu a União Soviética, essas repúblicas deixaram de ter economias complementares, e o empobrecimento da população foi muito maior, por exemplo, do que o verificado naqueles países da Europa central, como Polônia, Hungria, Checoslováquia, que, ainda que fossem da chamada "Cortina de Ferro", tinham, de alguma maneira, uma economia mais autônoma do que aquela da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.  

Enfim, há, em todos os lugares, essa preocupação com o problema da pobreza, com a oportunidade que o Estado deve assegurar para que cada um possa realizar suas potencialidades. Sabemos que, na área da educação, há grandes esforços do Governo Fernando Henrique; na área da saúde, com todas as dificuldades, o que ocorre é que, apesar de tudo isso, temos, ainda, um baixo desempenho na execução das políticas de correção da pobreza.  

Sr. Presidente, queria terminar este pronunciamento pedindo a transcrição da matéria veiculada pelo jornal Correio Braziliense de sexta-feira última, 6 de agosto, na pág. 3: "Um Grito pela África". Duas crianças africanas saíram da Guiné no trem de pouso de um boeing da Sabena Airlines rumo a Bruxelas. E esses meninos, apesar de bem agasalhados, não resistiram às baixas temperaturas. Um deles tinha 14 anos; o outro, 15 anos. O fato é que, cinco horas depois de o airbus aterrissar em Bruxelas, foram encontrados os cadáveres dos dois.  

Esses meninos escreveram uma carta que pode ser tomada por um libelo contra a insensibilidade dos países ricos, contra a insensibilidade dos grandes economistas, que só se preocupam com a macroeconomia, a qual, apesar de necessária, importante, muitas vezes, é algo extremamente distante do povo.  

Nós todos conhecemos as palavras do ex-Presidente Médici, quando, na Presidência da República, disse que "o País vai bem, e o povo vai mal". Essa afirmação era um retrato de que o "milagre da economia" não conseguia atingir as pessoas mais pobres, aqueles que realmente precisavam de uma indução do Governo para se desenvolverem, para progredirem, para terem melhores condições de vida.  

Sr. Presidente, passo a ler a matéria cuja transcrição desde já requeiro a V. Exª.  

Os garotos guineanos, mortos no trem de pouso do avião, carregavam, no momento em que morreram" – e foi encontrada a mesma na mão de um dos cadáveres –, "uma carta escrita por eles em francês:  

"Excelências, senhores membros e responsáveis da Europa, temos o honroso prazer e a grande confiança de lhes escrever esta carta para contar-lhes do objetivo da nossa viagem e do sofrimento que crianças e jovens padecem na África.  

Mas, antes de tudo, apresentamos nossos cumprimentos mais deliciosos, adoráveis e respeitosos com a vida. Com este fim, esperamos que sejam os senhores nosso apoio e nossa ajuda. Para nós, na África, os senhores são as pessoas a quem temos que pedir socorro. Suplicamos, pelo amor de seu Continente, pelo sentimento que os senhores têm por nosso povo e, principalmente, pela afinidade e amor que os senhores têm por seus filhos, a quem amam para toda a vida. E também, pelo amor e a timidez de seu Criador, Deus Todo-Poderoso, que lhes deu todas as boas experiências, riquezas e poderes para construir e organizar bem seu Continente para ser o mais belo e admirável de todos.  

Senhores membros e responsáveis da Europa, é à sua solidariedade e à sua bondade que gritamos pelo socorro para a África. Ajudem-nos, sofremos bastante na África; temos problemas e carência no plano dos direitos da infância.  

Entre os problemas, temos guerras, doenças, falta de alimentos. Em relação aos direitos da infância, na África e, principalmente, na Guiné, temos muitas escolas, mas uma carência enorme de educação e ensino: menos nos colégios privados, onde se pode ter boa educação e bom ensino, mas é necessário que, para ingressar em um deles, tenha-se muito dinheiro. Mas nossos pais são pobres e necessitam nos alimentar. Além disso, também não temos centros esportivos onde possamos praticar futebol, basquete ou tênis.  

Por isso, nós, as crianças e jovens africanos, pedimo-lhes que façam uma grande organização eficaz para a África, para que possamos progredir.  

Portanto, se os senhores vêem que nos sacrificamos e expusemos nossas vidas, é porque o sofrimento é enorme na África. No entanto, queremos estudar e lhes pedimos que nos ajudem a estudar para sermos como os senhores na África.

 

Enfim, suplicamo-lhes muito, muito fortemente, que nos desculpem o atrevimento de escrever esta carta aos senhores, aos grandes personagens a quem devemos muito respeito. E não esqueçam que é aos senhores que devemos nos queixar da debilidade de nossa força na África.  

Escrito por dois garotos guineanos:  

Yaguine Kita e Fodé Tounkara.  

A carta ecoou como um libelo na Bélgica, a ponto de o governo belga enviá-la para discussão no âmbito da União Européia, tendo em conta a insensibilidade e o distanciamento dessa realidade; realidade esta que, pela força de sua existência e pela amplitude que tem, chega realmente às portas dos chamados países ricos, forçando que seja vista e que se busque uma solução. A carta possui justamente essa importância: ela é um grito; um pedido de socorro.  

Por isso, Sr. Presidente, fiz questão de, ao tratar do tema da pobreza, lê-la e pedir que seja registrada em nossos Anais como documento de grande significado humano, que deve contribuir para tornar mais sensíveis todos aqueles que têm algum poder nas mãos e que são responsáveis pelos destinos dos países e da própria Humanidade.  

Muito obrigado.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR LÚCIO ALCÂNTARA EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

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K


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/1999 - Página 19835