Discurso no Senado Federal

COMPROMETIMENTO DA PRODUÇÃO DE GRÃOS DEVIDO A FALTA DE POLITICA GOVERNAMENTAL PARA RENEGOCIAÇÃO DAS DIVIDAS DOS PRODUTORES RURAIS.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • COMPROMETIMENTO DA PRODUÇÃO DE GRÃOS DEVIDO A FALTA DE POLITICA GOVERNAMENTAL PARA RENEGOCIAÇÃO DAS DIVIDAS DOS PRODUTORES RURAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/08/1999 - Página 20060
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • APREENSÃO, INSUCESSO, SAFRA, GRÃO, CRITICA, GOVERNO, FALTA, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA, PRODUTOR RURAL.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, AGRICULTURA, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), FALTA, ACESSO, FINANCIAMENTO, AUMENTO, CUSTO, PRODUÇÃO, CRITICA, GOVERNO, INSUFICIENCIA, RECURSOS, CREDITO AGRICOLA.
  • APOIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, RONALDO CAIADO, DEPUTADO FEDERAL, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA, CONTRAPRESTAÇÃO, AUMENTO, SAFRA, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • DEFESA, PROPOSTA, PRODUTOR RURAL, FLEXIBILIDADE, DATA, PAGAMENTO, DIVIDA AGRARIA.
  • DEFESA, ATENÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, DENUNCIA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), SUBSIDIOS, AGRICULTURA, PAIS ESTRANGEIRO, EXCESSO, PROTECIONISMO, PREJUIZO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO NACIONAL.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB–MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais do que reclamar da falta de uma arrojada política agrícola no passado e no presente desse País, proponho-me, hoje, a apontar gargalos dramáticos para a agricultura brasileira do futuro próximo. Tenho convicção de que, se o Governo Federal não tomar providências imediatas, a produção de grãos estará, fatalmente, comprometida logo no início do novo milênio. Digo isso porque, em contraste com a euforia verificada no ano passado, quando os plantadores de soja foram premiados com uma grande colheita e bons preços, a safra de 99 não deverá repetir o mesmo desempenho, nem deverá mais a soja contar com uma alta cotação no mercado mundial.  

Na verdade, a expectativa alimentada até há pouco tempo de que a primeira safra do ano 2000 alcançaria a faixa dos 90 milhões de toneladas de grãos não se sustenta mais. Os agricultores do Brasil inteiro, e mais particularmente os do Mato Grosso, todos manifestam enorme preocupação com o panorama lúgubre que se avizinha. Todos têm consciência de que, se o Governo mantiver sua inflexibilidade no processo de renegociação das dívidas dos produtores, não haverá como o campo brasileiro honrar o prognóstico de boa colheita na próxima safra.  

A Federação da Agricultura de Mato Grosso (Famato) calcula que 35 mil agricultores do estado, correspondendo a mais da metade do total, não dispõem, hoje, do acesso básico às linhas de financiamento. Isso acontece, em parte, pela falta de bens para dar em garantia e, em parte, pela inadimplência junto aos sistemas de crédito. Para completar, o custo de produção, ao longo desses anos, tem-se elevado de forma constante no estado. De acordo com dados da Conab, eles evoluíram de 419 reais, em 1995, para 451 reais, em 96; 485 reais, em 97, e 501 reais, em 98. De acordo com a mesma Conab, para este ano, deverá estar em torno de 804 reais, o que representa uma evolução de quase 100% em apenas 4 anos.  

A julgar pela avaliação de conjuntura de Homero Pereira, vice-presidente da Famato, a hora é de resolver de vez os problemas de renda do produtor, sem se reincidir em soluções habitualmente paliativas.  

Pois bem, o que é que Homero Pereira pretende dizer com esse raciocínio? Muito simples. No Mato Grosso, a média das áreas de plantio de soja é de 850 hectares. Para tanto, o produtor necessita de, no mínimo, 350 mil reais de crédito. Agora, quanto é que o Governo oferece? Pasmem, apenas 100 mil reais! Ora, supondo que o agricultor não tenha qualquer pendência bancária, deverá recorrer ao mercado de crédito para cobrir os 250 mil restantes, do qual, naturalmente, obterá uma proposta de empréstimo com base na variação cambial mais um spread de 12 a 15% ao ano. Conseqüentemente, isso implica redução drástica de renda para o produtor, que se vê sem caixa para quitar suas dívidas, sem motivação para investir na produção.  

O quadro se agravou ainda mais no início de julho último, por ocasião do anúncio do Plano de Safra do Governo. Bem aquém do que se esperava, o volume de 13,1 bilhões de reais, destinado ao financiamento de custeio e investimento agropecuário para a safra 1999/2000, despertou apenas mais descontentamento no campo. A insuficiência dos recursos é patente para atender às demandas da realidade atual. Na verdade, setores da agricultura avaliam que o valor prometido chega a ser menor se comparado com as cifras do ano anterior convertidas devidamente em dólar.  

Por esses cálculos, o Governo está disponibilizando menos 12,16% em relação à safra que se encerra agora com a colheita do algodão. Pior ainda, o custo dos insumos agrícolas explodiu depois da liberação do câmbio em janeiro, afetando os negócios fechados com as multinacionais, com abruptas majorações de até 40% em real. O preço de máquinas agrícolas, fertilizantes, sementes e defensivos estão todos cotados em dólar, o que caracteriza um grave fator de insegurança para o produtor nacional.  

Pior ainda é constatar que o setor de insumos agrícolas está hoje, majoritariamente, organizado sob a forma de cartel no mercado brasileiro e mundial, de cujo controle se ocupam poucas empresas – 4, no máximo. No Brasil, por exemplo já são apenas três os grandes compradores de grãos, os quais, por coincidência, são também os produtores de fertilizantes. A produção de máquinas, de sementes e de defensivos já é também dominada por empresas transnacionais, sem que reste qualquer espaço para o empreendedor nacional.  

Desse modo, ainda que os 13 bilhões oferecidos pelo Estado estivessem disponíveis hoje na paridade do dólar de 98, poucos produtores lograriam ter acesso aos mesmos bilhões, já que o estigma da inadimplência em créditos anteriores desautoriza o pleito por novas verbas. O sistema bancário não hesita em levar para o Serasa os inadimplentes do campo, inviabilizando novos financiamentos.  

Sr. Presidente, para contornar parcialmente tal estrangulamento financeiro, o Sistema Sindical Rural aposta na aprovação do substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.895/99, de autoria do Deputado Ronaldo Caiado, que pertence à bancada ruralista do Congresso Nacional. O projeto, que prevê a redução de débitos derivados de operações de crédito, propõe o prazo de pagamento de até 20 anos, com prestações anuais, iguais e sucessivas, vencendo a primeira em outubro de 2003, com taxas de 3% ao ano.  

Em contrapartida, o setor se compromete em criar 1 milhão e meio de empregos até 2003. Além disso, os produtores rurais oferecem uma produção de 100 milhões de toneladas de grãos, por meio da qual o Governo poderia perfeitamente reequilibrar sua balança comercial. Extremamente realista e pragmático nos compromissos bilaterais, o projeto estipula que cada prestação anual não poderá exceder a 4% da renda bruta agropecuária anual do mutuário.  

E mais, a eventualidade de não cumprimento da meta de produção anual prevista implica o cancelamento automático do abastecimento integral, que deverá ser recalculado proporcionalmente à redução da meta. Nessa linha, em sua justificativa, o projeto argumenta que, "independente da atividade agropecuária desenvolvida pelo mutuário, os contratos terão cláusula de equivalência em produto".  

Outra das propostas que os produtores rurais pretendem levar ao Planalto Central consiste no denominado "crédito flutuante". Trata-se de uma iniciativa que propõe alterar a forma de pagamento dos créditos para financiamento de custeio e investimento na safra 1999/2000. Em vez da rigidez e austeridade nas datas de pagamento, fica autorizada ao produtor a possibilidade de pagamento em data qualquer do ano corrente, tudo ajustado a acréscimos de pequenas taxas de juros.  

Desse modo, assegura-se maior rentabilidade ao produtor, que deixa de ocupar uma posição frágil na cadeia econômica diante do poder excepcionalmente avantajado dos compradores de commodities. Em outras palavras, os compradores dos produtos agrícolas, que se valiam de informações sobre o período de pagamento de dívidas do agricultor para negociar preços mais baixos, se deparariam, de agora em diante, com um produtor bem menos vulnerável e menos sujeito às pressões do endividamento. No caso dos produtores do Mato Grosso, o valor da dívida já alcança o patamar nada tranqüilo de 2 bilhões de reais, numa condição de sobrecarga somente superada, em termos federativos, pelo Rio Grande do Sul.  

Por fim, compre recordar que o problema dos subsídios concedidos pelo governo norte-americano aos produtores locais não foi até hoje resolvido. Ora, como se bem sabe, enquanto o governo dos EUA subsidia os seus agricultores e cria dificuldades à entrada dos nossos produtos, esse mesmo governo apregoa a abertura do nosso mercado e nos impõe barreiras, se qualquer benefício ou facilidade é concedida aos produtores nacionais.  

Nessa lógica, quando o Governo brasileiro retirou os subsídios da nossa agricultura, apresentaram-se como justificativas acordos celebrados no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Entretanto, quem suportou os ônus desses acordos foi unicamente o nosso País. Nos Estados Unidos, nos países europeus, no Japão nenhuma barreira caiu e os subsídios continuaram sendo dados da mesma maneira. Trata-se, pois, de uma competição desigual em que as obrigações atingem tão somente um dos lados.  

Por isso, reitero a seguinte indagação: não é chegada a hora de o Brasil denunciar na OMC tais disparidades? Não é chegada a hora de ser mais impositivo nessas negociações? Tenho absoluta convicção de que sim. Não se pode deixar que desmantelem nossa agricultura primeiro, para depois reclamar das incoerências e dos estrangulamentos que nos são impostos por esses países. Não se pode permitir que o nosso produtor quebre antes para, a seguir, se procurar uma solução que mitigue as suas agruras.  

Concluindo, faço um veemente apelo ao Senhor Presidente da República e ao Sr. Ministro da Agricultura para que não se deixem enganar pelos prognósticos delineados para a primeira colheita do próximo milênio. No caso específico de Mato Grosso, se não houver uma medida que contrabalance os parcos recursos previstos no Plano de Safra, os efeitos da desvalorização do real e dos preços baixos da soja, muitos produtores ficarão no prejuízo e não disporão de meios para honrar os seus compromissos e saldar suas dívidas.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/08/1999 - Página 20060