Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DO USO RACIONAL E DO GERENCIAMENTO EFICIENTE DOS RECURSOS HIDRICOS DO BRASIL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • NECESSIDADE DO USO RACIONAL E DO GERENCIAMENTO EFICIENTE DOS RECURSOS HIDRICOS DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/1999 - Página 22050
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • GRAVIDADE, PROBLEMA, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, REGISTRO, ESTATISTICA, REDUÇÃO, DISPONIBILIDADE, AGUA, CONSUMO, NECESSIDADE, PREVENÇÃO, PERDA, CONTAMINAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, AGROTOXICO, FERTILIZANTE.
  • COMENTARIO, PESQUISA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), IMPACTO AMBIENTAL, AGRICULTURA, CONTAMINAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS.
  • DEFESA, CAMPANHA, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, VALORIZAÇÃO, AGUA POTAVEL, PROVIDENCIA, GOVERNO, COMBATE, PERDA, EFICACIA, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS.

O SR. SENADOR LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, muitos de nós já ocupamos a tribuna do Senado Federal para falar sobre a água, um bem de valor econômico cada vez maior, questão estratégica no âmbito nacional e internacional, neste fim de século e no próximo milênio.  

Creio que a gravidade do problema da gestão dos recursos hídricos é tanta que nos leva a abordá-lo insistentemente, analisando-o sob diferentes ângulos, no Plenário desta Casa.  

No dia de hoje, aqui estou para abordar uma vez mais essa questão, falando sobre a relevância estratégica da água, esse bem escasso de tão grande valor social e econômico para toda a humanidade, e também sobre a urgência de serem adotadas medidas para preservá-la da contaminação.  

Senhor Presidente, por ser um recurso renovável e existente em abundância em nosso Planeta, a água não vem sendo gerenciada com a devida e necessária eficiência. Negligenciou-se, por longo tempo, o fato de esse precioso recurso natural, indispensável para a vida na Terra, ser exaurível, escasso para o consumo humano e extremamente mal distribuído.  

É preocupante saber que 97,5% da água disponível no globo terrestre é salgada e que existe apenas um percentual ínfimo de água doce.  

Do estoque total de água doce, 2,493% encontram-se em geleiras ou em regiões subterrâneas de difícil acesso. Desconsiderando a água salgada dos oceanos e mares e a água doce de difícil acesso, restam para consumo humano, apenas 0,007% de água doce de fácil acesso encontrada em rios, lagos e na atmosfera terrestre.  

Isto posto, fica extremamente fácil entender porque a água vem se tornando um bem tão cobiçado quanto o ouro ou o petróleo, já neste final de século.  

Em virtude de sua escassez e de seu esgotamento, estima-se que, no próximo milênio, seu valor estratégico será tão grande que se aventa até mesmo a possibilidade da ocorrência de uma "guerra das águas".  

Senhoras e Senhores Senadores, em 2 de julho passado, o jornal Folha de S. Paulo publicou matéria intitulada "Água potável tende ao esgotamento", destacando que, nos últimos 15 anos, a quantidade de água disponível por habitante no mundo caiu significativamente e que esse recurso tende a uma escassez cada vez maior.  

Trata-se, infelizmente, de um prognóstico procedente e preocupante. Segundo as estatísticas, entre 1970 e 1995, a quantidade de água disponível para cada habitante do mundo caiu 37%. A Organização das Nações Unidas – ONU prevê que, mantida a atual política de utilização desse precioso líquido e levando-se em conta as estimativas de crescimento da população do Planeta, haverá o esgotamento do estoque útil de água potável no mundo, atualmente estimado em 12,5 mil quilômetros cúbicos.  

No atual estágio de desenvolvimento da humanidade, sabemos muito bem que os usos da água multiplicam-se cada dia mais, intensificando sua necessidade. Hoje, além de ser usada para consumo humano e animal, a água tornou-se não só necessária, como também imprescindível, sobretudo para gerar energia, para abastecer a indústria e para irrigar a agricultura.  

O grande problema é que, além do fato de a água não estar facilmente disponível em toda a parte do globo, os seres humanos a estão consumindo em quantidade cada vez maior, e também estão poluindo e contaminando os recursos hídricos em níveis que ultrapassam a capacidade de depuração existente na própria natureza.  

Segundo a mencionada matéria, atualmente, cerca de 1,4 bilhão de pessoas não têm acesso à água limpa. A cada 8 segundos morre uma criança vitimada por doenças hidrotransmissíveis, como disenteria e cólera. A existência de água contaminada por parasitas e microrganismos é tão grande que se estima que 80% das enfermidades no mundo são contraídas por causa da água poluída.  

Senhor Presidente, os produtos usados na agricultura são grandes responsáveis pela contaminação dos recursos hídricos. Em quase todos os países do mundo, a agricultura não só prejudica a qualidade da água como também consome esse precioso líquido em quantidade maior do que qualquer outro segmento da economia.  

Estima-se que a agricultura concentra, em média, quase três quartos do consumo de água do Planeta. O uso mais intenso da água nesse setor se dá principalmente nos países do Terceiro Mundo.  

No Brasil, por exemplo, a agricultura responde por 59% de todo o consumo de água do País. No México, esse percentual é de 86% e na Índia, chega a 93%.  

Em termos gerais, o consumo anual de água, no mundo, em km³, é de 3.240. Levando-se em conta o consumo por tipo de uso, verifica-se que 70% desse uso é agrícola, 22% é industrial e 8% é doméstico. Logicamente, na Europa e nos Estados Unidos, o consumo mais alto verifica-se na área industrial.  

Estudos demonstram que os fertilizantes e os agrotóxicos podem modificar drasticamente as características dos corpos d’água. Segundo o artigo intitulado "Irrigação pressiona as reservas", também publicado pela Folha de S. Paulo , em 2 de julho, no Brasil, praticamente todas as regiões agrícolas geram impactos em aqüíferos, rios e mananciais.  

A título de exemplo, gostaria de mencionar que um dos principais mananciais da América do Sul, o aqüífero Botucatu, reservatório de água subterrânea que se espalha por 1 milhão e 200 mil Km², abrangendo os Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, e atinge também partes da Argentina, Uruguai e Paraguai, corre sério risco de contaminação por herbicidas em um de seus pontos de afloramento, localizado no Município de Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo.  

Desde janeiro deste ano, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA estuda os locais de recarga desse Aqüífero, numa área de 100 mil km², para analisar a contaminação causada pela agricultura naqueles estados.  

Segundo técnicos dessa conceituada empresa pública, se continuar assim, em 5 anos será possível chegar a níveis críticos, colocando em risco o abastecimento na região.  

Senhoras e Senhores Senadores, a escassez de água e o desperdício atual de seu consumo, em certas regiões do Planeta e em nosso País, é preocupante.  

Estudiosos do problema da escassez desses recursos, como o professor José Galizia Tundisi, um dos organizadores do livro "Águas Doces no Brasil – Capital Ecológico, Uso e Conservação", que traz um balanço da situação da água em nosso País e no mundo, estimam que a pressão sobre os recursos hídricos vai continuar aumentando no novo século que se avizinha.  

Especialistas em irrigação da EMBRAPA estimam que, se continuar nesse ritmo e se forem atingidas as metas de expansão agrícola ambicionadas, a população brasileira poderá sofrer, ainda mais, com a falta de água, nos próximos anos.  

A escassez e o desperdício atual dos recursos hídricos apontam para a necessidade imediata de serem adotadas medidas racionalizadoras de seu uso, nacional e internacionalmente.  

Senhor Presidente, já é bastante expressivo o número de países com problemas de abastecimento, e esse número tende a aumentar significativamente, já na primeira década do século XXI. Estima-se que os quadros mais críticos de escassez se concentrarão nos grandes centros do Terceiro Mundo.  

Nos dias atuais, em todo o mundo, com a expansão da agricultura, o grande problema é compatibilizar os diferentes usos desses recursos. Hoje, boa parte da água utilizada na agricultura destina-se à irrigação e é problemática a redução do seu consumo para essa finalidade. Estima-se que mais da metade dos alimentos do Planeta são produzidos com uso da irrigação, pois a utilização desse recurso torna possível, em média, dobrar a produtividade das lavouras.  

A questão que se impõe é esta: se nos dias atuais já existem 1 bilhão e 400 milhões de pessoas sem acesso à água limpa, como será nos próximos anos, tendo em vista a aceleração da escassez desse recurso e o aumento da população mundial, principalmente nos países do Terceiro Mundo?  

Senhoras e Senhores Senadores, o problema será infinitamente mais grave se não forem tomadas medida para conter o desperdício e a contaminação das águas do Planeta.  

Em nosso País, o desperdício de água é grande em quase todas as regiões. Como aqui a água é distribuída a custo relativamente baixo, não se dá a ela o devido valor. Quem tem água encanada em seu domicílio não se dá conta de todo o processo de captação, tratamento e distribuição necessários para que ela chegasse até lá.  

Senhor Presidente, não poderia concluir meu pronunciamento sem dizer que se faz necessária e urgente uma ampla campanha de esclarecimento dos cidadãos brasileiros sobre o valor da água limpa.  

Além de esclarecer e conscientizar a população sobre os problemas de escassez e contaminação das águas, é preciso que o Governo dê prioridade à implantação de um Plano que estabeleça metas e estratégias para o uso racional desse recurso em nosso País.  

Boa parte do caminho já está percorrida. O Brasil já dispõe de legislação avançada sobre o assunto, a Lei de Recursos Hídricos, sancionada em 1997, na qual estão definidas as diretrizes para a fixação de uma Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos.  

Já existe também, na esfera federal, o Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água – PNCDA, instituído naquele mesmo ano pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, em ação conjunta com o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, sem dúvida uma das mais importantes iniciativas do atual Governo.  

Faço, portanto, um apelo à autoridades do setor para que tomem prontamente as providências necessárias para dinamizar o PNCDA, para esclarecer a sociedade brasileira sobre a importância do uso racional da água e para gerenciar com eficiência os abundantes recursos hídricos de nosso País, impedindo a contaminação dos nossos mananciais.  

Só assim as futuras gerações de brasileiros poderão estar livres de um dos maiores problemas do século XXI, que será o da escassez de água potável.

 

Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente.  

 

t+ y


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/1999 - Página 22050