Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DAS MANIFESTAÇÕES DOS AGRICULTORES E DOS PARTICIPANTES DA 'MARCHA DOS 100 MIL'.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRIVATIZAÇÃO.:
  • IMPORTANCIA DAS MANIFESTAÇÕES DOS AGRICULTORES E DOS PARTICIPANTES DA 'MARCHA DOS 100 MIL'.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/1999 - Página 22373
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, RESULTADO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MARCHA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).
  • CUMPRIMENTO, RESPONSAVEL, ORGANIZAÇÃO, ORDEM, PASSEATA, IMPEDIMENTO, INFILTRAÇÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO, ATENÇÃO, PROTESTO, PARTICIPANTE, MARCHA, EMPENHO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.
  • SUGESTÃO, IMPORTANCIA, REUNIÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, TOTAL, MEMBROS, GOVERNO, DISCUSSÃO, BUSCA, SOLUÇÃO, SITUAÇÃO, PAIS.
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, TRANSFERENCIA, AREA, AGRICULTURA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF), TRANSFORMAÇÃO, MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR), MINISTERIO, PRODUÇÃO, DESTINAÇÃO, EXPORTAÇÃO.
  • APOIO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ESCLARECIMENTOS, DUVIDA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO.
  • CUMPRIMENTO, OLIVIO DUTRA, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), PRATINI DE MORAES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR), ACORDO, REALIZAÇÃO, EXPOSIÇÃO AGROPECUARIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, Pedrinho, vivemos ontem um dia muito importante. Eu não me lembro de ter visto na história do Brasil um dia tão significativo como o que tivemos ontem em Brasília. Havia perspectivas enormes, interrogações imensas sobre o que ia acontecer.  

Nós tivemos a questão referente aos caminhoneiros. Essa é uma classe tranqüila, é uma classe interessante, porque é de proprietários de caminhões, que carregam consigo todo o seu patrimônio. Tivemos a vinda dos produtores, que não obtiveram soluções. Inclusive, no último dia, queimaram um trator em plena Esplanada. E tivemos a vinda dos 100 mil.  

Houve algumas manifestações infelizes dos dois lados. Creio que o nosso Presidente da República não foi feliz quando disse que era a "Marcha dos Sem-Rumo". A esse respeito, o jornalista Jânio de Freitas fez um comentário fantástico, dizendo que, se é a marcha dos sem-rumo, o Presidente Fernando Henrique Cardoso não tem que se preocupar. Problema ele terá quando vier aqui a marcha com-rumo, dos que sabem o que querem, como banqueiros e outros que queiram obter vantagens.  

Em relação à passeata, em primeiro lugar, é importante salientar que, quando um não quer, dois não brigam; e quando dois não querem, aí é que não há briga mesmo. Devo ressaltar que temos que respeitar e dar voto de louvor para os que organizaram a passeata, e temos que respeitar o Governo, pela forma como agiu durante a manifestação. E note-se que a equipe do PT, da CUT, preparou-se nos mínimos detalhes, porque sabemos que nesses movimentos populares, com gente na rua, às vezes, perdemos o controle e o comando nem sempre tem condições de levar adiante a tranqüilidade e a serenidade que quer desenvolver.  

Foram ótimos os organizadores que mandaram para cá 200 pessoas da sua equipe para preparar contra qualquer infiltração; ótimo o Governo Federal e o Governo do Distrito Federal, cujas equipes se reuniram diariamente, preparando-se para garantir a manifestação.  

Fiquei emocionado pela tranqüilidade, pela organização, pelo que foi feito e pela maneira como foi feito. Acredito que foi uma prova de democracia. Foi uma prova altamente positiva, uma prova de civilidade.  

Enganam-se os Líderes do Governo, os Parlamentares do Governo quando querem criticar: "isso não significa nada, isso não representa nada". Cem mil pessoas, são cem mil pessoas. Quando Fernando Henrique estava com os mais altos índices de popularidade, duvido que fossem mais de dez mil pessoas. Para as cem mil pessoas virem, é porque há muita gente magoada.  

E não precisa ir longe: havia os índices de pesquisa. Quando aparece o Presidente da República com um índice de pesquisa inferior ao do Sr. Collor no auge do impeachment, então, há um sentimento de que as coisas não estão bem.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Concedo o aparte com o maior prazer à nobre Líder.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Sr. Senador, eu estava evitando aparteá-lo para economizar a voz e tentar também fazer um pronunciamento. Mas o pronunciamento de V. Exª é por demais instigante e não consegui conter-me. V. Exª aborda o aspecto da normalidade em que ocorreu a Marcha dos Cem Mil — e não entro aqui na questão dos números, porque a quantidade de pessoas que havia na praça fala por si só, e o pior cego é aquele que não quer ver. Mas a realidade foi posta, e há o fato de membros do Governo tentarem desqualificar a marcha de duas maneiras, uma delas dizendo que se trata de uma marcha política, organizada por partidos. Dessa forma eu diria que o Governo acaba por qualificá-la em qualidade e em quantidade, pois nós, da Oposição, temos que reconhecer que em poucos momentos da história política do nosso País conseguimos mobilizar politicamente a sociedade: mobilizamos politicamente pelo impeachment, mobilizamos politicamente, com dificuldades, em alguns aspectos, e com muita facilidade na época das Diretas Já! No entanto, as grandes manifestações sempre tinham um cunho corporativo. E é nesse sentido que digo que o Governo qualifica, em vez de desqualificar, quando diz que foi uma mobilização política. Ora, não conseguimos mais fazer com que os movimentos sociais, pelo menos até agora, mobilizem-se - não se consegue ver grandes manifestações de funcionários públicos, não se consegue ver grandes manifestações setoriais -, no entanto, as pessoas se sentiram mobilizadas para, politicamente, esquecendo o interesse imediato da sua categoria, do seu segmento social, vir até Brasília para dizer: "Basta, FHC. Basta da sua política econômica. Basta da sua política social. Basta do apoio aos bancos. Basta dessa política que está levando o nosso País a uma situação de extrema dificuldade". Então, se os partidos conseguiram fazer essa mobilização, se as centrais sindicais, se o movimento social, nos seus mais diferentes segmentos, aqui vieram, eles vieram trazendo um conteúdo político que tem uma qualidade fantástica, pois não é apenas um conteúdo corporativo, mas um conteúdo que pensa o País como um todo. Não estou apenas pensando na minha categoria de professor, na categoria de médico, de engenheiro, de advogado, estou pensando no País. E é essa qualidade que tem que ser entendida pelo Governo, é essa qualidade que deve servir de ensinamento para os governantes, para o Executivo e para o Legislativo. Fico feliz que algumas pessoas da base de apoio do Governo tenham, inclusive, as visões que o Senador Carlos Patrocínio e o Senador Romero Jucá acabaram de delinear sobre o que ocorreu ontem, que foi algo altamente precioso para a democracia deste País e para qualquer governante que tenha a oportunidade de ver chegar o País inteiro à sua porta, à sua janela, para dizer basta aos erros que estão sendo cometidos. Para concluir o meu aparte ao seu pronunciamento, até porque sou discípula de V. Exª em alguns aspectos - posso encompridar demais o aparte -, gostaria de dizer que se podemos fazer projeções, como, por exemplo, no caso da Ford, que vai gerar cinco mil empregos diretos, e cada emprego direto vai gerar não sei quantos empregos indiretos, podemos também fazer projeções para a marcha. A Folha de S. Paulo disse que foram 70 mil os manifestantes. Então vamos supor que cada um desses 70 mil represente, simbolicamente, uma família no Brasil, uma média de cinco pessoas. Portanto, é só fazermos o cálculo para termos a representação do que significou essa grande manifestação. Muito obrigada.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Foi uma honra ser aparteado pela nobre Líder, por quem nutro admiração e respeito muito grandes. V. Exª honra esta Casa com suas qualidades e a beleza de sua maneira de ser.  

V. Exª foi muito feliz ao afirmar que não é inteligente o Governo dizer que as 100 mil pessoas que participaram da marcha vieram por motivação política. Seria muito melhor o Governo alegar que elas vieram porque cada uma tinha uma mágoa, um ressentimento, pois é atribuir um peso muito político à Oposição dizer que ela mobilizou 100 mil manifestantes.  

Diz muito bem a nobre Líder da Oposição que esta manifestação não era de líderes sindicais ou professores pedindo aumentos salariais, não era de agricultores solicitando melhores preços para os produtos agrícolas, não era de donos de caminhão. Era um movimento da Nação, da nacionalidade. Não havia uma corporação por trás daquele movimento, buscando obter vantagens. Era um movimento para debater a sociedade.  

O Governo agiu bem mantendo a tranqüilidade, garantindo os espaços e controlando sua gente. Fui Governador e sei que, muitas vezes, na área policial, se tu não orientas, tem sempre gente disposta a dar cacetada. A informação que tenho é que a orientação era no sentido de observar.  

Este é o primeiro aspecto, inédito para a democracia brasileira: 100 mil pessoas na praça, vindas de todo o Brasil; os manifestantes querendo pacificação e o Exército e a Polícia Militar de Brasília também.  

O ponto número dois é o dia seguinte. Acho bom que o Governo diga que foi vitorioso, assim como a Oposição, mas a vitória foi do Brasil. O importante é que o Governo pare para pensar sobre o que aconteceu ontem. As pesquisas, de um lado, e o que aconteceu ontem, de outro lado, são uma demonstração de que as coisas não estão bem.  

Ouvi o Líder do Governo - brilhante, aliás - dizendo o seguinte: "Mas também querem cobrar do Fernando Henrique, com 6 meses de governo, toda a sua plataforma?" Não são seis meses, mas quatro anos e seis meses de governo, porque houve uma reeleição. E devido à reeleição ser inédita na História do Brasil, havia uma expectativa de toda a Nação.  

Dentro desse contexto, sou muito sincero. Já desfrutei muito da amizade e da convivência fraternal com o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso. Tive a honra, inclusive, de ser convidado para ser Líder no seu primeiro governo, o que agradeci e não aceitei, porque achava que criaria problemas e não ajudaria. O Presidente Fernando Henrique já melhorou, pois o Sr. Clóvis Carvalho, embora não esteja fora do Governo, não está mais na Casa Civil. Portanto, lá não há mais um bruxo que afasta todo mundo que quer falar com o Presidente, mas um homem civilizado, o Sr. Pedro Parente, respeitado por todos e que a todos trata muito bem. Lá também está o Deputado Aloysio Nunes Ferreira, um homem altamente civilizado que, inclusive, recebeu, pela primeira vez, o Presidente José Dirceu e outros Líderes de Oposição. No entanto, o Presidente Fernando Henrique tem que reunir sua equipe, seus assessores mais racionais e não apenas fazer reunião com a equipe econômica.  

Num debate na CPI dos Bancos, compareceu o Sr. Gustavo Franco. Quando cobrei de S. Sª a política econômica do Governo, que ele fez questão de manter - e que, na minha visão, gerou um déficit de US$ 50 bilhões por não ter sido feita a desvalorização do dólar na hora exata e já não se exportava mais nada e as importações eram imensas -, ele me respondeu: "Mas, Senador, quem faz a política econômica do governo é o Presidente". "Ah, Dr. Gustavo Franco, quer dizer, que foi o Presidente Fernando Henrique Cardoso quem convenceu V. Sª de que tinha que manter o dólar a um real, que devia abrir as importações e que não devíamos ligar para as importações? Foi o Presidente Fernando Henrique Cardoso quem convenceu V. Sª ou foi V. Sª que o convenceu?", perguntei-lhe

 

Hoje, neste dia, neste momento - e me dirijo a pessoas como o Ministro Aloysio Nunes Ferreira - o Senhor Fernando Henrique deveria aproveitar este final de semana para reunir seu governo: o Pimenta da Veiga, o Mário Covas, o Aloysio. S. Exª precisa conversar com as pessoas que pensam, que têm sensibilidade e deixar um pouco a área da economia, desses tecnocratas que nunca resolveram nada e voltar às suas origens. S. Exª precisa conversar com um sociólogo - sua mulher -, com as pessoas que pensam, que refletem, que têm espírito público, que têm espírito político, que têm alma, que têm sentimento. O Senhor Fernando Henrique não deve conversar com um cidadão que hoje é diretor do Banco Central e amanhã é diretor de outro banco, com as Helenas Landau da vida. Essa senhora traçava políticas de privatização no BNDES e agora trabalha em um banco coordenando a política dos que vão comprar as empresas privatizadas pelo Governo. O Senhor Fernando Henrique tem de conversar com o Mário Covas, com as pessoas de dentro da estrutura que têm alma, têm um ideal, sejam patriotas e que não são os números frios do Fundo Monetário Nacional. S. Exª tem de voltar às suas origens. O Fernando Henrique tem de voltar a ser o Fernando Henrique. Já deu um grande passo, pois o Clóvis Carvalho seria embaixador na China e agora é Ministro. Ele vai liqüidar com o ministério dele, mas pelo menos não está na Casa Civil. As portas da Casa Civil, pelo que as pessoas dizem, mudaram com o Pedro Parente e com o Aloysio Nunes Ferreira.  

O Presidente tem que pensar sobre o que aconteceu ontem e sua relação com o resultado das pesquisas.  

Estive no Maranhão, onde verifiquei o clima de ansiedade em relação aos governadores, pois as promessas de trabalho e tudo o que o Presidente diz que vai garantir termina não dando em nada.  

O Presidente está jogando com o seu destino. Claro, não é um pacote de popularidade. Não se pode pensar em fazer um pacote agora, porque a impopularidade do Presidente é muito grande e 100 mil pessoas foram às ruas protestar. Não se pode fazer um pacote para que o Presidente volte a ser popular. Isso não é sério! Não se pode, por exemplo, consultar uma agência de publicidade: "O que se faz para que o Governo volte a ter popularidade?" E a agência diz: "Olha, uma coisa muito boa é o Presidente assistir a uma partida do Flamengo com o Corinthians; é o Presidente ir a uma distribuição de cestas populares; é o Presidente ir à Amazônia, porque o Senador Gilberto Mestrinho fez uma análise muito grave da situação daquela região. Não é por aí. O Presidente precisa sentar com sua equipe, analisar, debater e encontrar propostas concretas.  

Volto a lembrar ao Presidente da República dos cinco dedos das mãos, símbolo em seu primeiro Governo. Passaram-se quatro anos e seis meses, mas ainda faltam três anos e seis meses. S. Exª poderá dar a volta por cima, sair herói, ou podem ser três anos e seis meses de tortura lenta e gradual, que vai se queimando aos poucos e seu Governo se evapora como aconteceu com o Alfonsín, que teve que renunciar seis meses antes, depois de eleito o Menem, e passar o governo para o Menem, porque o dele não existia mais.  

Não tem terceiro caminho para o Presidente Fernando Henrique. Ou ele dá a volta, soma - e agora não tem reeleição, ele não tem nada a dever, ele tem é que manter não a biografia dele, que é importante, não a história do nome dele, que é um homem digno, correto, capaz, mas a história do País - ou não há saída. A grandeza dele, se ele tiver que sacrificá-la, é entender o que é importante: a responsabilidade que ele tem com o nosso País. Afinal, ele é o único Presidente da história do Brasil que foi reeleito. Tirando Getúlio Vargas, que ficou 20 anos, mas num espaço onde não houve eleição, ele é o único Presidente que foi reeleito.  

Meu amigo José Fogaça falava aqui, dizendo que em toda essa história da democracia, de 46 até hoje, só houve dois presidentes da República que entregaram a presidência para o seu sucessor também eleito pelo voto: o Juscelino, que entregou para o Jânio Quadros, eleito entregou para o eleito, e o Dutra que entregou para o Getúlio Vargas. Esqueceu o meu amigo José Fogaça de dizer que teve um terceiro: o Fernando Henrique. O Fernando Henrique Presidente, com a reeleição, passou a faixa para o Fernando Henrique. Portanto, este é o terceiro período em que isso acontece e com uma vantagem enorme, pois o Gaspar Dutra passou para um adversário, embora ele tenha sido Ministro da Guerra do Getúlio Vargas ajudou a derrubá-lo, ou seja, estava na trama para não deixar o Getúlio assumir, ele estava com o Brigadeiro Eduardo Gomes, e o Juscelino teve que ouvir todos os desaforos, todas as mentiras e todas as calúnias do Jânio Quadros. Quer dizer, o Juscelino entregou para um adversário - eleito pelo voto, mas um adversário - e o Dutra entregou para um adversário - eleito pelo voto, mas adversário. O Fernando Henrique Cardoso entregou não só para um companheiro, como entregou para ele mesmo.  

Então, essa é uma realidade, e essa responsabilidade o Senhor Fernando Henrique Cardoso tem, pois foi Ministro da Fazenda, esteve com o Sr. Itamar Franco na criação do Plano Real. Portanto, nos dois anos anteriores ao seu Governo, ele esteve no cargo mais importante - Ministro da Fazenda - preparando o esquema que deu tão certo que a sua eleição, no primeiro turno, foi espetacular e, quando assumiu a reeleição, assumiu praticamente sem oposição. Agora, cá entre nós, Presidente Fernando Henrique Cardoso, esse problema de responder à Marcha dos Cem Mil é criar uma política social real, é entender que tem 30, 40 milhões de brasileiros que passam fome e essa deve ser a meta primeira do seu Governo.  

Agora vejo, Sr. Presidente, uma portaria, um decreto, uma medida provisória ou sei lá o que em que o Governo tirou do Ministério da Agricultura a área da agricultura familiar e colocou no Ministério Extraordinário da Reforma Agrária. Mas isso é maluquice! Desculpe-me quem está na área do Governo que fez isso. Tenho certeza que o Presidente Fernando Henrique não sabe disso. Isso é uma loucura! O Ministério da Agricultura tem que cuidar, em primeiro lugar, do pequeno agricultor. O que fizeram no Ministério da Agricultura? Tiraram a água do Ministério da Agricultura, tiraram o pequeno produtor, a agricultura familiar e puseram lá no Ministério Extraordinário da Reforma Agrária, e sabe o meu querido Senador Amir Lando que esse ministério não tem condições e nem estrutura de fazer reforma agrária, não tem condições de ver como é feita a desapropriação, não tem infra-estrutura nem para cuidar dos assentamentos. Agora, dão essa competência ao Ministério da Reforma Agrária, que é um ministério extraordinário, o que significa dizer um ministério sem estrutura, um ministério que existe hoje e pode acabar amanhã. Puseram o pequeno produtor lá. E para o Ministério da Agricultura, que tem um homem da maior competência, que é o Pratini de Moraes, levaram o café, a cana-de-açúcar e o algodão - o que não acho errado -, mas disseram que o fundamento do Ministério é a exportação. Por que não criaram o Ministério da Exportação? Este País merecia ter um Ministério da Exportação, ao invés de ter um embaixador aqui, um cônsul ali cuidando da exportação, o Governo tinha que ter um Ministério da Exportação, mas não devia transformar o Ministro da Agricultura em Ministro da Exportação. De repente, a política do Brasil é produzir para exportar. Claro que se deve produzir para exportar, produzir 200 milhões de grãos e aí sim exportar, mas primeiro deve-se produzir para os 40 milhões de brasileiros que passam fome, para os que estão na miséria, para os que não têm o que comer. Esse é o índice número um de um projeto de governo.  

Então, a mim parece que o Senhor Fernando Henrique Cardoso tem que reunir a sua equipe. Mas, por amor de Deus, quando é que ia passar pela minha cabeça que eu iria dizer: Fernando Henrique, ouve o Antonio Carlos. Mas quando eu ia pensar isso! Pelo menos, o Sr. Antonio Carlos, bem ou mal, pensa que o problema do País é o problema da pobreza. É demagogia, não é demagogia; ele quer se candidatar à presidência, não quer se candidatar à presidência; é para ocupar manchete, não é para ocupar manchete... Mas, fruto disso, tem uma comissão trabalhando. Quer dizer, o Sr. Antonio Carlos acordou que o problema sério que temos hoje é o da miséria. E o Senhor Fernando Henrique transforma o Ministério da Agricultura no Ministério de produzir para exportar.  

Repito, penso que o Senhor Fernando Henrique Cardoso devia reunir a sua equipe - a área econômica, a área financeira -, mas permanecer calado, ouvir um pouco, deixar falar os que têm sensibilidade, os que têm alma, aqueles que não falam em números, em contas, enfim, aqueles que têm sentimento no seu Governo.  

Felizmente, ontem, minha querida Líder do PT, agiu bem a manifestação. Não agiu como alguns queriam: vir aqui pedir a renúncia do Presidente. Não foi o que aconteceu. Fico muito feliz, muito feliz, porque vir aqui fazer um manifesto e pedir a renúncia do Presidente seria complicado; o movimento perderia o significado. Em primeiro lugar, a renúncia do Presidente dependia dele renunciar e, se ele renuncia, assume o Marco Maciel. O Dr. Brizola sabe disso. Quando renunciou o Jânio Quadros e os militares não quiseram deixar o Jango, que era Vice-Presidente, assumir, o Dr. Brizola fez a legalidade, fez um movimento enorme para exigir que assumisse o Vice-Presidente. Então, exigir a renúncia do Presidente, do Vice-Presidente seria um equívoco. Se estivéssemos no parlamentarismo, seria uma maravilha. Se estivéssemos no regime parlamentarista, com o movimento de ontem, dos cem mil, cairia o Gabinete, hoje, estaríamos com um novo governo. No parlamentarismo, a figura do Presidente é uma espécie de rei da Inglaterra, ele é o estadista, é o homem que reúne o poder, mas não governa, quem governa é o gabinete, é o primeiro ministro. Com o movimento de ontem - babau! - hoje não teríamos mais o gabinete, mudava o governo. Mas como queria o Dr. Brizola, e ele venceu, o regime é o presidencialista, o presidencialismo tem um ritual diferente. Agiu bem. E repare que a OAB e a CNBB recuaram, inclusive, na dúvida, agiu bem o movimento no sentido de não falar em renúncia.

 

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Recuaram, não; foram prudentes. A OAB foi prudente.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Retiro a expressão, como sempre feliz a intervenção de V. Exª. O que eu quis dizer é que, quando viram que o movimento tinha interrogação, na prudência, recuaram para ver o que ia acontecer. E agiu bem a direção do movimento quando foi ao Presidente da Câmara e entregou um pedido para instalação de uma comissão parlamentar de inquérito.  

E vou ser muito sincero, Sr. Presidente, penso que criar uma comissão parlamentar de inquérito seria o normal. Há tanta interrogação, há tanta dúvida sobre as privatizações! E haveria uma vantagem: o Governo tem uma maioria tão ampla que essas coisas seriam investigadas. Um dia ainda vão se investigar as privatizações, para esclarecer pontos como: foram necessárias ou não as privatizações? Essa resposta empata, porque eu posso achar que não eram e o Presidente achar que eram. Mas existem outras questões: como foram feitas? Era justo empregar moeda podre ou não? Era justo privatizar e o BNDES dar dinheiro para a empresa compradora? Era justo privatizar e os fundos de pensão, que são dinheiro público, botar dinheiro lá dentro? São perguntas que deverão ser feitas.  

Há ainda um fato fantástico, Sr. Presidente: no Rio Grande do Sul, temos a CEEE, Companhia Estadual de Energia Elétrica, que era a empresa de energia elétrica mais complicada do Brasil, que teve 40% da empresa vendida a um preço maior do que o preço de venda da Vale do Rio Doce, uma das maiores produtoras de minérios do mundo. A CEEE - e o Senador Amir Lando sabe disso -, era uma empresa cheia de complicações e o Dr. Britto conseguiu mais dinheiro, vendendo 40% dela, do que conseguimos pela Vale do Rio Doce. Creio que a CPI poderia ser criada e o Governo devia aceitar, sem se assustar.  

O dia de ontem foi muito importante e eu me sinto muito feliz, Sr. Presidente. Sou descendente de árabe, que diz " maktub". Hoje tem uma página em branco na mesa do Senhor Fernando Henrique Cardoso. Hoje é sexta-feira, ele tem sexta, sábado e domingo para reunir sua gente e, nessa página em branco, escrever os novos rumos do seu governo a partir de segunda-feira. Ele vai ver como pode inverter esse quadro, mudar as pesquisas e ter o aplauso, não o aplauso fácil da vantagem, mas o aplauso de quem realmente tem rumo.  

Estive nesta tribuna fazendo um apelo à Farsul e ao Governo do Rio Grande do Sul para que chegassem a um entendimento em torno da Expointer, a maior festa agropecuária da América Latina e a segunda maior do mundo. Havia uma ameaça de boicote. E, hoje, quero felicitar o Governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, a Direção da Farsul e o Ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, por terem chegado a um entendimento.  

V. Exª não calcula a angústia que havia até ontem no Rio Grande do Sul. Essa festa talvez seja a realização mais completa, mais espetacular que acontece no Rio Grande do Sul. Nós todos estávamos angustiados diante da possibilidade de a festa ser aberta e os expositores não entregarem o gado para a exposição. Isso terminou. Foi um grande momento. Todos recuaram um pouco e a Expointer vai acontecer.  

Assim, no mesmo dia em que aconteceu a Marcha dos 100 mil e foi um sucesso, lá em Porto Alegre também houve um grande entendimento.  

Muito obrigado .a V. Exª pela tolerância.  

Creio que fiz a minha parte.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/1999 - Página 22373