Discurso no Senado Federal

PROTESTO CONTRA A PERSPECTIVA DE MAIS ELIMINAÇÃO DE DIREITOS DOS TRABALHADORES BRASILEIROS, CONFORME PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL EM FASE DE CONCLUSÃO PELO MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • PROTESTO CONTRA A PERSPECTIVA DE MAIS ELIMINAÇÃO DE DIREITOS DOS TRABALHADORES BRASILEIROS, CONFORME PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL EM FASE DE CONCLUSÃO PELO MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/1999 - Página 23060
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • CRITICA, PERDA, DIREITOS, TRABALHADOR, PERIODO, MANDATO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXIGENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • ANUNCIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ELABORAÇÃO, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, INCLUSÃO, NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO, REDUÇÃO, BUROCRACIA, CONTRATAÇÃO, TRABALHADOR, MICROEMPRESA.
  • CRITICA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, PREJUIZO, TRABALHADOR, SINDICATO, AMEAÇA, EXISTENCIA, JUSTIÇA DO TRABALHO.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB – MT ) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, de um tempo a esta parte, certamente obedecendo ao que rezam imposições forâneas, esmera-se o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso em promover mudanças na área trabalhista, desejando com isso reduzir ou eliminar o elenco de direitos sociais da classe trabalhadora, tão duramente conquistado.  

De fato, vivemos as mazelas do desemprego, do trabalho informal, da diminuição do salário mediante a redução da jornada de trabalho, das demissões em massa nos setores público e privado, da promoção de acordos danosos à classe laboral, de redução do FGTS e de reformas que eliminam direitos dos trabalhadores da ativa e aposentados.  

Como se isso não bastasse, o noticiário rotineiro da imprensa nos dá conta de que o Poder Executivo, seguindo instruções do Fundo Monetário Internacional – FMI, não se contentando com as perdas já impostas aos trabalhadores, prepara-se para submeter novas proposições ao Congresso Nacional, mais um vez objetivando cancelar, diminuir ou dificultar o recebimento das vantagens conquistadas.  

Há pouco, noticiou-se que o Ministério do Trabalho e Emprego conclui, em regime de urgência, os textos de Propostas de Emenda Constitucional tendo por fim, a primeira, introduzir a exigência de que os direitos individuais dos trabalhadores, tais como o de férias e o de recebimento do décimo-terceiro salário, sejam submetidos à negociação coletiva. A segunda, visando a estender o tratamento diferenciado na área trabalhista, para as micro e pequenas empresas, pretextando a redução da burocracia no processo de contratação de trabalhadores.  

Sintomático, no caso, é que o anúncio dessas medidas, que ferem direitos da classe trabalhadora – a maior interessada, portanto – foi feito, pelo titular da Pasta, prévia e exclusivamente aos representantes do empresariado, para essa finalidade reunidos na sede da Confederação Nacional do Comércio, nesta Capital.  

Curioso, igualmente, que ao pedir o acolhimento das propostas pelas empresas, tenha o Ministro assegurado que não quer o Governo "passar por cima de direitos dos trabalhadores", e que o Presidente da República "não concorda em eliminar qualquer direito trabalhista". Então, quais as finalidades primordiais das duas Propostas de Emenda Constitucional ?  

Assevera o titular do Ministério que as medidas desejam "aumentar o poder de barganha", mediante, sempre, a negociação coletiva, pois "tanto empregados como empregadores só irão negociar o que for de interesse deles". Caso contrário, não alcançando os sindicatos o aumento do poder de negociação, "eles acabarão".  

O que se observa, aí, é a falsa ênfase à negociação coletiva, e o natural esquecimento dos direitos dos trabalhadores, individualmente considerados. Também, a facilidade criada para a extinção das representações de empregados, frente ao provável confronto com os econômica e politicamente poderosos sindicatos patronais.  

Por sinal, as negociações coletivas não constituem, como nas décadas de 70 e 80, a garantia das conquistas do trabalhador. Ao revés, transformaram-se em meio de resistência, voltado para a manutenção de direitos adquiridos, segundo avaliação do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Dieese.  

Não nos parece aceitável, também, o argumento de que se quer evitar o fato "que vem marcando as negociações nos últimos tempos, quando, por não ter amparo legal, vários acordos entre as partes são invalidados na Justiça". Entendemos, ao contrário, que a decisão judicial reforça a validade da negociação, atendendo a ambas as partes, bastando, para tanto, o saneamento, não tão difícil, do processo e o embasamento legal requerido pelo feito.  

Na verdade, o pronunciamento ministerial, com essas inconsistentes alegações, não alcançou o propósito de justificar, devidamente, o mérito das indigitadas medidas. É revelador da parcialidade assumida pelo Ministro o fato de consignar, à assembléia empresarial, que as representações de trabalhadores não devem prosseguir negociando, tendo tão-somente a greve como arma. Categórico, afirmou que "não existe nada mais ultrapassado do que a greve".  

Porém, a ocorrência de graves conflitos coletivos justificam a intervenção da Justiça do Trabalho, igualmente na sua função política, atuando como "algodão entre cristais". Na análise do Ministro João Oreste Dalazen, do Tribunal Superior do Trabalho, há mais de 50 anos o Estado não vê "a questão social como caso de polícia", submetendo-a à Justiça com vista à solução civilizada, inteligente e racional" dos conflitos, a exemplo da grande maioria das nações de economia capitalista do Ocidente.  

Não é difícil perceber que a posição externada pelo Ministro se encaixa bem no conjunto de ações governamentais comandadas pelo FMI, que chegam até mesmo à proposta de reduzir as competências ou de extinguir a própria Justiça do Trabalho, que há mais de meio século tem sido o último refúgio dos trabalhadores, feridos em seus direitos. Nesse sentido, discute-se a Reforma do Judiciário, ora sob o exame do Congresso Nacional.  

Observe-se que, com o acolhimento do rito sumaríssimo para as causas trabalhistas de até 7 mil reais, nos termos propostos pelo Poder Executivo, todos os processos de valor inferior a esse teto passam a ser julgados pelos juízes de primeira instância, com o que se impede o recurso aos tribunais superiores. Assim, vem a Reforma do Judiciário considerar que, dessa forma reduzidas as pendências e extinto o poder normativo da Justiça do Trabalho, não mais se justifica a existência de Tribunais Regionais do Trabalho.  

No entanto, essas Cortes julgam mais de 400 mil ações, a cada exercício forense. As Juntas de Conciliação e Julgamento, cuja existência também é condenada pelo Governo, mantêm a média de mais de 200 mil sessões realizadas anualmente, solucionando cerca de 2 milhões de conflitos trabalhistas.  

Vale acrescentar que, a respeito da pretendida extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho, é ele visto como instrumento regulamentar do Direito do Trabalho, frente ao vácuo deixado "entre a vigência de nova legislação e o desenvolvimento natural da sociedade", conforme incontestada lição de José Alberto Couto Maciel, da Academia Nacional de Direito do Trabalho.  

Segundo o Acadêmico, "nesse vácuo o poder normativo tem mantido a paz social, como se verificou durante toda a fase revolucionária e dos planos econômicos, pois, se não fosse a existência do poder normativo, teríamos decisões estapafúrdias, bem como leis antigas regendo situações novas, decorrentes da própria globalização".  

Sabendo-se que numa economia globalizada há forte ocorrência de desemprego estrutural e menor peso dos instrumentos de pressão da classe trabalhadora, pela ação sindical ou decretação de greves, a questão social torna-se mais delicada e preocupante. Não há como, em tal circunstância, permitir que prossiga a recusa dos direitos dos trabalhadores, assim como o processo, em curso, de extinção da Justiça do Trabalho.  

Com formação política na Juventude Trabalhista de Getúlio Vargas, atuando, desde então, na organização social e popular da terra mato-grossense, entendemos que há de se pôr termo à série de medidas que vêm subtraindo, cruelmente, os direitos do trabalhador brasileiro.  

Com certeza, pode o Governo, zeloso no cumprimento do receituário econômico alienígena, prosseguir defendendo esse inaceitável objetivo. Não o fará, porém, sem o mais veemente protesto, que hoje se dissemina, da classe trabalhadora, nem, tampouco, sem a futura, certa e irrecorrível condenação da História.  

Era o que tínhamos a dizer.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/1999 - Página 23060