Discurso durante a 113ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REGISTRO DE VISITA DA CPI DA FUNAI DA CAMARA DOS DEPUTADOS AO ESTADO DE RORAIMA, NOS DIAS 10, 11 E 12 DO CORRENTE. DEFESA DO CALHA NORTE.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. SOBERANIA NACIONAL.:
  • REGISTRO DE VISITA DA CPI DA FUNAI DA CAMARA DOS DEPUTADOS AO ESTADO DE RORAIMA, NOS DIAS 10, 11 E 12 DO CORRENTE. DEFESA DO CALHA NORTE.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/1999 - Página 23252
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, VISITA, ESTADO DE RORAIMA (RR), MEMBROS, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), OBJETIVO, REFORÇO, REFORMULAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA, GARANTIA, DIREITOS, CIDADANIA, INDIO.
  • APOIO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRIAÇÃO, VERBA, DESTINAÇÃO, PROGRAMA, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, REGIÃO NORTE, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, FUNÇÃO, COORDENAÇÃO, PROGRAMA, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, REGIÃO NORTE.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos próximos dias 10, 11 e 12 de setembro, sexta, sábado e domingo, irão a Roraima os membros da CPI da Funai, criada na Câmara Federal, ocasião em que visitarão a fronteira norte do Estado, farão presença nas aldeias indígenas locais e também realizarão audiências públicas em recintos da Assembléia Legislativa.  

A questão indígena, aliás, é um tema de que há muito me ocupo, não sendo raras minhas manifestações sobre o problema. Com mais exatidão, desta mesma tribuna, apenas neste ano de 1999, enfoquei a problemática indígena nos meses de janeiro, abril, maio, junho e agosto.  

Em boa hora, portanto, foi instalada na Câmara Federal essa CPI. Meus votos são os de que os trabalhos dessa CPI sejam coroados de êxito e que, encerrados, realmente nos sejam oferecidos os caminhos que índios e não índios, organismos a eles direcionados, governantes nas esferas municipais, estaduais e Federal e a sociedade em geral possamos percorrer para um convívio de paz, conquistas e progresso.  

Mantenho comigo perseguir os ideais mais nobres e humanos, que promovam o bem-estar entre todos os povos. Em particular, sou favorável – e já o disse aqui – a uma política mais adequada e justa, que permita aos silvícolas a garantia do pleno exercício de sua cidadania, o respeito ao seu habitat natural, o resguardo de seus valores morais, seus costumes e a manutenção e preservação de sua cultura.  

A bem da verdade, as comunidades indígenas brasileiras foram, e ainda são, objeto de inúmeras violências, a ponto de vermos reduzido o seu contingente populacional a 326 mil pessoas, conforme levantamento da Funai.  

Um somatório de fatos, como a impunidade praticada contra o silvícola por interesses escusos, a omissão de autoridades, a convivência com grupos marginais da população branca e o descaso generalizado, permitiu, infelizmente, que chegássemos a esse processo de destruição de seu habitat e à degeneração de seus costumes.  

Sr. Presidente, nobres colegas, a questão indígena não pode continuar subordinada a discussões estéreis e emocionais. É urgente e necessária a formulação de uma adequada e objetiva política indigenista em nosso País. Não podemos mais continuar no blablablá de belos discursos e reuniões trimestrais de "avaliações". Tais expedientes apenas continuarão servindo à promoção nacional e internacional de alguns "exploradores de sucesso".  

É preciso, além de discursos e reuniões, a formatação de uma política integrada e abrangente que, de fato, atenda aos índios e suas comunidades. O que não se pode mais fazer é insistir na manutenção de uma confusa e insensata política voltada quase que exclusivamente para a demarcação de reservas, coisa que tanto mal-estar causou no passado, causa no presente e, mantida essa forma, causará no futuro. Aliás, a questão das reservas V. Exªs bem sabem quão problemática é e as dores de cabeça que causam.  

Não entendo a manutenção de nossa política voltada aos índios. É, no mínimo, estranha, e parece amarrada a interesses escusos. Diante do mundo em mudanças, da globalização, do avanço tecnológico, das leis de mercado atravessando fronteiras, por que continuamos à sombra de leis e normas quase seculares, antiquadas, que já provaram sua ineficiência?  

Fundamental, Sr. Presidente, é formular propostas destinadas a estabelecer diretrizes e ações corretas, práticas que permitam ao índio a possibilidade de seu acesso aos frutos do progresso econômico e social, que permitam aos silvícolas a convivência, em alguns casos, com as comunidades não-índias.  

Não há mais como negar que a esmagadora maioria de nossas comunidades indígenas já assimilou costumes e usos do branco; participa de benefícios do progresso e merece participar de serviços indispensáveis como a educação e a saúde, e dos instrumentos destinados à melhoria de suas condições de vida.  

Não podemos, também, apenas denegrir este ou aquele órgão, essa ou aquela instituição que, com deveres de prestar serviços ou assistência aos índios, pareçam alheios ou ineficientes em suas funções. Mais uma vez, aqui, a ineficácia é da própria legislação. É notória a pesada burocracia que emperra quaisquer boas intenções e mais grave ainda é a falta de recursos humano, financeiro e material para o pleno ou mesmo satisfatório atendimento à demanda, por mínima que seja.  

Nossa atual política, repito, voltada de forma quase insana, inexplicável, para a demarcação de áreas indígenas, reservas e parques ecológicos, etc, também é causa de disparates que, além de suspeitos, nos causam apreensão.  

Para aqueles que porventura desconhecem, a população índia brasileira, hoje em torno de 326 mil pessoas, detém 11% do território nacional. E vale destacar aqui que, desses 326 mil, 144 mil índios estão na Amazônia Legal. A própria Funai reconhece, em seus mapas, que as terras destinadas aos índios, em solo brasileiro, equivalem às áreas de Alemanha, Bélgica, Espanha e Portugal juntos.  

Hoje, temos 561 áreas indígenas, das quais 62% estão devidamente demarcadas, 11% em processo de demarcação e 27% ainda por demarcar.  

Outro número que merece nossa máxima atenção é o fato de que 83% dessas 561 áreas indígenas estão na Região Norte, isto é, encravadas na rica, pujante e cobiçada Amazônia brasileira. Por quê? Será que existe, realmente, a necessidade de tanta terra para tão poucos, que, mesmo sendo tão poucos, continuam marginalizados, sem acesso aos bens e serviços públicos básicos que lhes garantam uma existência mais digna? Ou o que interessa mesmo é apenas a garantia das reservas intocáveis?  

Em números reais, meus nobres colegas, 12% do Acre, 22% do Amazonas, 8% do Amapá, 20% do Pará, quase 18% de Rondônia, mais de 7% do Tocantins e, pasmem, exatos 57,27% de Roraima, hoje, são terras de reservas indígenas.  

Nossa preocupação aumenta, Sr. Presidente, quando sabemos que na Região Norte, que representa mais da metade do chão brasileiro, apenas 20 milhões de almas sobrevivem. Os outros 150 milhões de irmãos se espremem abaixo do paralelo 10.  

Parece-me - e a cada dia menos entendo as razões disso - que existem sérios interesses na manutenção do imenso vazio demográfico em nossa Amazônia. E afirmo que nos causa bastante preocupação o que emana desses interesses.  

Mais grave a coisa fica se somarmos a essas áreas indígenas aquelas chamadas de "parques, reservas ecológicas e áreas de preservação ambiental". Na verdade, estamos inviabilizando, nós mesmos, quaisquer políticas futuras de desenvolvimento e de exploração racional daquele ainda totalmente desconhecido manancial de riquezas acima e abaixo do solo amazônico.  

Voltando ao meu tema inicial, a CPI da FUNAI, cujos membros estarão em Roraima nos próximos dias 10, 11 e 12 de setembro, reafirmo que em boa hora foi formada a comissão e espero que seus trabalhos mergulhem fundo nesses problemas que acabo de relatar, e em outros ainda, de igual importância, que tanto interessam a todos os brasileiros, independentemente de suas condições de raça, credo, cor ou ideologia.  

Muito mais poderia falar a respeito de nossos índios, de nossa Amazônia e dos interesse escusos, fortíssimos, que extrapolam nossas fronteiras e que querem a manutenção da atual política indigenista arcaica que possuímos.  

Confio que os trabalhos da CPI também se orientarão nesse sentido, como também confio que uma nova política será desenvolvida em prol de nossos índios. Não apenas uma política abrangente e integrada quanto aos seus objetivos e propósitos, mas também uma política que busque ações conjuntas das três esferas de Governo e que, definitivamente, exclua quaisquer ingerências externas nas suas definições e na sua condução.  

O índio, como nós, tem direito à vida e à liberdade. É preciso abraçarmos essa realidade e termos coragem de, urgentemente, elaborar uma política de valorização da cidadania indígena que, além da permanente preocupação em impedir agressões ao seu meio ambiente, cuidar de sua sobrevivência e preservar os seus costumes, também lhe dê garantia de acesso aos bens e serviços públicos básicos e a uma existência com dignidade. Acima de tudo, que também se defina o modus operandi da convivência das comunidades indígenas com os seus irmãos caboclos, mestiços, mulatos e brancos, quando fisicamente juntos.  

Em síntese, nossos índios não podem continuar a ser objeto de interesse de alguns que apenas pretendem mantê-los como se mantém uma reserva ecológica.  

Aproveitando esta oportunidade, Sr. Presidente, meus nobres colegas, quero aqui mostrar o meu contentamento diante da notícia de que o Senhor Presidente da República vai dar continuidade ao Projeto Calha Norte.  

Desde que era Deputada Federal, nos idos de 1986, durante os trabalhos da Constituinte, concentrei-me em defender esse programa. Eu e outros parlamentares visitamos todas as localidades do Projeto Calha Norte, a fim de poder fazer um trabalho digno na Constituinte.  

Após aquele período, no exercício do meu segundo mandato como Senadora, na primeira legislatura, apresentei requerimento a esta Casa para que fosse implantada comissão especial com o objetivo de defender o Programa Calha Norte. Presidi essa comissão e, junto com vários parlamentares, visitei todas as localidades desse belo programa.  

Na segunda legislatura, requeri fosse instalada uma nova comissão, com o mesmo objetivo. Fui relatora de seus trabalhos e fizemos a mesma peregrinação, mas não obtivemos os resultados que esperávamos: para surpresa nossa, quando o Orçamento de 98 chegou à Comissão, infelizmente ali não constavam recursos para dar prosseguimento àquele programa.  

Apresentei emenda à Comissão de Relações Exteriores do Senado para que fossem alocados recursos para o programa. Apresentei uma emenda solicitando R$11,500 milhões. Foram aprovados apenas R$5 milhões, mas mesmo assim ajudamos, pois pelo menos o programa não foi extinto.  

Hoje há interesse do Presidente da República naquele programa. Ontem, neste plenário, ouvi - não foi falado publicamente, mas para mim e para o Senador Gilberto Mestrinho - o novo Ministro da Defesa dizer que queria conversar com os parlamentares do Norte sobre o Programa Calha Norte. Fico satisfeita com isso, porque conheci aquele programa há muito tempo e visitei alguns dos lugares onde ele funcionava mesmo antes de ser parlamentar, quando meu esposo estava na Comarca, que construiu 34 pistas de pouso na Região Amazônica – todas fazem parte do Programa Calha Norte. Muitas dessas localidades eu já conhecia, como é o caso de Cachimbo e São Gabriel da Cachoeira. A propósito, por falta de recursos, a estrada que sai da BR para chegar a São Gabriel da Cachoeira, que faz parte do Programa Calha Norte, não foi terminada, ficaram faltando 36 quilômetros. Essa situação toda é lamentável.

 

Lamento mais ainda não haver uma política voltada para aquelas localidades, que deixe a cargo dos pelotões de fronteira a coordenação do programa de saúde. Recentemente falei desta tribuna que estive no Ministério da Justiça por causa de informação não verídica divulgada pelos jornais do meu Estado, segundo a qual havia sido celebrado um convênio entre o Ministério da Justiça e ONGs estrangeiras para coordenar o programa. Felizmente, não havia veracidade na notícia. O que há é que o Ministério da Justiça vai assinar convênio com o Ministério da Saúde e colocar como encargo da Fundação Nacional de Saúde a coordenação do programa na região das comunidades indígenas.  

E aqui eu faço novamente o apelo que fiz quando tratei deste assunto antes: que naquelas áreas do Programa Calha Norte a coordenação seja dos militares. Não defendo essa idéia por razões pessoais. Absolutamente. A minha convicção é fruto de minha experiência: quando Roraima ainda era território e meu esposo era seu Governador, quem prestava toda a assistência aos índios ianomâmis era o pelotão de fronteira que está instalado na região de Surucucus. E, ainda quando o hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, era Ministro da Justiça, estivemos naquela localidade, e a situação era a mesma: os índios eram assistidos pelo pelotão de fronteira do Exército que está localizado naquela região.  

V. Exªs podem fazer uma avaliação: se a Fundação Nacional de Saúde - Funasa - está fretando aviões e contratando médicos para atender os índios ianomâmis, por que não aproveitar nesses serviços aqueles jovens tenentes que saem - muitos deles - do Sul para prestar assistência médica por dois anos nas fronteiras? E também, em contato com o Ministério do Exército, por que não transferir para aquela localidade tenentes cujas esposas são assistentes sociais – conheço isso in loco – e podem prestar serviços de assistência social àquelas comunidades indígenas?  

Tudo isso iria baratear os custos. Essa seria uma assistência permanente. Ao invés de deslocar, uma vez por mês, médicos para aquela região, os médicos militares já estariam ali para prestar essa assistência, que seria permanente, mais adequada e até mais humana. Realmente, os índios silvícolas são os ianomâmis. Os makuxis, que estão no nosso Estado, e outras comunidades indígenas já são civilizados e não são tão dependentes quanto os índios ianomâmis.  

Meus nobres Colegas, era isso que eu gostaria de dizer a V. Exªs. A Bancada da Região Norte e todos os Srs. Senadores vão batalhar pelo desenvolvimento ordenado da região amazônica, que pertence ao nosso Brasil, é importantíssima para o nosso desenvolvimento e pode ajudar a acabar até mesmo com a miséria existente aqui. Não se fazem milagres! Se não aproveitarmos a nossa Amazônia, com todas as suas riquezas naturais, para obtermos um desenvolvimento ordenado, não adiantará fazermos programas.  

Ontem ouvi - vou até repetir o que disse num aparte que fiz ao pronunciamento do Senador Nabor Júnior - uma explanação muito bonita do Diretor de Políticas Sociais do IPEA, fazendo comparações entre as Regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. No entanto, não se falou na nossa Região Norte. Quando o interroguei, simplesmente ele respondeu que a Região Norte é rica e difícil de se trabalhar e que, por isso, não havia apresentado os dados comparativos em relação àquela região. Considerei isso uma falta de informação muito grande e me preocupei ainda mais.  

Nos discursos que temos feito, sempre desta tribuna, queremos salvaguardar a nossa Amazônia de, no futuro - senão tão breve, mas mais distante -, ser internacionalizada. Se não há interesse nem por parte dos técnicos em tomar conhecimento de como vivem os pobres e os indigentes daquela região, é muito difícil que se venha a conseguir algo que realmente possa beneficiar o nosso País.  

Muito obrigada, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/1999 - Página 23252