Discurso no Senado Federal

DEFESA DA ISENÇÃO TOTAL DE IMPOSTOS PARA OS PRODUTOS QUE COMPÕEM A CESTA BASICA DE ALIMENTOS, NO BOJO DA REFORMA TRIBUTARIA.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • DEFESA DA ISENÇÃO TOTAL DE IMPOSTOS PARA OS PRODUTOS QUE COMPÕEM A CESTA BASICA DE ALIMENTOS, NO BOJO DA REFORMA TRIBUTARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 25/09/1999 - Página 25190
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, TRIBUTAÇÃO, ALIMENTOS, ISENÇÃO, TRIBUTOS, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, COMPARAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CRITICA, POLITICA FISCAL, CONTRIBUIÇÃO, FOME, SUBDESENVOLVIMENTO.
  • CRITICA, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, SUPERIORIDADE, CARGA, POPULAÇÃO CARENTE, INSUFICIENCIA, TRIBUTAÇÃO, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS, NECESSIDADE, REFORMA TRIBUTARIA, CORREÇÃO, INJUSTIÇA, AMPLIAÇÃO, INCIDENCIA, ARRECADAÇÃO, REDUÇÃO, IMPOSTOS, PRODUTO ALIMENTAR BASICO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a inclusão da reforma tributária na pauta dos temas com prioridade para apreciação pelo Congresso Nacional no corrente semestre vem recolocar, com relevo ainda maior, a oportunidade de discussão de um dos mais urgentes tópicos no âmbito da política fiscal do País: a necessidade de se estabelecer um tratamento tributário preferencial para os alimentos, o qual contemple, inclusive, a isenção de tributos para os gêneros que compõem a cesta básica.  

O fato de que a questão já foi trazida a esta tribuna em mais de uma oportunidade serve como indicador não apenas de sua relevância, mas também do absurdo da situação atualmente vigente no Brasil, em comparação com as práticas adotadas na esmagadora maioria das demais nações, sejam elas ricas ou pobres, detentoras de melhor ou pior distribuição de renda, possuidoras de um setor agrícola expressivo ou inexpressivo em relação ao seu PIB total.  

Afinal, é absolutamente injustificável e incompreensível que este País, no qual uma significativa parcela da população permanece submetida ao flagelo da fome, ostente o título de campeão mundial na prática de tributar comida.  

Como se pode admitir, num País ainda habitado por legiões de indigentes, que os alimentos tenham tratamento tributário idêntico ao de qualquer outro tipo de produto, embora deles não se possa prescindir sem o comprometimento da própria subsistência? Mais: como se pode admitir que, no Brasil, um produto alimentício chegue às prateleiras do varejo com um ônus fiscal de 32% , em média, quando esse ônus, nos países ricos e com ótima distribuição de renda da União Européia, não ultrapassa os 7% , em média?  

Principalmente num quadro social como o existente no Brasil, não é admissível – quer sob o ponto de vista econômico, quer sob o ponto de vista humano – que os alimentos sejam taxados como se fossem bens duráveis ou supérfluos. O resultado concreto dessa política fiscal é, simplesmente, fabricar subdesenvolvimento.  

Nunca é demais relembrar o caráter regressivo inerente aos impostos indiretos que incidem sobre o consumo: eles pesam proporcionalmente mais no bolso dos mais pobres do que no bolso dos mais ricos, pois os segmentos mais pobres da população precisam, para sobreviver, de direcionarem a totalidade do seu rendimento para o consumo, enquanto que aos mais ricos sobra parte de sua renda para pouparem.  

Hoje, no Brasil, o financiamento da ação pública é feito por um sistema tributário claramente regressivo, onde os impostos diretos, incidentes sobre os mais ricos, têm pequena expressão no total da receita. Essa tributação direta da renda e do patrimônio, intrinsecamente progressiva, não chega a proporcionar 20% da receita tributária global.  

Além de necessitarem consumir tudo o que ganham, os pobres alocam a parcela mais significativa de sua renda para atender ao consumo essencial. Assim, quanto menor o nível de renda das famílias, maior é o peso dos impostos e taxas incidentes sobre os alimentos na renda familiar. A situação é, portanto, duplamente perversa para a população pobre: o sistema coloca exagerada ênfase na tributação do consumo e não concede qualquer tratamento preferencial aos bens essenciais. A conseqüência é que enormes parcelas do orçamento familiar da população de baixa renda acabam destinadas a tributos, especialmente tributos sobre alimentos.  

É, de fato, um quadro bizarro. Para que se faça uma idéia, basta dizer que a Universidade de São Paulo, já em 1975, realizou pesquisas e mostrou que famílias ganhando apenas um salário mínimo mensal pagavam cerca de 30% de sua renda ao Governo, enquanto famílias que ganhavam 100 salários mínimos mensais destinavam 15% da renda familiar para taxas e impostos.  

A clamorosa injustiça e a desumanidade reveladas por essa comparação não devem obnubilar nossa percepção de que aqui reside, também, uma gravíssima distorção econômica. Um dos fundamentos éticos que justificam a cobrança de impostos é o interesse do conjunto da sociedade em promover a redistribuição da renda, como pressuposto para a harmonia social e o desenvolvimento econômico. Quando um sistema tributário age tão drasticamente no sentido inverso ao que deveria, ele se constitui em monumental entrave ao progresso da Nação.  

A reforma a ser urgentemente introduzida em nossa estrutura tributária deverá ter o sentido de se aumentar a base de arrecadação mas, ao mesmo tempo, reduzir os impostos sobre os produtos essenciais, nos quais as classes de baixa renda despendem a maior parte de seus rendimentos. Respeitado esse princípio, a reforma tributária repercutirá fortemente na redução imediata da injustiça social.  

O tratamento tributário preferencial aos alimentos básicos é prática largamente disseminada em nível internacional. É o que fazem a maioria das sociedades desenvolvidas européias, que, em princípio, nem precisariam adotar tal procedimento. É também a prática adotada por vários países latino-americanos, com problemas tão semelhantes aos nossos, como México, Argentina, Venezuela e Colômbia.  

O Sindicato da Indústria da Alimentação do Estado do Rio Grande do Sul – SIAERGS desenvolveu, em 1995, um amplo levantamento sobre carga tributária nos alimentos, intitulado Tributação sobre Alimentos: Uma visão das práticas internacionais

Na verdade, o trabalho não teve a pretensão de mensurar a incidência de todos os impostos, taxas e contribuições existentes em uma determinada economia sobre as mercadorias e os serviços. Uma avaliação dessa ordem é difícil de ser realizada, pois não apenas os impostos sobre vendas incidentes sobre os produtos em foco oneram seu preço final. Também os demais tributos – como aqueles sobre a renda, o lucro, o faturamento, a propriedade, etc. – acabam tendo alguma repercussão.  

Mas os efeitos mais expressivos sobre o preço final das mercadorias resultam, indiscutivelmente, da incidência dos impostos sobre vendas. Por isso, o levantamento do SIAERGS concentrou-se na análise das práticas internacionais relativas aos impostos sobre vendas, do tipo valor agregado (IVA), sobre os alimentos em geral.  

Em função da importância dos impostos desse tipo na Europa e na América Latina, onde quase todos os países os adotam, o estudo analisou uma amostra que contempla quase todos os países europeus e os latino-americanos de maior expressão, num total de 28 nações.  

O que essa análise mostrou é que a imensa maioria dos países incluídos na amostra dá tratamento preferencial aos alimentos, bem como aos insumos agrícolas, geralmente o mesmo tratamento dispensado aos medicamentos, artigos para deficientes físicos, livros, periódicos e bens culturais. Apenas dois dos países analisados aplicam a alíquota padrão a todos os bens e serviços. E, mesmo nesses, a alíquota zero é adotada para as exportações.  

Seis países da amostra adotam a alíquota zero para alimentos básicos: Chipre, Irlanda, Hungria, Portugal, Reino Unido e México. A isenção é o procedimento utilizado por 9 países: Suíça, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela. Em 11 países, utilizam-se alíquotas reduzidas: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Holanda, Itália, Luxemburgo, Suécia, Turquia e Uruguai.  

O fato é que nunca existe neutralidade na tributação de mercadorias e serviços. Praticamente todas as sociedades optam pela instituição de algum tipo de imposto seletivo ( excise tax ) com o qual sobretaxam alguns produtos, considerados supérfluos ou nocivos, como automóveis, bebidas e fumo. A mesma lógica que recomenda a sobretaxação de algumas mercadorias, justifica, em sentido contrário, o tratamento preferencial de bens e serviços considerados essenciais ou meritórios.  

No caso dos alimentos, a experiência internacional mostra que a prática mais usual é a de isenção ou aplicação de alíquotas reduzidas, extensiva também ao agricultor e à maioria dos insumos agrícolas, procedimento que tende a assegurar uma efetiva exoneração ou redução da carga fiscal sobre os alimentos. Segundo o que se observa no levantamento do SIAERGS, nos países da amostra que aplicam alíquotas reduzidas sobre os alimentos, estas são significativamente inferiores às normais ou padrão. Embora essas alíquotas diferenciadas variem de país a país, elas quase sempre correspondem a reduções iguais ou superiores a 50% em relação aos níveis normais.  

Os dados levantados pela pesquisa mostram que, mesmo em países considerados ricos, quase sempre os alimentos recebem tratamento tributário preferencial. Mais que isso, mesmo em países que apresentam uma boa distribuição de renda, os alimentos são proporcionalmente menos gravados. Em outras palavras, observa-se que, mesmo em sociedades desenvolvidas, onde a população não teria maiores restrições de renda para ter acesso à alimentação básica, seus governos, ainda assim, costumam proporcionar uma significativa redução no ônus tributário. Procura-se, portanto, melhorar a progressividade do IVA mesmo em circunstâncias de nível e distribuição de renda que não exigiriam, em princípio, tal procedimento.  

O que dizer, então, de países que necessitam urgentemente melhorar a progressividade de seu sistema tributário?  

Como já referimos, a exoneração total ou parcial do IVA sobre os itens essenciais de consumo melhora a progressividade desse imposto, tornando sua incidência mais justa, haja vista o fato de os pobres despenderem, nesses itens, a maior parte de sua renda. A boa doutrina ensina, por seu turno, que a existência de distorções em uma determinada economia torna particularmente recomendável que se busque melhoria da progressividade do imposto sobre vendas.  

Os especialistas em impostos sobre valor agregado explicam que três situações recomendam a eliminação ou redução do ônus tributário sobre determinadas mercadorias. A primeira delas é quando a exoneração daquela mercadoria serve para melhorar a progressividade do IVA. A segunda, é quando a mercadoria é considerada um bem "meritório", isto é, tem características próprias e socialmente reconhecidas que justificam ter seu consumo assegurado ou até estimulado. Por fim, há aqueles bens ou serviços que são tão difíceis de tributar na prática, que o bom senso indica que o melhor é não fazê-lo.

 

Os alimentos – ressalte-se – enquadram-se nessas três situações: sua exoneração melhora a progressividade do imposto; constituem eles, evidentemente, bens meritórios – tal como os serviços de educação e saúde, os artigos para deficientes físicos, os livros e a cultura –, não se devendo permitir que a tributação venha a diminuir o acesso dos cidadãos a eles; e, finalmente, os agricultores que os produzem são, em geral, difíceis de serem tributados.  

Afinal, a maioria dos agricultores não mantém livros contábeis, estão localizados, via de regra, fora do alcance da administração tributária, realizam grande parte de suas transações de maneira informal, tratam com produtos de alta perecibilidade que resultam em uma administração de estoques de difícil auditagem, sujeitam-se a ciclos variados de produção. Isso para não falar de fatores sociais, culturais e políticos. Nessa medida, tributar os agricultores tal qual os outros segmentos produtivos pode constituir um contra-senso gerencial.  

Percebe-se, portanto, que todos os motivos de ordem social, econômica e de técnica tributária confluem para justificar, sob todos os aspectos, o tratamento tributário preferencial aos alimentos.  

A redução do ônus tributário sobre os alimentos implicaria, evidentemente, a redução de seu preço. Com isso, a população mais pobre teria elevada sua renda disponível para o consumo. Logo, essa exoneração não deverá reduzir a arrecadação, representando, ao contrário, um fator de incremento, em função de o volume das vendas aumentar em conseqüência da queda dos preços e do crescimento da demanda.  

Um estudo do Departamento Econômico da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação – ABIA, publicado em 1995, dizia, a esse respeito:  

"A lógica do raciocínio é simples: tributação excessiva e mal distribuída onera os produtos, reduzindo o mercado consumidor; com isso, a população não se alimenta, os meios de produção se retraem, cresce o desemprego e o próprio Estado afinal acaba por arrecadar valores menores do que poderia mediante uma sistemática menos voraz e mais justa . Desfazendo-se a cadeia de descompassos fiscais que leva a esse círculo vicioso, por meio da adoção de uma política tributária voltada ao crescimento das possibilidades nacionais, a carga negativa do raciocínio se inverte: tributação moderada e bem distribuída não pesa sobre os preços finais dos produtos, fazendo com que o mercado consumidor se amplie; assim, a população se alimenta melhor, os meios de produção crescem, o desemprego cai e o Estado arrecada mais recursos por meio dos impostos ." 

O mesmo estudo da ABIA projeta meticulosamente o crescimento da produção da indústria da alimentação que decorreria do previsto aumento de demanda, em função da redução do ônus fiscal sobre os alimentos. Segundo esses cálculos, o mercado consumidor cresceria quase 5%, com a redução dos impostos sobre os alimentos para 7%, correspondentes à média internacional. Com isso, o faturamento global do setor saltaria de 45 bilhões de dólares para 47,2 bilhões de dólares, gerando, imediatamente, mais de 37 mil empregos na indústria, e refletindo na abertura de 590 mil postos de trabalho na agricultura.  

Estamos falando, Senhores Senadores, de 626 mil novos empregos! Trata-se, com certeza, de uma perspectiva empolgante na atual conjuntura de supressão acelerada de postos de trabalho. Mas a projeção da ABIA é ainda mais positiva, vislumbrando a possibilidade da geração, a médio prazo, de cerca de 1 milhão de empregos no País.  

O Brasil possui um complexo produtor de alimentos capacitado ao suprimento nacional, e ainda com clara vocação para expansões que fossem justificadas pela demanda.  

Essa afirmação não é verdadeira apenas no que se refere à nossa pujante agropecuária, mas também no que concerne à nossa indústria da alimentação. Ela é o segundo setor industrial em termos de participação no Produto Interno Bruto, com cerca de 10%. Conforme as estimativas da ABIA, o setor era composto, em 1993, por 46 mil estabelecimentos, empregando cerca de 780 mil pessoas e exportando aproximadamente 6 bilhões de dólares.  

No entanto, a penúria em que vive a maior parte da população brasileira, não dispondo de poder aquisitivo sequer para alimentar-se condignamente, prejudica também os agricultores e as indústrias da alimentação. Nosso parque industrial instalado não se expande como deveria e poderia, e, pior, trabalha com cerca de 30% de ociosidade.  

Toda essa situação poderia ser drasticamente modificada pela redução da incidência de impostos sobre os alimentos, medida que traria benefícios concretos a toda a população brasileira.  

O efeito redistributivo dessa exoneração seria expressivo. Para uma família pobre que chega a gastar entre 40% e 50% de sua renda com alimentação, a redução da carga tributária sobre os alimentos significará comer mais e melhor, pois hoje, no Brasil, os alimentos da cesta básica carregam, embutidos em seu preço, 32% de ônus fiscal. Além disso, a promoção da justiça social decorreria, também, da criação de centenas de milhares de novos empregos, graças à expansão da indústria e do sistema agroeconômico.  

Do ponto de vista das necessidades de arrecadação dos Entes Públicos, o tratamento tributário preferencial dos alimentos não reduziria – e até aumentaria – as receitas dos Municípios, dos Estados e da União. No que tange à necessidade de melhorar a situação de nossa balança de pagamentos, a medida contribuiria para dar mais competitividade aos produtos agrícolas brasileiros no mercado internacional.  

Em resumo, com a redução da carga tributária sobre os alimentos, ganham todos: a população, os Municípios, os Estados, a União, o complexo agropecuário e a indústria, com reflexos, ainda, na própria competitividade brasileira com vistas à conquista de mercados externos.  

O tratamento tributário atualmente dado aos alimentos no Brasil é perverso e irracional. Discrepa das práticas internacionais e conflita com as necessidades impostas pelo nosso quadro social. Ofende os princípios da boa técnica tributária, contribui para o aprofundamento das desigualdades de renda e conspira contra o desenvolvimento econômico do País.  

É hora de dar um basta nessa situação! No contexto da reforma tributária – ou até antes, se ela tardar – vamos garantir o tratamento preferencial aos alimentos, com total isenção para os produtos que compõem a cesta básica!  

Esse é o reclamo da Nação. Esse deve ser o compromisso do Senado.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/09/1999 - Página 25190