Discurso no Senado Federal

AVALIAÇÃO DO RELACIONAMENTO DAS AUTORIDADES BRASILEIRAS COM OS ORGANISMOS FINANCEIROS INTERNACIONAIS, ESPECIALMENTE COM O FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL E O BANCO MUNDIAL.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • AVALIAÇÃO DO RELACIONAMENTO DAS AUTORIDADES BRASILEIRAS COM OS ORGANISMOS FINANCEIROS INTERNACIONAIS, ESPECIALMENTE COM O FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL E O BANCO MUNDIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 25/09/1999 - Página 25196
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA CAMBIAL, BRASIL, OBEDIENCIA, ACORDO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PROVOCAÇÃO, DEFICIT, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO, SETOR, PRODUÇÃO.
  • COMENTARIO, DADOS, COMISSÃO ECONOMICA PARA A AMERICA LATINA (CEPAL), INFERIORIDADE, MEDIA, CRESCIMENTO, BRASIL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA LATINA.
  • COMENTARIO, RELATORIO, BANCO MUNDIAL, DESENVOLVIMENTO, MUNDO, CONCLUSÃO, AUMENTO, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, CRITICA, DESCENTRALIZAÇÃO, GOVERNO, BRASIL.
  • CRITICA, SUGESTÃO, BANCO MUNDIAL, MELHORIA, SITUAÇÃO, BRASIL, DEFESA, INDEPENDENCIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, minha presença na tribuna do Senado Federal prende-se à necessidade de avaliar, de forma ampla, o relacionamento das autoridades brasileiras com os organismos financeiros internacionais. Com marcante influência em nossos destinos, não se pode afirmar, categoricamente, que a atuação de tais organismos tem sido efetivamente favorável aos interesses maiores de nossa pátria.  

Ainda que a tese ora levantada tenha aplicabilidade à maioria dos organismos financeiros, centro minhas atenções no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial, entidades que têm sido objeto das atenções do noticiário nacional, nos últimos dias.  

O Fundo Monetário Internacional foi o ator principal durante o último período de crise aguda por que passamos, quando o Brasil assinou mais um acordo, em cujo bojo estavam fixados compromissos e objetivos que conduziram o País a um processo de retração em seu desenvolvimento.  

Os rumos da política cambial, com uma significativa desvalorização do real, acenavam para um equilíbrio em nossas contas internacionais, com o aumento das exportações, teoricamente mais competitivas – o que não se concretizou – e com uma redução das importações – o que ocorreu de maneira tênue. Continuamos, assim, dependentes de investimentos ou empréstimos externos para fechar o balanço externo global.  

A receita do FMI conduziu, nesse aspecto, ao indesejável patamar de déficit externo superior a 5 % do Produto Interno Bruto, o que não ocorria desde 1982. O indicador acima traz um componente de desconfiança da comunidade internacional, sobre nossa capacidade de honrar os compromissos de longo prazo, caso tal cenário persista por maior tempo.  

A política de juros altos, negociada no mesmo acordo e praticada pelo Banco Central do Brasil nas negociações dos títulos públicos, também vem se revelando um fator altamente negativo para os esforços de desenvolvimento, uma vez que o capital produtivo está sendo direcionado para o mercado financeiro e os produtores não têm acesso ao crédito, por ser proibitivo, para financiar seus projetos de expansão.  

Assim, o verdadeiro caminho do desenvolvimento, que é a geração de riqueza por aumento da atividade produtiva, está sendo refreado pela política econômica governamental, ainda que haja um discurso distinto por parte da atual equipe econômica.  

No mesmo sentido, a história recente brasileira tem mostrado números que contestam a política governamental como um todo, quando se considera que o crescimento econômico nacional na presente década teve média anual de 2,8 % ao ano, enquanto a média histórica desde 1950 era de 7 % ao ano. Podemos comparar tal cenário com nossos principais vizinhos, Argentina e Chile, que também sofreram graves crises econômicas na década e, no entanto, apresentaram melhores indicadores de desenvolvimento após tais crises.  

Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina, a CEPAL, a Argentina vem crescendo, nessa década, a uma média anual de 6,1 %, contra uma média histórica de 3,8 %, enquanto o Chile apresentou um crescimento anual de 8,2 %, contra uma média histórica de 3,9 %.  

Em tal contexto, Senhor Presidente, o Brasil precisa descobrir novos caminhos para seu futuro, uma vez que, como premissa e objetivo fundamental de nossa sociedade, temos que melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, cuja gama de problemas é ainda bastante diversificada e preocupante.  

Os indicadores sociais de nossa pátria são incompatíveis com os indicadores econômicos, conforme pudemos constatar, também nos jornais mais recentes, pelas notícias e comentários acerca do "Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial", publicado pelo Banco Mundial e divulgado no dia 15 de setembro passado.  

Ainda que não reconhecidos por aquele organismo como um fracasso, os resultados apresentados no relatório revelam fatos da maior preocupação, não só para o Brasil como para todas as nações.  

"O mundo está perdendo a guerra contra a pobreza" é a frase síntese do documento, atestada em diversos pontos e perfeitamente caracterizada no fato de que a renda per capita dos países desenvolvidos cresceu, nos últimos 25 anos, de 11 mil para 18 mil dólares norte-americanos, enquanto a renda per capita dos países de médio nível de desenvolvimento permaneceu praticamente estacionada em 2 mil dólares e a dos países de baixo desenvolvimento em cerca de 500 dólares, no mesmo período.  

Ao mesmo tempo, o documento registra que, abaixo da linha de pobreza de 1 dólar norte-americano por dia, já estão cerca de 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo, contra 1,2 bilhão em 1987, prevendo-se que, em 2015, mais de 1,9 bilhão de pessoas estarão na degradante situação de pobreza absoluta.  

É fundamental lembrar que o Banco Mundial é o organismo internacional que, nos últimos 50 anos, teve a seu cargo a construção de uma política mundial de combate à pobreza, sendo, para tanto, financiado pelos países mais desenvolvidos; e que, ao final desse meio século, não promoveu ações que se revelassem efetivamente modificadoras do cenário mundial de pobreza.  

Ao contrário, os resultados mostram que as políticas do Banco Mundial não foram adequadas, necessitando mais do que nunca, ser revistas e avaliadas em sua aplicação no Brasil, quando da implantação de projetos financiados por aquele organismo, cujos requisitos e objetivos muitas vezes vão ao encontro de interesses internacionais, em detrimento do nosso desenvolvimento social.  

Ao lado de considerações teóricas de cunho geral, o relatório dedica específica atenção ao Brasil, tecendo considerações sobre políticas governamentais implementadas em nosso país e seus impactos no desenvolvimento nacional.  

O Brasil é citado como um exemplo do que pode dar errado quando um governo é muito descentralizado. Senhoras e Senhores Senadores, estamos assim diante da constatação de que o Banco Mundial se acha no direito de opinar sobre a forma como o Senado Federal, a quem compete privativamente tal responsabilidade constitucional, deve agir ou deixar de agir em relação à matéria.  

Trata-se, no mínimo, de intromissão indevida, por não se tratar de tema que diga respeito àquele organismo, o qual deveria, prioritariamente, cuidar do cumprimento dos próprios objetivos, antes de se permitir opinar ou cobrar rumos de qualquer país ou governo sobre outras questões.  

Apesar disso, Senhor Presidente, e em função da relevância que o tema assumiu na mídia nacional, permito-me tecer algumas considerações sobre as soluções do Banco Mundial que não me revelaram qualquer novidade significativa.  

Entre as políticas sugeridas, estão a contenção dos gastos de pessoal e o final da estabilidade do funcionalismo público, questões que estão devidamente equacionadas e em processo de implementação nos governos das três esferas, com a coerência e segurança que o assunto requer e dentro das possibilidades e características nacionais. Não há, pois, qualquer sentido em apresentar tal caminho como inovação para o Brasil.  

Sobre a descentralização decisória, com a correspondente repartição tributária, para os Estados e Municípios, o relatório a enquadra como uma causa substantiva dos rombos fiscais, ressalvando o caso da cidade de Curitiba, que é citado como exemplo de sucesso na condução local das ações de governo.  

Ora, Senhor Presidente, o Banco Mundial constata que a localização dos esforços do Estado representa o cenário sobre o qual o mundo deve trabalhar no próximo milênio; no entanto, critica as ações brasileiras em tal sentido, o que nos permite relembrar a já mencionada tese de que os objetivos daquele organismo, claros ou velados, não são necessariamente os mesmos dos países em que são implementados seus projetos.  

Em síntese, as recentes notícias devem servir para que conheçamos e reflitamos sobre as opiniões da comunidade mundial a nosso respeito, sem contudo significar que organismos internacionais devam ter maior influência em nosso caminho.  

Queremos, sim, o apoio de tais entidades, das quais somos integrantes, parceiros e até mesmo financiadores em alguma medida. Não queremos, porém, que nos venham oferecer receitas de "pratos prontos", das quais não conhecem nem os ingredientes nem as condições de preparo, que são inerentes às peculiaridades sociais, econômicas e políticas de nosso país.  

O Banco Mundial colecionou e tornou patente seu fracasso estrutural. A receita do FMI também não está representando um remédio eficaz para nossos problemas. Por isso, temos que cuidar de nosso caminho e não esperar que outros o façam, porque tenho a certeza de que não o farão.  

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/09/1999 - Página 25196