Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE PRIVATIZAÇÃO ADOTADO PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. PRIVATIZAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE PRIVATIZAÇÃO ADOTADO PELO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/1999 - Página 30666
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, CRIME, HOMICIDIO, TRAFICO, DROGA.
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, ORADOR, DESTINAÇÃO, COMISSÃO MISTA ESPECIAL, COMBATE, POBREZA, MISERIA, REALIZAÇÃO, VISITA, FAVELA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), OBJETIVO, OBSERVAÇÃO, VIDA, CIDADÃO, TRAFICO, DROGA.
  • CRITICA, SISTEMA, PRIVATIZAÇÃO, PAIS, COMENTARIO, POSSIBILIDADE, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, PROCEDIMENTO, TRANSFERENCIA, CONTROLE, INICIATIVA PRIVADA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Fico alegre por vê-la ocupando a Presidência, mas sinto-me já magoado pela impossibilidade de ter a honra do seu aparte.  

Estou aqui até este momento, faltam quinze minutos para as 14h, porque creio que - tenho que ir a Porto Alegre ainda hoje, pois amanhã lançarei um livro na Feira do Livro do Rio Grande do Sul - explodiria se não dissesse algo sobre a página do Correio Braziliense de hoje.  

Juro por Deus que se trata de um filme de terror. À exceção do Correio Braziliense, aliás um jornal fantástico, não sei se houve reprodução em outros jornais.  

Um menino de treze anos foi torturado, teve a coluna quebrada, foi queimado com óleo quente e recebeu um tiro na cabeça. Tivemos um caso aqui em Brasília de um índio queimado vivo na parada de ônibus. Os jovens da sociedade que o queimaram disseram não saber tratar-se de um índio, pensavam ser um mendigo. Tivemos agora o caso daquele cidadão, quase médico - faltavam dois meses para que ele obtivesse o diploma de Medicina - que cometeu três assassinatos, fruto de seu estado psicológico e da sociedade em que vivemos, da televisão que temos. Deceparam, com uma motosserra, os braços e as pernas do menino, mecânico, Agílson Santos Firmino, não é o crime mais cruel, porque este fato já conhecíamos. No Acre, o fato de que a quadrilha do ex-deputado serrou as pernas e os braços de um mecânico foi o primeiro fato que soubemos desta gente. Mas, diz a imprensa, não foi o crime mais violento que eles praticaram dos vários crimes e acusações atribuídas à família dos ex-deputado do Acre, Hildebrando Pascoal, cassado por falta de decoro parlamentar. Falta de decoro parlamentar! Cassado porque é um nazista, um criminoso, um homem hediondo que realmente não se sabe como conseguiu forjar uma personalidade tão doentia e como um homem com uma personalidade assim consegue chegar á Câmara dos Deputados e conviver o tempo que ele conviveu naquela Casa.  

Para que delatasse o paradeiro do pai, um garoto de 13 anos foi torturado com uma faca, como não confessasse onde estava o pai foi queimado vivo com óleo quente usado para preparar o asfalto, teve sua coluna vertebral quebrada e levou um tiro na cabeça.  

O horror foi denunciado ontem à justiça do Acre pelo Ministério Público Estadual. O menino, Wilder Oliveira Firmino, era filho do mecânico Agílson, acusado de ter participado da morte do subtenente da Polícia Militar.  

Srª Presidente, não sei se o que estamos vivendo não deixa de ser algo positivo. Na verdade, esses fatos estão vindo à tona e não estão acontecendo apenas hoje, mas vinham ocorrendo sem que tivéssemos conhecimento. E não nos esforçávamos muito para termos conhecimento. Algo mais deve ser feito do que o Presidente da República designar Comissão.  

Vim de um ato ecumênico - do qual V. Exª, lamentavelmente, não estava sabendo, e sua presença foi noticiada - em homenagem à ilustre Prefeita assassinada no centro do Brasil. Antes da homenagem, foi apresentado um vídeo em que ela contava o que estava fazendo e o que pretendia fazer, de certa forma antecipando sua morte. Foi por aquilo que ela morreu. Não fora aquilo, ela seria prefeita, seria reeleita, estaria muito bem, mas resolveu denunciar os fatos que estavam acontecendo na nossa fronteira de Mato Grosso.  

Não sei, mas penso que estamos perdendo a capacidade de nos indignar, e isso é muito grave. Quando se fala em roubar, fala-se com muitos zeros a mais do que aqueles a que estávamos acostumados. De violência dessa natureza, não me lembro nem no tempo da ditadura militar! E vejam que se cometeu violência, mas, queimar viva uma criança de 13 anos? Eu não me lembro! E isso está acontecendo em pleno Brasil do Senhor Fernando Henrique Cardoso, em plena democracia, com liberdade total de imprensa, com as denúncias que aqui fazemos. E o cidadão que comandava isso era um Deputado Federal. Um Deputado Federal! Aonde vamos chegar?  

Pedi à CPI do Judiciário - e isso deve ter sido aprovado hoje de manhã - que a ela compareça meu ilustre conterrâneo do Rio Grande do Sul, mas Deputado Federal pelo Ceará, Moroni Torgan, Relator da Comissão que trata da violência e do tráfico de drogas. Considero isso muito importante, porque o Senado não pode ficar excluído.  

O Presidente da República reuniu algumas entidades, além de policiais e Parlamentares da Câmara dos Deputados, e criou uma Comissão, cujo destino ainda não sei, mas penso que o Presidente Fernando Henrique deveria assumir seu comando. Além disso, pari passu com a Comissão, Sua Excelência deveria ter reunido em seu Gabinete o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Presidente do Senado, o Presidente da Câmara e o Procurador da República para que a Nação, institucionalmente como Nação, demonstrasse sua presença.  

Quero muito ver a exposição do Relator Moroni Torgan, Delegado de Polícia brilhante e Deputado excepcional. Vejo com respeito o trabalho dos Parlamentares na Câmara dos Deputados e, que eu conheça, talvez seja essa a Comissão da Câmara que tenha ido mais longe na investigação de um fato e que esteja chegando mais perto dele.  

Alguém da imprensa critica, dizendo que é um espalhafato para dizer coisas das quais apenas não se tomou conhecimento antes, embora já viessem acontecendo, a não ser pelo Deputado cassado; mas acredito, com toda a sinceridade, que nunca se chegou tão perto. S. Exªs estão fazendo o que devem fazer.  

Os jornais e a televisão mostraram esses Deputados num barco na baía de Guanabara para tomar conhecimento de como ocorre o tráfico de drogas. De repente, quando se aproximavam de uma favela à margem da baía, o comando retira-os violentamente dali, porque, de cima das casas das favelas, estavam vendo pessoas da Máfia com armas poderosas dirigidas aos Deputados. E voltaram.  

Talvez vou propor à Comissão de Pobreza, que já está no final dos trabalhos, ou a uma Comissão de Parlamentares para ver se temos coragem de entrar numa favela do Rio de Janeiro. Repare-se que uma Comissão de Deputados, que trata do tráfico de drogas, acompanhada da polícia do Rio de Janeiro, teve de ser retirada às pressas da baía de Guanabara, porque estava sob os binóculos e sob a investigação dos homens do terror da favela. A Polícia Federal aconselhou que os Parlamentares se retirassem, pois não podia garantir a vida deles. Se isso acontece com a Comissão que tem o prestígio, as manchetes, o noticiário, a cobertura jornalística a seu favor, com credibilidade e respeito, imagine-se como deve ser o dia-a-dia daquela gente! Como deve ser o dia-a-dia daquelas pessoas que vivem ali?  

Minha querida Senadora, há cinco anos, no Governo Collor - ele também participou - e depois no Governo Itamar, como membro da Comissão de Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, apresentei uma proposta e, durante três anos, no Gabinete do Presidente do Supremo Tribunal Federal, reuniam-se para discutir o Presidente do Supremo - num gesto de grandeza inédito, nunca havia ocorrido isso -, o Presidente da Câmara, o Presidente do Senado, o Procurador-Geral da República, o Ministro da Justiça, o Presidente do Tribunal de Contas e o homem da Polícia Federal. Ali estavam os responsáveis pela aplicação da lei: as duas Casas do Congresso, que legislam, o Procurador da República, que denuncia, o Presidente do Supremo, órgão que julga, e o Tribunal de Contas, que fiscaliza. Estávamos ali e, durante muito tempo, tentamos dizer o que se deve fazer na legislação. Por que somente ladrão de galinhas vai para a cadeia? Por que o Brasil é o país da impunidade? Por que essas coisas se repetem e não acontece nada?  

Foi um belo trabalho. Tenho duas publicações acerca dos projetos já aprovados pela Casa ou em tramitação, mas cheguei a uma conclusão: lei no Brasil é algo muito relativo. Se há lugar no mundo onde ninguém liga para lei, esse lugar é o Brasil. Não liga para lei, não liga para medida provisória, não liga para Portaria, não liga para a Constituição, não liga para a ética, não liga para nada.  

Então, o problema não é apenas fazer a lei, mas querer executá-la.  

Participei da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, ocasião em que interferi, trazendo, duas vezes ao Brasil, os célebres magistrados da Operação Mãos Limpas da Itália. Eles vieram para cá, ficaram um longo período conosco na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e fizeram uma longa exposição dos acontecimentos fantásticos que executaram lá. Lá, mais do que aqui.  

Aqui, somente agora estamos começando a conhecer a máfia. Na Itália, a máfia tem uma existência de comando para o mundo e uma tradição de resistência de praticamente dominar, sem haver nenhuma possibilidade de alterá-la. Lá, a Operação Mãos Limpas, que reuniu juízes, procuradores e polícia, fez a revolução. O dono da FIAT, a maior empresa italiana, foi parar na cadeia. Dos mais de 100 Deputados, muitos foram cassados e muitos tiveram de devolver dinheiro ao Tesouro. Havia um número interminável de empresários. Três Ministros foram afastados, indo parar na cadeia, porque a operação foi feita para valer. A operação foi feita para valer! Milhões e milhões de dólares foram restituídos ao Tesouro Público, porque, de repente, não mais do que de repente, os participantes da Operação Mãos Limpas se uniram e resolveram aplicar, executar e fazer para valer.  

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Presidente do Senado Federal, Antonio Carlos Magalhães Magalhães, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República, o Presidente da Câmara dos Deputados, diante do que está acontecendo...  

Achei a reunião do Presidente, realizada na quarta-feira, importante mas muito pequena, de muito pouco significado. O Presidente se reúne e designa não sei quantos Delegados da Polícia Federal e não sei mais quantos não-sei-o-quê, dizendo: "ora, agora vocês vão ver", eu não vejo. O que vejo é que pode ser até que eles descubram A, B, C, D, mas jamais terão a atuação, por exemplo, que está tendo a Comissão da Câmara dos Deputados. Acho que o Presidente deveria se compenetrar da responsabilidade, e não apenas o Presidente da República: as Lideranças da Câmara e do Senado, o próprio Poder Judiciário – que agora está se vendo, lamentavelmente, também tem envolvimento de parcela nessa dolorosa tragédia da máfia do tráfico de drogas –, todos nós devíamos estabelecer; podíamos criar - digamos assim - uma operação no Brasil, determinando normas excepcionais durante um prazo determinado - e a ditadura fez isso "de montão", criou prazo, Ato Institucional n.º 1, Ato Institucional n.º 2 etc. Não, vamos criar uma legislação votada, que num prazo definido, com uma Comissão determinada, com esses direitos, fará essa reivindicação, indo até o fim.

 

Sou muito sincero: nunca me senti tão acabrunhado e sem expectativa como neste momento que estamos vivendo agora. Se olharmos para o geral veremos o Senador Ademir Andrade contando episódios da sua região, ou o caso da hidrelétrica de São Paulo - e, reparem, fui o primeiro a vir a esta tribuna denunciar aquela venda com o dinheiro do BNDES. A Justiça anulou, entendeu ser um absurdo privatizar uma instituição onde, de um lado, estavam os empresários brasileiros, tendo à frente o Sr. Antonio Ermírio de Moraes e com os R$320 milhões! O Projeto Banco do Povo, que existe em vários lugares, a exemplo de Bangladesh, em que se poderia pegar cinco, seis ou sete mil reais para dar ao cidadão que não tem nada... Se, por exemplo, fosse dada a uma mulher uma máquina semi-industrial, com a qual poderá trabalhar, seriam milhares e milhares de pessoas que sairiam das ruas e se tornariam microempresários. E foram trezentos e vinte milhões que o BNDES retirou do Fundo do Trabalhador para dar ao maior grupo de hidrelétricas do mundo para derrotar um grupo brasileiro?!  

Se de um lado é isso, do outro lado é a dolorosa constatação do que estamos vivendo.  

Com relação às privatizações, somente digo uma coisa ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. Um dia, ele não será mais Presidente, um dia o PSDB não mais estará no Governo, um dia essa equipe que o cerca não será a mesma também. Quero dizer, medindo as palavras, porque o que vou dizer agora será repetido no futuro, será lembrado. Um dia, seja quem for o Governo, pode ser eleito pelo Partido do Sr. Fernando Henrique Cardoso, pelo PMDB, ou pelo PT - não importa se de esquerda ou de direita -, um dia, teremos neste Congresso Nacional uma CPI para investigar as privatizações.  

A CPI não será criada para investigar se devia ou não privatizar. Essa é uma outra questão. Acho que foi um crime privatizar a Companhia Vale do Rio Doce. Privatizaram a Vale do Rio Doce. Privatizaram a Vale do Rio Doce por menos dinheiro, quero dizer, privatizaram o subsolo do Brasil por pouco dinheiro. O Britto privatizou 40% a 50% da CEE, a companhia mais difícil e complicada da área de energia elétrica do Brasil inteiro. Não é isso que quero discutir. Vamos discutir não por que privatizou, mas como esse processo aconteceu.  

Não vamos discutir se o modelo era, se não era, se foi errado pegar o patrimônio público. Não, nós vamos discutir como privatizou. Serão analisados os preços, a questão das moedas podres, serão analisados os projetos em que, de um lado, havia a moeda podre e, de outro, quem decidia eram os fundos de pensões, dinheiro público! As grandes decisões das grandes privatizações foram feitas pelos fundos de pensões, dinheiro público! E isso será analisado em uma dramática CPI, e não sei como nos sairemos nessa análise. Sim, porque essa CPI investigará o Executivo, o Congresso Nacional; investigará como é que este Congresso deu licença para privatizar em globo, deu uma licença geral, pode privatizar, e estatais que foram constituídas por lei foram privatizadas mediante portaria. Um dia isso será analisado e em uma situação como essa de hoje. Se receberam 80 bilhões pelas privatizações, não se construíram obras porque o dinheiro era para pagar a dívida, e hoje devemos três vezes mais do que devíamos quando o Senhor Fernando Henrique assumiu o Governo.  

De um lado é essa situação e do outro, no campo da ética, eu não sei.  

A SRª PRESIDENTE (Heloisa Helena. Fazendo soar a campainha) - Senador Pedro Simon, prorrogo a sessão para o tempo necessário à conclusão de seu pronunciamento e para que o Senador Carlos Wilson também possa fazer uso da palavra.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Srª Presidente, agradeço a gentileza de V. Exª e já encerro meu pronunciamento.  

Eu não sei, mas no campo da ética vivemos uma hora difícil da História deste País. E eu me identifico com os nossos amigos do PSDB. Foi muito difícil para mim, como Governador do Rio Grande do Sul, não acompanhá-los, o Covas, o Richa, o Scalco, aquela turma toda que era o meu grupo dentro do PMDB. Eles lá no Palácio insistindo comigo e dizendo: "Olha, não é qualquer Governador - tínhamos 23 Governadores do PMDB -, a maioria dos Governadores do PMDB não queremos que venha de jeito nenhum. Fazemos questão de que seja você etc e tal". E eu, na minha tese, disse: "Olha, creio que o problema não é criar um novo partido. Se estamos magoados, se achamos que o Quércia tem muita força, mas um partido político não pode, de repente, mudar, criar outro porque estamos em baixa. Vamos disputar e ganhar ou não. Se não ganhamos, caímos fora e criamos um outro partido? O partido tem que ter tradição, tem que ter história e vamos ficar juntos para, juntos, mudarmos o nosso partido.  

Mas quando eles foram me disseram: "vê com quem tu vais ficar lá". E eu olhei aquela força, aquela pujança. Quando veio aquela eleição, o partido ganhou praticamente em todos os grandes Estados, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais. Pensei que se estava formando o partido da social-democracia, que era exatamente a terceira via, composta por homens de profundidade: Fernando Henrique, 30 anos com seus livros, com suas obras, com sua biografia; o Mário Covas era uma legenda viva da política brasileira, de seriedade, de bravura, e, de repente, estamos vendo essas coisas acontecerem, esses fatos acontecerem e ficamos sem o direito de ter perspectiva.  

Que perspectiva temos para os próximos três anos do Presidente Fernando Henrique Cardoso? Sua Excelência tem que nos dar o direito de poder sonhar, de poder ter ideal, de ter uma perspectiva do que vai acontecer. Até agora, qual foi o grande gesto, o grande ato do Governo? Foi designar a Comissão Antiviolência para secundar a Comissão do Deputado Moroni Torgan na Câmara dos Deputados? É muito pouco!  

Às vezes, eu me pergunto se o nosso Presidente já não está como no início de seu primeiro Governo, quando dizia que era muito fácil governar o Brasil. Deve estar vivendo um momento de enfado, o que considero muito natural. Um homem com a grandeza, a inteligência, capacidade, que tem vontade de fazer suas leituras, de ouvir música, falar com intelectuais... Olha, acho que se ele fizesse isso seria muito melhor. Se o Presidente Fernando Henrique ficasse na convivência com seus intelectuais, com seus sociólogos e deixasse um pouco de lado os economistas...Que engraçado! Como é que um homem com o estilo dele... Sua Excelência nunca escreveu uma obra de economia. Quando o ex-Presidente Itamar Franco sugeriu seu nome para Ministro da Fazenda foi exatamente porque ele não era economista. A tese de Itamar Franco era jamais colocar banqueiro e economista de São Paulo no Ministério da Fazenda, no Ministério do Planejamento e nos bancos estatais.  

Pois agora, vê-se que ele não tem essa convivência. Ele fala, mas não tem o sentimento do social. Ele defende, ele é uma pessoa ética. Não conheço nada que atente contra a dignidade e a seriedade do Presidente da República. Mas ele não deixa transparecer, no seu Governo, aquilo que ele é e a vontade mais importante e a mais significativa. Isso é muito triste.  

Eu gostaria de ver, quando o Presidente leu esta matéria - se é que chega até ele -, qual a sensação que teve.  

Nunca me esqueço que assumi o Governo do Rio Grande do Sul, ainda não tinha dez dias no cargo, e tive os meus amigos do PT e do PDT, unidos com o PDS e o PFL, todos eles contra o meu Governo, fizeram uma ampla greve exigindo aumento para o magistério que durou cento e tantos dias. Em mais de uma oportunidade, saí do Palácio para ir à frente da praça conversar com as professoras. Uma vez, uma delas me disse: "Não sei, Governador, como é que o senhor consegue dormir à noite, não nos dando aumento, sofrendo como estamos sofrendo. O senhor consegue dormir à noite?" Eu disse: "Olha, minha filha, com relação às professoras, quero dizer que reconheço que ganham muito pouco, que não tiveram o respeito merecido por parte do Governo e que a classe está se deteriorando ano após ano. Agora, eu durmo à noite, porque eu faço o que é possível. Agora, o que não me faz dormir de noite é quando me lembro que durante 30 anos percorri o Brasil em nome das Oposições reunidas, percorri o Rio Grande do Sul e conheço palmo a palmo o meu Estado, conheço as pessoas que estão morrendo de fome, conheço as pessoas que não têm um pedaço de terra, que não têm emprego, conheço pessoas que, praticamente, estão à margem da vida, são párias, não produzem e não consomem. E agora cheguei ao Governo do Estado imaginando, não eu, mas que, um dia, o nosso Partido chegaria lá e mudaríamos isso. Mas não estou vendo chance nenhuma de mudar. Estou me vendo amarrado, cercado por leis, por determinações, pela Assembléia, por pressões e coações. A cada dia que passa, durmo, acordo e tudo está igual; as pessoas estão morrendo de fome, como morriam antes de eu ser Governador".  

Será que o Presidente não tem essa sensibilidade? Será que, de repente, o Senhor Fernando Henrique, Presidente, está agindo como na época do milagre brasileiro, quando se dizia: vamos deixar o bolo crescer para depois distribuir?  

Se o Presidente da República tivesse imitado, nas privatizações, o modelo inglês, tivesse feito as privatizações ao invés de dar, como está fazendo, à meia dúzia de empresas multinacionais desinteressadas; se ele tivesse colocado na Bolsa, se ele tivesse feito a distribuição entre os trabalhadores... Se era para ser moeda podre, se era para ser dinheiro do BNDES, se era para vender por menos da metade do preço, que fosse aberta uma ampla possibilidade para que milhares e milhares de pessoas pudessem ser proprietárias, ou seja, criasse uma espécie nova, onde a sociedade participaria do progresso e do desenvolvimento.  

Esse modelo foi utilizado na Inglaterra e deu certo. Aliás, de certa forma, parece que o novo Ministro do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio, o Sr. Alcides Tápias, está pensando em mudar nosso modelo. Estamos aguardando com grande expectativa e rezando para que S. Exª consiga um modelo semelhante ao inglês.

 

Não sei, mas às vezes me pergunto: fazer o quê? Temos um Congresso que sabemos, a rigor, nada decide. Parece-me que estamos aqui em um Congresso de mentira. Posso ir para minha casa - vou uma vez por mês para Porto Alegre - tranqüilo, já desabafei, já falei sobre o escândalo da morte da criança. Mas e daí, qual será o próximo passo da sociedade? o que faremos?  

Sabemos que o Congresso pouco pode. Cheguei a emocionar-me com a CPI da Pobreza. Vi uma disposição forte, a começar pelo Presidente da Casa, e a unanimidade dos Parlamentares. Agora, que estamos chegando ao final, está faltando algo, eu não sei o quê. Parece que perdemos a capacidade, todos nós, Parlamentares, Executivo de avançar, de colocar as coisas nos seus lugares. Não sabemos mais fazer o óbvio. Será que não passa pela cabeça de alguém que o óbvio, em um país como o nosso, é resolver o problema das pessoas que estão morrendo de fome? Abrimos o jornal, com a maior tranqüilidade, e lemos que a falta de dinheiro faz com que o feijão não esteja mais na cesta básica. Falta de dinheiro faz com que seja reduzida à metade a distribuição de bolsas de alimento. Faltou dinheiro, então corta. Falta de dinheiro faz com que as bolsas estejam atrasadas três meses; falta de dinheiro faz com que a merenda escolar, para não sei quantos Estados, não seja distribuída não sei há quanto tempo. Não sei, juro que não sei! E fica assim. E fica absolutamente assim...  

E ficamos nós aqui discursando. É claro que o esforço não precisa ser tão grande, porque sexta-feira, sábado e domingo estamos liberados; segunda-feira também. De qualquer maneira estamos fazendo a nossa parte. Mas será que tudo isso não é um pouquinho meio de mentirinha? Em que estamos mudando a sociedade brasileira? Estou aqui no Senado há muitos anos: entrei aqui guri e já sou um velho. Fico me perguntando: o que mudou? Só vejo a situação piorar.  

Se olharmos para os que passam fome, veremos que a cada ano aumenta o número deles. Se olharmos para o desnível entre os verdadeiramente pobres e os extremamente ricos, veremos também que ele só aumenta, tanto que o Brasil é o campeão mundial, está hoje em primeiro lugar quando se avalia o desnível da riqueza. É o país onde os ricos são cada vez mais ricos e os pobres são cada vez mais pobres, e a diferença entre uns e outros é a maior do mundo! Se olharmos para a questão da ética, veremos que nada mudou. Lembro-me que foi um escândalo quando se soube que o PC Farias e o grupo do Collor fizeram um carnaval com champanha francês em Paris, festejando o primeiro bilhão que o grupo havia arrecadado. O que é um bilhão hoje? Pelo que vemos, pela quantia que se diz que tem essa gangue do tóxico, pela quantidade de dinheiro que foi entregue aos bancos pelo Proer e companhia - não sei quantos bilhões -, pelo que está acontecendo neste país, podemos concluir que as coisas só estão piorando, que está aumentando a gravidade dos problemas. E nós estamos aqui fazendo a nossa parte. É verdade que faz cinco anos que não aumentam nosso salário, aliás, está certo porque não merecemos. O que há de mais justo é não aumentarem nosso vencimento. Pelo que fazemos, é bom que fique como está por mais uns cinco anos até aprendermos alguma coisa. Mas que é cruel, é cruel!  

O que me assusta é que o modelo continua sendo o mesmo. Um querido amigo, que tenho o maior respeito por ele, é candidato à Presidência da República, está apresentando uma proposta, dizendo que vai mudar, e não sei o quê. Há o querido Governador do Rio de Janeiro dizendo que tem outra proposta, que é isso e mais aquilo. Está o PT reunido, dizendo que tem uma terceira proposta, e mais isso e mais aquilo. Na verdade, não temos nada. Dizem que vão fazer projetos, fazer programas, que vão fazer isso e aquilo. Há coisas que tínhamos de fazer agora, hoje.  

Setenta por cento do que é importante para este país... O Sr. Fernando Henrique tinha de chamar o Lula, o Brizola, o Presidente do PC do B, do PMDB, enfim, o presidente de todos os partidos e lhes perguntar como resolver esses problemas todos. E todos têm a mesma solução: gente que está morrendo de fome tem de parar de morrer de fome. Se um filho meu tivesse morrendo de fome, eu assaltaria uma padaria para pegar comida e levar a ele. Isso está acontecendo com milhões de brasileiros, e nós assistimos a tudo e consideramos isso a coisa mais natural do mundo.  

Peço-lhe perdão, Sr.ª Presidente, pelo meu - diria - desabafo. Não sei nem o que falei direito. Tudo isso veio-me à cabeça. Foi um desabafo. Quando vi a notícia de que foi queimada viva uma criança de 13 anos... Uma gangue de um Deputado Federal... Não sei o que pensar!  

Muito obrigado, Sr.ª Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/1999 - Página 30666