Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REGOZIJO COM A APROVAÇÃO NA COMISSÃO ESPECIAL DA CAMARA DOS DEPUTADOS, DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, DE SUA INICIATIVA, QUE INCLUI A MORADIA ENTRE OS DIREITOS SOCIAIS BASICOS DO CIDADÃO BRASILEIRO.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • REGOZIJO COM A APROVAÇÃO NA COMISSÃO ESPECIAL DA CAMARA DOS DEPUTADOS, DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, DE SUA INICIATIVA, QUE INCLUI A MORADIA ENTRE OS DIREITOS SOCIAIS BASICOS DO CIDADÃO BRASILEIRO.
Aparteantes
Alvaro Dias, Maguito Vilela.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/1999 - Página 32404
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • ELOGIO, APROVAÇÃO, COMISSÃO ESPECIAL, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, DESIGNAÇÃO, HABITAÇÃO, DIREITOS SOCIAIS, CIDADÃO, PAIS.
  • DEFESA, DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, FORNECIMENTO, HABITAÇÃO, FAMILIA, BAIXA RENDA, PAIS.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, MELHORIA, SITUAÇÃO, VIDA, CIDADÃO, BAIXA RENDA, AUMENTO, EMPREGO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero trazer ao conhecimento desta Casa e dos nobres colegas um fato que tem o gosto de vitória. Não apenas para mim, como autor da iniciativa, mas creio que também para todo o Congresso, e principalmente para a grande maioria da sociedade brasileira, que vive o drama da falta de moradia.  

Depois de cumprir todas as etapas do processo legislativo, está chegando ao Plenário da Câmara dos Deputados, para aprovação definitiva, a proposta de emenda constitucional que consagra a moradia como direito social dos nossos cidadãos, no mesmo nível de outras garantias incorporadas pela Constituição de 1988, como educação, saúde, trabalho, segurança e previdência social.  

Quando falo em gosto de vitória, não estou cultuando a primeira pessoa. Pelo contrário. Tive oportunidade de apresentar a proposta de emenda em 1996, inspirado pelas conclusões da Conferência Habitat II, que foi promovida naquele mesmo ano pela ONU, em Istambul. Mas quero dividir a honra dessa conquista com os queridos companheiros que garantiram, nesta Casa, a aprovação unânime da proposta. Essa mesma sensibilidade social prevaleceu na Câmara dos Deputados, onde devo reconhecer a importante contribuição que foi dada pela Deputada Almerinda de Carvalho, a ilustre relatora, que produziu um brilhante parecer ao defender a aprovação da matéria na comissão especial que a analisou. Outro papel fundamental foi exercido pela Deputada Marisa Serrano, que garantiu a celeridade dos trabalhos e a aprovação da PEC, como presidente da comissão especial.  

Minha iniciativa destina-se a corrigir uma omissão da Assembléia Nacional Constituinte, que não incluiu a moradia entre os direitos sociais básicos do povo brasileiro. O consagrado jurista Pontes de Miranda já havia estabelecido o princípio de que a moradia é um daqueles direitos que se erguem diante do Estado como o mais elevado dos direitos humanos. Essa definição indica que o reconhecimento do direito à moradia emana simplesmente da condição de sobrevivência. Desde o seu surgimento no planeta, o homem não sobrevive às intempéries sem o seu abrigo, sem o seu habitat. 

Se a própria natureza proporciona abrigo a todas as espécies e a algumas delas garantiu capacidade e habilidade para construir esse abrigo, está fora de dúvida que os seres humanos, líderes pensantes de todas as espécies, não podem ser excluídos de um direito que abrange todas as sociedades. É uma lógica que preside, portanto, a própria vida sobre a Terra e que não pode nem deve discriminar ninguém, principalmente os desvalidos de outros direitos. Os pobres, os miseráveis, os analfabetos, os profissionalmente desqualificados, numa sociedade desigual como essa em que vivemos, esses, principalmente, devem ter a proteção do Estado na conquista do direito de morar. E é particularmente para esses mais esquecidos da sorte que se dirigem as preocupações da proposta de emenda constitucional que está para ser aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados.  

Srªs e Srs. Senadores, dados estatísticos que foram levantados no ano passado pelo IBGE confirmam a cruel realidade: temos um déficit de habitação que atinge cinco milhões e cem mil famílias. Desse total, mais de três milhões sobrevivem com uma renda mensal que é igual ou inferior a dois salários mínimos. Outra grave constatação é que os números só não são mais alarmantes por um fato que distorce a realidade social no setor de habitação: o IPEA classificou como "moradias" os barracos de favelas e outras formas miseráveis de abrigo, como as palafitas, que estão espalhados por toda a imensa paisagem social do nosso País. Se não tivesse sido usado esse critério conservador, o déficit chegaria a doze milhões de unidades.  

Dado importante a considerar, fazendo-se a projeção desses números, é que nossos desabrigados podem chegar a números alarmantes, que oscilam entre 25 e 60 milhões de pessoas, já que a família brasileira tem em média cinco pessoas. Esse fato resulta de uma fatalidade: nosso déficit habitacional é diretamente proporcional à pobreza, e por isso concentra-se nas regiões mais pobres e nas camadas sociais de menor poder aquisitivo. E é justamente por isso que está na Região Nordeste o maior déficit regional do Brasil, de mais de 2 milhões e 300 mil moradias.  

Esse déficit de residências é também conseqüência direta do acelerado processo de urbanização que ocorreu no País nas últimas décadas. Em 1940, a nossa população rural girava em torno de 68% da população global. A partir de meados dos anos 60, o processo de transferência do campo para as cidades se acelerou. Em 1970, a população urbana já era superior a 55%. Os últimos dados disponíveis, relativos ao ano de 1996, indicam que 78% da população brasileira está concentrada nas cidades, permanecendo na área rural um contingente de apenas 22% dos nossos habitantes. O incontido movimento migratório que mudou a paisagem urbana do País é, portanto, outro fato gerador que está na origem do déficit habitacional do Brasil.  

As políticas públicas empregadas pelos sucessivos governos estiveram sempre distantes da realidade. Os beneficiários dos financiamentos são exatamente aqueles que podem pagar. A Caixa Econômica Federal experimentou vários modelos de financiamento, mas continua devendo uma solução definitiva, que corresponda ao seu papel de banco social. Isso leva a uma verdade inquestionável: no geral, os programas são feitos para os que menos precisam. E para resolver de vez a questão social da moradia não vejo, sinceramente, outro caminho que não seja através do orçamento público. Ou seja: a questão só se resolverá quando forem destinados recursos públicos suficientes, e a fundo perdido, para as famílias de baixa renda.  

Com financiamentos de longuíssimos prazos, juros sociais e prestações de valor compatível com a renda, teríamos um programa social de verdade, com reflexos na recuperação dos níveis de emprego, com redução do índice de criminalidade, que deriva basicamente da ruptura do equilíbrio familiar, e com a melhoria efetiva dos padrões médios de bem-estar da sociedade brasileira.  

A indústria tem buscado soluções alternativas, que barateiam a construção, sem perda dos níveis ideais de segurança, mesmo sem o estímulo de políticas públicas adequadas. Há modelos de casas pré-fabricadas cujo custo final não passa de R$7 mil, para uma construção de 50m². E, em Goiás, temos a experiência de construções de 40m², a um custo de R$2,5 mil por unidade, através do sistema de meio mutirão. Com uma política nacional de massificação de construções populares, creio que poderíamos chegar, portanto, a custos finais muito baixos, democratizando o acesso de futuros beneficiários.  

Todas essas considerações levam ao argumento irrecusável de que só poderemos resolver o problema da moradia quando for garantido o amparo da Constituição. A inserção do direito à moradia no texto constitucional tem o sentido prático de criar um instrumento real que dê respaldo às ações e às pressões do Congresso e da própria sociedade sobre os programas orçamentários da União. É esse o objetivo.  

Tenho ouvido, com alguma freqüência, a alegação de que a saúde, a educação e a segurança, por exemplo, são direitos historicamente descumpridos, apesar das garantias constitucionais. É meia verdade, Sr. Presidente. Os recursos orçamentários existem, não são escassos, mas são mal aplicados. No caso da moradia, esse questionamento pode ser respondido com uma observação muito simples: se tivéssemos recursos orçamentários a fundo perdido, como temos para outros setores sociais, não estaríamos vivendo o vergonhoso déficit habitacional de hoje. Posso até inverter o raciocínio: se tivéssemos mais habitações para a população de baixa renda, gastaríamos menos com saúde e segurança, e teríamos mais recursos para a educação, grande indutora do desenvolvimento econômico e social.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - V. Exª me permite um aparte, Senador Mauro Miranda?  

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Com todo o prazer, Senador Maguito Vilela.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Em primeiro lugar, cumprimento-o pelo pronunciamento extremamente oportuno e também pela iniciativa de apresentar essa emenda constitucional, que visa garantir a todo cidadão brasileiro o direito social à moradia. V. Exª, sem dúvida alguma, aborda esse tema com precisão quando afirma que a educação, a saúde e a segurança pública são direitos reconhecidamente importantes para toda a população. E está convicto de que sem moradia não há uma boa educação, não há segurança, não há saúde. Não adianta, portanto, ter garantidos esses três direitos se também não houver o direito à moradia, o mais importante deles. O pai de família que não oferece moradia para sua esposa e seus filhos nunca tem tranqüilidade, pois os aluguéis são caros, o que faz com que tenham que se mudar constantemente, situação que gera mais insegurança. V. Exª lembra ainda outro ponto importante: cinco milhões de brasileiros não têm moradia e outros sete milhões têm moradia extremamente precária. E quando se visitam os lugares mais pobres, os lugares mais humildes deste País, podemos perceber que a grande reclamação do povo pobre é realmente a moradia. Parabenizo, portanto, V. Exª, que não só aborda o problema, mas também toma uma providência: pede ao Congresso Nacional que aprove a sua proposta de emenda à Constituição, para que todos os brasileiros possam ter assegurado o direito sagrado de morar ao lado da sua família. Esses sete milhões de brasileiros a que V. Exª se referiu, e que estão sob lona preta, em casas de pau-a-pique, em casas de papelão ou embaixo dos viadutos e das pontes, também precisam ter atenção especial do Governo brasileiro. Quero congratular-me com V. Exª, cumprimentá-lo por essa emenda felicíssima, que assegura o direito social à moradia, pois talvez seja uma das emendas ou a emenda mais importante que este Congresso aprovará. Em Goiás, ao longo dos anos, com a ajuda de V. Exª, fizemos mais de 30 mil moradias populares a R$2,5 mil, conforme V. Exª já havia dito. Inclusive, visitando Maurilândia, cidade tão bem administrada pelo Prefeito José Carlos, verifiquei que ele construiu 400 casas, por intermédio da prefeitura, por R$2,5 mil cada unidade de 40m². Dessa forma, parabenizo V. Exª pela extraordinária idéia de assegurar esse direito a todos os brasileiros.

 

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Maguito Vilela. Quero dar o testemunho, nesta Casa, de que V. Exª, como governador, fez um trabalho muito voltado para a área social, com a cesta básica, a garantia do leite e do pão para as crianças carentes e a moradia, como também o fez o antecessor, o grande Líder de Goiás, Senador Iris Rezende, que fez muitas moradias, milhares de moradias em apenas um dia, no regime de mutirão. E é essa cultura que nós, de Goiás, temos, que me inspirou a fazer essa emenda sobre a moradia.  

Na edição de hoje, o jornal O Popular denuncia, em editorial, o impasse das inadimplências, que atinge mais de 30% dos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação. O uso da TR como índice de correção eleva violentamente a dívida e inviabiliza os programas administrados pela Caixa Econômica Federal. Essa, para mim, é outra conseqüência trágica de uma realidade em que não temos a proteção constitucional. Incluída a moradia entre os direitos e garantias individuais, teríamos como exigir o tratamento social dessa questão na legislação federal.  

O teto é instrumento precioso de integração familiar e social, contribuindo para a redução da violência urbana, do consumo de drogas, e, seguramente, do desemprego, porque quem tem endereço, tem um referencial mínimo para facilitar as relações de trabalho. Uma família reunida sob um mesmo teto é uma família que conversa, que se solidariza e que, por isso mesmo, está mais distante dos motivos que levam à desagregação e à marginalidade.  

Por isso, acredito que estamos caminhando na direção da conquista de um dos direitos humanos mais fundamentais para o equilíbrio da sociedade brasileira. Para mim, é motivo de orgulho e de honra ter dado a minha contribuição para a conquista desse direito essencial pela sociedade brasileira. Mas estou certo de que esse direito só vai existir, na prática, se contarmos com a presença e a adesão de todos os segmentos organizados da sociedade civil, como a Igreja, os sindicatos e os clubes de serviço, por exemplo.  

Também será indispensável o envolvimento dos nossos prefeitos, porque não vivemos na União ou nos Estados, mas nos Municípios, onde as coisas acontecem de fato.  

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Ouço V. Exª com muito prazer.  

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Mauro Miranda, realmente é uma conquista fixar no texto constitucional, de forma contundente, a responsabilidade do Governo com a moradia, sem dúvida direito do cidadão e obrigação do Estado. Há poucos minutos, coincidentemente, recebi um telefonema do Prefeito de São Joaquim da Barra, em São Paulo, que me disse que o maior drama na sua cidade é a inadimplência no setor habitacional. Sem saber o que fazer para resolver essa situação, S. Exª sugere uma alternativa, assim como o fazem diariamente prefeitos, lideranças políticas e, principalmente, organizações que defendem o direito dos mutuários. Ele propôs um alargamento dos prazos para pagamento das dívidas e um novo indexador para o reajuste, já que a TR, como bem frisa V. Exª, é incompatível com a realidade salarial brasileira. Tal indexador, que seria discutido pelo Governo, tornaria viável o pagamento das prestações da casa própria. A situação hoje é absurda. O Sistema Financeiro da Habitação se transformou numa arapuca, em detrimento do interesse do mutuário e favorável ao agente financeiro. É bom frisar sempre: depois de 95% do prazo dado ao mutuário para o pagamento do imóvel, ele constata que não pagou absolutamente nada, a não ser juros, taxas e o seguro, e que deve tudo e um pouco mais. E se levar o seu imóvel ao mercado, o mutuário vai constatar que deve ao SFH mais do que vale o imóvel. Portanto, V. Exª está de parabéns por se preocupar com uma questão eminentemente social. Fico espantado com a insensibilidade do Governo, que não propõe alternativas viáveis para solucionar esse problema.  

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Agradeço, Senador Álvaro Dias, o aparte de V. Exª, que vem reforçar o meu pronunciamento. Ressalto que o País todo conhece o trabalho de V. Exª, como grande Governador do Paraná que foi, e também o trabalho e a coragem cívica que tem mostrado no Senado Federal.  

Para mim, é motivo de orgulho e de honra ter dado contribuição para a conquista desse direito essencial pela sociedade brasileira. Estou certo, entretanto, de que ele só existirá na prática se contarmos com a adesão de todos os segmentos organizados. Precisamos de todas as igrejas, dos sindicatos, das organizações, dos clubes de serviços de todas as áreas, das associações de bairros, para fazer um grande movimento nacional em favor da moradia.  

Acredito que, ainda este ano, o Plenário da Câmara respaldará a aprovação dos órgãos técnicos da Casa, para que possamos, afinal, comemorar a promulgação da proposta de emenda constitucional da moradia.  

Quero dividir com os ilustres e queridos colegas a honra dessa conquista, que está para ser consolidada pelo voto final do Plenário da Câmara. Será, afinal, uma vitória do povo brasileiro, que todos representamos nesta Casa.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/1999 - Página 32404