Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A III CONFERENCIA DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO, EM SEATTLE, NOS ESTADOS UNIDOS. LAMENTANDO O CONFRONTO ENTRE A POLICIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL E DE TRABALHADORES DA NOVACAP QUE REIVINDICAM AUMENTO SALARIAL.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A III CONFERENCIA DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO, EM SEATTLE, NOS ESTADOS UNIDOS. LAMENTANDO O CONFRONTO ENTRE A POLICIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL E DE TRABALHADORES DA NOVACAP QUE REIVINDICAM AUMENTO SALARIAL.
Aparteantes
Moreira Mendes.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/1999 - Página 33705
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • REPUDIO, VIOLENCIA, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), POLICIA MILITAR, DISTRITO FEDERAL (DF), REPRESSÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, SALARIO, PROVOCAÇÃO, MORTE, TRABALHADOR, COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL S/A (NOVACAP).
  • DEFESA, NECESSIDADE, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, DELITO.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DISCUSSÃO, PROCESSO, LIBERAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, OBJETIVO, REDUÇÃO, ELIMINAÇÃO, POLITICA, RESTRIÇÃO, LIBERDADE, COMERCIO, ESTABELECIMENTO, NORMAS.
  • COMENTARIO, POLEMICA, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), REFERENCIA, INTERESSE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UNIÃO EUROPEIA, INCLUSÃO, NORMAS, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, NATUREZA SOCIAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO BRASILEIRO, DEFINIÇÃO, POLITICA INDUSTRIAL, POLITICA AGRARIA, PAIS, QUESTIONAMENTO, EFICACIA, FORMA, ABERTURA, MERCADO INTERNO.
  • CRITICA, TENTATIVA, PAIS INDUSTRIALIZADO, IMPOSIÇÃO, TUTELA, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, IMPEDIMENTO, ESTABILIDADE, BALANÇA COMERCIAL.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, desejo, da tribuna do Senado, fazer um comentário sobre a 3º Conferência Ministerial sobre a Organização Mundial do Comércio, que está sendo realizada em Seattle. Antes, porém, eu não poderia deixar de fazer um outro comentário profundamente triste – e acredito que esse seja o sentimento da maioria absoluta dos Senadores desta Casa – sobre o episódio de violência ocorrido ontem, praticado contra cidadãos que estavam reivindicando salários e melhores condições de vida dentro do Distrito Federal.  

Lamentavelmente, um confronto entre a Polícia do Distrito Federal e reivindicantes de salário, segundo o jornal O Globo de hoje, redundou na morte de um cidadão, na perda da visão de um dos olhos de dois cidadãos e de vários feridos – alguns gravemente.  

É incompatível com os tempos atuais depararmo-nos com uma cena de violência como a ocorrida ontem. Creio que não há qualquer justificativa que possa ser compreendida pela sociedade civil, pela sociedade organizada sobre as ações praticadas pelo Governo do Distrito Federal. O cidadão policial que praticou o ato criminoso é apenas um instrumento do Governo; e um Governo, Sr. Presidente, que é responsável pela gestão da Capital do nosso País, pelo nosso Distrito Federal. Portanto, não é qualquer governo. Ele tem uma responsabilidade muito mais elevada de garantir a ordem pública e de estabelecer a tranqüilidade. Assim, deve estar preparado, pois é na Capital da República que se afirma o grande debate sobre a situação nacional, sobre os grandes temas sociais. É na Capital da República que se reivindica aquilo que é de direito do trabalhador e das políticas públicas, que devem caminhar corretamente.  

O Correio Braziliense de hoje afirma que, desde 1988, não há um caso de assassinato ou de morte violenta em nosso País em função de um encontro de reivindicações entre trabalhadores assalariados e policiais, que são os responsáveis pela ordem pública. Ou seja, lamentavelmente, onze anos depois do último registro de violência, testemunhamos mais um episódio da brutalidade humana que se aplica em pessoas que estão reivindicando apenas melhor condição salarial.  

Acredito que esse fato agride a consciência ética, agride a consciência nacional. Espero sinceramente que a própria Presidência da República tome uma atitude coercitiva e responsabilize criminalmente quem praticou um delito dessa natureza.  

Não consigo imaginar que, às vésperas do segundo milênio, um ato pacífico de busca do direito dos trabalhadores resulte em confronto e morte. O aparato policial tem de agir, sim, para garantir a ordem pública. É um preceito constitucional. Mas a evolução desse ato para o crime, para o assassinato de um trabalhador é algo que não se pode aceitar e que não se pode reparar nunca mais. O Distrito Federal está manchado com o sangue da violência praticada pelo Governo que dirige hoje a Capital do País.  

Não posso aceitar que essa atitude seja resolvida apenas com uma nota oficial do Governo do Distrito Federal, que tenta justificar um episódio dessa natureza. Duas pessoas perderam a visão de um dos olhos. As pessoas que estão feridas têm uma história para contar sobre o episódio.  

A Justiça do nosso País, o Ministério Público e as autoridades de Estado têm que se manifestar. Não consigo aceitar um episódio desse na condição de um representante público; não consigo imaginar que, às vésperas do segundo milênio, ainda se mate alguém quem quer receber o seu salário.  

Espero sinceramente que todas as representações sociais que buscam a defesa dos direitos humanos deste País estejam atentas e ajam na defesa da integridade física do trabalhador brasileiro, na defesa de uma Polícia que não tem razão nenhuma para praticar a violência, que deve apenas cumprir a ordem pública por meio da técnica da defesa, da técnica do controle social e da técnica do controle de manifestações reivindicatórias.  

Fica este registro de profunda indignação pelo ocorrido ontem, que acredito ser do Brasil inteiro. A meu ver, esse episódio acaba com a vida política do Governador do Distrito Federal e deixa uma marca de sangue irreparável na Capital do País.  

Sr. Presidente, eu gostaria de me reportar à 3ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, cuja data de realização é de 30 de novembro a 3 de dezembro. Os países que se organizam por intermédio das relações comerciais da Organização Mundial do Comércio, que é o grande elo de inter-relação de organização e discussão sobre o interesse dos países aliados, tem como marco de reunião essa conferência que está ocorrendo em Seattle, nos Estados Unidos, que vai definir, até o dia 3 de dezembro, os representantes de 134 países e o que vai acontecer nas relações do Planeta no início do próximo milênio.  

Durante o evento deverão ser definidos os temas e procedimentos gerais da denominada Rodada do Milênio, que deverá estender-se por três anos, cujo início está previsto para o primeiro semestre do ano 2000. Essa será a nona rodada de negociações em torno do processo de liberalização do comércio mundial e tem como objetivo a redução e/ou a eliminação das políticas dos Estados nacionais consideradas restritivas para o livre comércio e o estabelecimento de novas regras para o comércio internacional de mercadorias e serviços.  

A OMC foi criada em fevereiro de 1994 pela Declaração de Marrakesh. Entrou em vigor ou em funcionamento em 1º de janeiro de 1995 e entre suas atribuições formais está disciplinar o comércio internacional e resolver possíveis controvérsias nessa matéria.  

A OMC herdou as tarefas do antigo GATT - Acordo Geral de Tarifas e Comércio -, mas, ao contrário dele, que possuía caráter apenas protocolar, possui poder disciplinar também.  

As discussões em Seattle vêm sendo marcadas pela falta de consenso e por um certo pessimismo por parte dos negociadores quanto a eventuais avanços nas relações comerciais internacionais. O motivo principal é que nenhum país envolvido está disposto a abrir mão das barreiras que protegem seus mercados – nem mesmo o Brasil.  

Em declaração recente, publicada no dia 29 de novembro do corrente ano, no Caderno Especial do Correio Braziliense, dedicado à conferência da OMC em Seattle, o Sr. Ministro da Agricultura, Dr. Marcus Vinícius Pratini de Moraes, lembra que "o discurso dos países ricos é bem conhecido". Segundo afirma o Sr. Ministro, "eles pregam a abertura do mercado dos outros, mas não abrem mão das fronteiras deles".  

O problema é exatamente esse. De um lado das negociações encontram-se os países ricos e, do outro, os países em desenvolvimento. Os primeiros não abrem mão da proteção aos seus próprios mercados, ao passo que os demais não aceitam ceder uma vez mais sem a contrapartida das grandes potências.  

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que abriga 29 países, entre eles os sete mais ricos do Planeta, estima que haverá ganhos da ordem de US$757 bilhões para esses países caso sejam abolidas as tarifas em 2010, o que representaria um crescimento de 2,5% em suas economias. Segundo seus cálculos, os demais países também lucrariam com o incremento do comércio internacional, com um crescimento de 4,9% no PIB e um ganho de US$455 bilhões.  

No entanto, Sr. Presidente, segundo o UNCTAD, um organismo das Nações Unidas, a realidade não é bem assim. Se entre 1990 e 1998 as exportações brasileiras para os países da União Européia tiveram um aumento de 49%, nossas importações de produtos europeus aumentaram no mesmo período 280%. Os dados da Unctad revelam que a tão propagada abertura de nada adiantou para a criação de empregos, nem tampouco para o crescimento do Brasil, gerando, ao contrário, enormes déficits comerciais e uma grande dívida social.  

A política unilateral da liberalização da economia agrícola tem gerado danos profundos ao País e uma crise socioeconômica sem precedentes no campo. Enquanto nos Estados Unidos e na União Européia houve um aumento sensível dos subsídios à agricultura, com pagamentos diretos e compensatórios e outras formas de suporte à produção, no Brasil os agricultores estão cada vez mais endividados.  

No Brasil o crédito caro e limitado tem levado a um grau profundo de deterioração da renda agrícola, que resulta no êxodo rural e na extinção de cerca de um milhão de estabelecimentos agrícolas, dos quais 96% possuem área de até 100ha (dados fornecidos e confirmados).  

Embora os países ricos advoguem a tese da liberalização econômica e da quebra de barreiras protecionistas, eles mesmos não abrem mão do protecionismo no que respeita a sua própria economia, a sua indústria e a sua agricultura.  

Os ministros dos países membros da União Européia, conscientes das dimensões estratégicas da agricultura e dos efeitos nefastos da liberalização e da quebra de barreiras agrícolas e protecionistas sobre sua economia e sua cultura, reafirmaram, em reunião recente em Genebra, o firme propósito de não fazerem concessões na chamada Rodada do Milênio.  

Outros dois pontos polêmicos em relação à Conferência da OMC diz respeito ao interesse dos Estados Unidos e à União Européia de incluírem nas discussões regras para a proteção ambiental e normas trabalhistas de cunho social. Se os negociadores representantes dos países ricos obtiverem sucesso em seu pleito, a OMC passará a ter plenos poderes para punir empresas infratoras.  

O problema é que, embora a proposta seja justa, ela dá margem ou serve de pretexto a manipulações econômicas com base em argumentos éticos, nem sempre fundamentados, que fortalecem o protecionismo por parte dos países desenvolvidos contra os países pobres. Os países em desenvolvimento têm graves dificuldades político-econômicas para adaptar-se e para dotar, em tempo recorde, parâmetros e regras estabelecidos pelos países ricos.  

De forma que aliar, nessas condições, as regras do comércio ao rigor ambiental geraria um abismo e um desequilíbrio ainda maior nas economias dos países em desenvolvimento.

 

A abertura do mercado brasileiro tem surtido efeitos nefastos como a falência de indústrias, de médias e pequenas empresa; as demissões em massa; a elevação dos índices de desemprego e o déficit na balança comercial.  

Essa discussão nos leva a refletir sobre a necessidade inadiável de o Governo brasileiro definir uma política industrial e agrária clara para o País e de questionar se, da forma como vem sendo conduzida, a abertura dos mercados é proveitosa para o País.  

Sr. Presidente, entendo que esta Conferência da OMC traduz, de maneira inequívoca, o que ocorrerá nas relações comerciais no início do próximo milênio, como vamos conviver com os países ricos, os chamados G-7, e qual a perspectiva que se impõe quanto a um horizonte promissor, para o crescimento da nossa economia, da justiça social, que é tão propalada e tão sonhada por todos nós, e que destino nos aguarda. Acredito ser esta a tutela que nos é imposta pelos ricos aos países em desenvolvimento, aos países emergentes.  

A OMC, no meu entendimento, aliada ao Banco Mundial e ao FMI, tem sido um instrumento de ação e controle da relação comercial e de desenvolvimento que se impõe hoje para o Planeta. A lógica dos países desenvolvidos tem sido uma grande concentração tecnológica em suas bases de produção, com grande capacidade de êxito e otimização da produção. E essa produção precisa ser consumida pelos países periféricos. Aí está a diferença na balança comercial que se impõe, hoje, de maneira tão desfavorável a nós. E, em conseqüência dessa necessidade de expansão de mercado para os ricos, se impõe o empobrecimento, o enfraquecimento das nossas indústrias, das nossas unidades produtivas, gerando, como conseqüência mais desemprego, mais crise social, mais desfavorecimento dos indicadores sociais para o nosso País.  

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Tião Viana?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Ouço, com imenso prazer, um aparte do nobre Senador Moreira Mendes.  

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Inicialmente, parabenizo V. Exª pelo tema corajosamente abordado nesta manhã. Efetivamente, o que relata V. Exª não é novidade no sentido de que os países ricos, os que ditam as regras, os que comandam a OMC, na verdade, são especialistas em impor regras aos países subdesenvolvidos ou aos em desenvolvimento, como é o nosso caso. No entanto, essas regras são por eles rejeitadas de toda sorte, como é o caso, muito bem citado por V. Exª, dos subsídios dados aos produtos agrícolas. Quem não tem conhecimento que os Estados Unidos, e a França, por exemplo, subsidiam, claramente, a sua agricultura? Mas, aqui, somos obrigados a aceitar essa política de não se prestigiar a agricultura. E o resultado é este denunciado por V. Exª: a falência da nossa agricultura e da nossa pecuária. Realmente, essa tutela que esses países ricos pretendem impor aos países em desenvolvimento é inaceitável! Ainda há um outro ponto relevante abordado por V. Exª. Novamente vemos aí esse pano-de-fundo da questão ecológica e da preservação da natureza. Na verdade, eles têm um outro objetivo muito claro: impedir o nosso desenvolvimento. Sempre, ao abordarem a questão da ecologia e da preservação da natureza, está embutido um outro objetivo, qual seja, o de desestabilizar a nossa soberania sobre a Amazônia. Portanto, registro o meu apreço e o parabenizo por ter, corajosamente, tocado em um assunto tão relevante.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao nobre Senador Moreira Mendes, que é membro e representante, com elevada responsabilidade, de um Estado amazônico: Rondônia.  

Sabe V. Exª que Rondônia pode ser um exemplo de produção e de enriquecimento, tanto do ponto de vista econômico como social.  

Lamento, Senador Moreira Mendes, que a visão do Ministério da Agricultura, hoje, seja contrária ao subsídio à agricultura, que já é tão fraca no sentido de não conseguir taxar a entrada de produtos importados em nosso País. O resultado é um desfavorecimento profundo para a economia nacional, um empobrecimento progressivo para o nosso País, que atende apenas à lógica do mercado internacional, que é de expandir seus produtos, baseado na grande concentração da tecnologia.  

Lamentavelmente, o governo americano tem a capacidade de investir US$250 bilhões como subsídio à agricultura; o governo francês, subsidia mais de 60% de sua produção, e nós, temos um País que não consegue se organizar e tratar a produção como um elemento prioritário. Ficamos nos gritos tímidos do Ministério das Relações Exteriores, basicamente sujeitos a uma grande rede de dominação dos países ricos, que têm como lógica e como alvo a nossa incapacidade de reagir a uma balança comercial tão desfavorável, a uma relação que cada vez sacrifica mais os indicadores sociais do nosso País.  

Espero que o horizonte moral do nosso tempo, que seria construir cidadania, o desenvolvimento humano, não esteja sujeito ao horizonte moral dos países ricos, que, a cada dia, tem menos sensibilidade e mais arrogância no tratamento das questões de interesse que digam respeito ao cidadão, ao ser humano e ao desenvolvimento sócioeconômico dos povos.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/1999 - Página 33705