Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, HOJE, DOS 51 ANOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. REFLEXÕES SOBRE UMA NOVA PROPOSTA PARA O COMBATE A FOME.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • TRANSCURSO, HOJE, DOS 51 ANOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. REFLEXÕES SOBRE UMA NOVA PROPOSTA PARA O COMBATE A FOME.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/1999 - Página 34617
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, OPORTUNIDADE, ANALISE, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, CONGRESSO NACIONAL, GOVERNO, EFICACIA, PROPOSTA, COMBATE, FOME, MISERIA, POBREZA, PAIS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo festeja, hoje, mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.  

Quão distante está aquele momento em que, passado o terror da Segunda Guerra Mundial, sepultados o nazismo e o fascismo, sepultadas as idéias de radicalismo que pareciam mostrar que a liberdade e a democracia estavam no seu final, após tanta luta, tanto sofrimento, tanta violência, parecia que o mundo, depois da maior de todas as guerras, com mais mortes e envolvendo maior número de nações, reunia-se para criar a entidade que buscaria uma representação em que haveria a paz e o entendimento entre as nações. E ainda diante da visão do olhar, do choro nos ouvidos, do clamor do sofrimento de tantos e tantos, das violências e atrocidades cometidas, dos holocaustos e dos campos de concentração, o mundo se reunia e lançava a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que se definia que os homens tinham direitos inalienáveis à vida e à dignidade. Parecia que aquela declaração marcava o início de uma nova era. Compreendendo e sentindo o baque provocado pela Segunda Guerra Mundial, o mundo preparava-se para cumprir o seu destino de paz e de respeito entre todas as nações, entre todas as criaturas.  

Passados cinqüenta e um anos, continuamos a louvar e a reconhecer a importância daquela declaração, mas somos obrigados a concordar com quão longe, prezado Presidente Álvaro Dias, está o entusiasmo dos homens e das nações que a assinaram! Até parece uma utopia, diante da diferença infinita que há entre aquilo que lá se queria e o que hoje ocorre com a Humanidade: praticamente dois bilhões de criaturas humanas estão abaixo do padrão de pobreza e muitas estão no de miserabilidade; mais de um bilhão de pessoas estão passando fome!  

Durante esse período, por exemplo, os Estados Unidos, com as suas determinações de achar que são a polícia do mundo, em Cuba, no passado, decretaram a invasão da Bacia dos Porcos; em São Salvador, com não sei quantos mil mariners, intervieram como se se tratasse de um território ocupado. Há pouco, decretaram o bombardeio do Iraque, porque a CIA teria descoberto um atentado que, tempos atrás, não ocorreu e, se ocorreu, não teve conseqüência alguma.  

Hoje, na Chechênia, a Rússia quer fazer chantagem com as armas nucleares que possui para esmagar a nação, diante do quase silêncio do mundo. Na antiga Iugoslávia, o mundo assistiu, dia após dia, aos destroços de uma incompreensão que parecia ter terminado nesse último respirar do milênio. Na Espanha, que vive, hoje, época de tranqüilidade, antigas divergências que se imaginavam sob controle estão ressurgindo.  

Não vejo, Sr. Presidente, olhando para o Brasil e para o mundo, uma demonstração de propostas reais, na despedida do milênio, e não consigo compreender isso. Durante os festejos do novo milênio, o nosso Presidente estará no Rio, numa festa magnífica, a bordo de um barco transformado em não sei o quê; milionários brasileiros, inclusive do meu Estado, passarão o milênio a bordo de um avião Concorde, sobrevoando Paris, numa festa excepcional. Cada um passá-lo-á do seu jeito e da sua forma.  

Grandes festas, sim, grandes festas! Mas o que de real, o que de objetivo, o que de reflexão está-se vendo, neste final de milênio, para se poder dizer que temos uma intenção diferente? Daqui a vinte dias, o Brasil, o Congresso, a sociedade, a ONU, por exemplo, terão uma proposta nova de paz, de amor, de concórdia, de respeito, mas juro que não a vejo. Mesmo hoje, aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, a vinte dias do próximo milênio, a Assembléia das Nações Unidas está reunida em uma rotina irritante, sem um fato novo, sem uma idéia, sem absolutamente coisa alguma, sem uma reafirmação, sem pelo menos uma carta de princípios e de intenções.  

Fico a me perguntar: afinal, na semana que vem estaremos aqui, na próxima quarta-feira despedir-nos-emos, iremos embora, somente voltando em janeiro, no ano que vem, no século que vem, no milênio que vem, e qual o sonho novo? Qual a idéia nova? Qual a proposta nova? Qual a intenção nova? Fico a me perguntar: no Congresso Nacional, em que, afinal, representamos a nossa sociedade, o nosso povo, a nossa gente, diante do quadro de um Brasil com tantas dramaticidades, qual é a proposta que temos para este final de ano, a não ser a tradicional, de "Natal sem fome"? Tenho assinado várias listas dando um dinheirinho aqui, um rancho ali para que os brasileiros passem um Natal sem fome. Dia 25 sem fome. Dia 26, não sei. Dia 27, não sei. Não surgiu sequer um movimento para que de 31 para 1º também fosse uma entrada de milênio sem fome! Isto não existe!  

A Declaração dos Direitos Humanos é uma das páginas mais bonitas da Humanidade. Sim, porque, até pouco tempo atrás, os escravos eram uma realidade. Fui aos Estados Unidos e lá assisti, antes do Kennedy, ao que era discriminação racial: ruas em que pretos não podiam passar; escolas onde os pretos não podiam entrar, e restaurantes em que pretos não podiam comer! Isso foi há pouco tempo, 1961/62, quando Kennedy baixou uma disposição determinando que os ônibus do Estado levassem as crianças negras dos bairros negros para estudarem, sob a proteção das armas do Estado, nas escolas brancas. E levassem crianças brancas, nos ônibus, armados, para estudarem nas escolas de crianças pretas. Foi ontem, Sr. Presidente!  

Foi ontem que, ali na África do Sul, uma minoria branca dominava e mantinha praticamente sob escravidão a imensa maioria preta. Essas coisas avançaram, é verdade! Hoje, a nova África do Sul tem sob o seu comando a maioria negra. Lá nos Estados Unidos, esses preconceitos, para surpresa de muitos, desapareceram. Mas, a essa altura, neste final de milênio, quantos por cento do que diz a Declaração dos Direitos Humanos está sendo praticado? Quantas crianças morrem, a cada hora, de fome no mundo inteiro? Quanta violência? Quanta tortura? Quantas injustiças sociais continuam a ser praticadas com omissão criminosa das grandes nações e das lideranças das elites dominantes em todas as nações!  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Permite V. Exª um aparte?  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com muita honra, prezado Senador!  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Senador Pedro Simon, o fio condutor filosófico do discurso de V. Exª impõe uma séria reflexão. V. Exª aborda a questão da fome e pergunta qual é a idéia nova? Qual é a intenção nova? Um Natal sem fome, o que já sabemos! Por que não um Ano Novo também sem fome? É a indagação. E V. Exª demonstra aí a mesmice, e o termo é este, a mesmice que existe neste País. Quando V. Exª lembra Kennedy, Martin Luther King, recordo-me de que ambos foram assassinados. E aí faço um paralelo com a fome que V. Exª registra. Milhares e milhares de crianças, Senador Pedro Simon, morrem de fome e se transformam em sepulturas sem inscrição. E, quando a fome não as mata, esta irresponsabilidade que V. Exª acaba de citar de certos homens públicos, faz com que elas sejam recolhidas ao cárcere. E o que é o cárcere? O antônimo filosófico da universidade. O discurso de V. Exª deveria estar sendo ouvido, hoje, por todas as autoridades que têm responsabilidade nesse problema da injustiça social. Porque veja V. Exª que estamos atravessando este milênio e a mesmice continua. Vim para cá porque sou seu ouvinte cativo para cumprimentá-lo, Senador Pedro Simon. Meus parabéns!  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Senador Bernardo Cabral, V. Exª é um Senador de uma tremenda sensibilidade! V. Exª é um jurista. V. Exª é um homem público de primeira grandeza. V. Exª presidiu a OAB, numa das horas mais dramáticas. V. Exª teve seus direitos políticos cassados. V. Exª teve momentos de glória, foi um grande Ministro; momentos de frustração, na hora da cassação. V. Exª é uma dessas pessoas – e são poucas, prezado amigo Senador Bernardo Cabral – que têm a sensibilidade, que os olhos enxergam, que os ouvidos escutam e que fala. Porque eu, que sou um crente, não muito crente, com muitos defeitos, mas procuro ser, vejo, ali, quando a Bíblia fala que cada de um de nós nasceu com determinadas características. Os homens não nasceram iguais. Os homens nasceram alguns com mais talentos e outros com menos talentos; alguns com mais capacidade e outros com menos capacidade. Mas diz a Bíblia: "Um dia Ele voltará e cobrará de cada um de acordo com o que ele recebeu". Cada um terá que prestar contas não do imenso que ele fez ou do pouco que ele fez, mas da ligação entre o que ele recebeu - a capacidade - e o que ele fez. As crianças que nascem e morrem, antes de completarem um ano, de fome, terão que receber o respeito da injustiça e da crueldade daqueles que não lhes deram a chance de existir! As crianças que vivem nas favelas, muitas sem pai e sem mãe, crianças de rua, que estão sempre passando fome, e que, muitas vezes, são levadas ao vício – e que agora o Congresso quer diminuir a imputabilidade criminal de 18 para 16 anos, por haver muitos criminosos com esta idade –, crianças que não tiveram vez, não tiveram voz, não tiveram família, não tiveram educação e não tiveram chance nenhuma! A estas, ainda que a vida as tenha conduzido à violência e ao arbítrio, na hora do julgamento elas terão resposta: "Mas eu não conheci meu pai nem minha mãe. Nunca tive afeto, não sei o que é isso. Para comer, eu tinha que roubar; para me manter, eu me defendia atacando".  

Nós, Senadores, nascemos em um lar, tivemos educação, estudamos em uma faculdade, temos benesses. Somos Senadores da República - antigamente, diziam que éramos Pais da Pátria - e somos pagos pelo Poder Público, pelo dinheiro dos trabalhadores. Será que cada um de nós tem feito o que poderia? O Pedro Simon vem aqui e fala e grita e protesta, dizendo que as coisas estão erradas e têm de mudar! Mas será que é apenas isso que tenho de fazer? Será que cada um não pode avançar um pouco mais no sentido da busca? Será que a responsabilidade é apenas do Senhor Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República, que está aquém do que imaginávamos e desejávamos? Será que cada um de nós não poderia fazer algo mais?

 

Ora, meus amigos, está escrito no Evangelho que, quando o Salvador voltar, Ele haverá de dizer: "Vocês, homens de bem, vêm para cá, porque tive fome e me deram de comer; tive sede e me deram de beber; estava nu e me vestiram. Entretanto, vocês se afastem, porque, quando tive fome e sede, quando eu estava no cárcere, não me ajudaram!". E tanto uns quanto os outros perguntarão: "Mas, Senhor, quando foi que te vimos com fome e não te demos comida, com sede e não te demos de beber, ou nu e não te vestimos?" E Ele responderá: "A cada uma das criancinhas que vistes nas ruas e ajudastes, era a mim que ajudavas; a cada criança que vistes e não ajudastes, era a mim que não ajudastes".  

A pergunta é esta: a quantos ajudamos e a quantos deixamos de ajudar? A pergunta é exatamente esta: quantos fizeram a sua parte e quantos não a fizeram?  

O Brasil é um dos países do mundo onde mais se tem o hábito de criar cachorrinhos de luxo. Penso que criar cachorros ou ter um cachorro de estimação é algo excepcional. Tenho uma mágoa pelo fato de o meu filho Pedrinho querer um cachorrinho e o médico não deixar, porque ele tem um problema respiratório. Estamos esperando ele crescer, estamos esperando passar esse problema de saúde, para podermos lhe dar um cachorrinho. Mas há uma diferença entre dar um cachorrinho à criança e o cachorrinho levar vida de príncipe, com jóias, com babá, com festa de aniversário, em que há até desfile de moda, como a que aconteceu em São Paulo, em que os interessados em dela participar brigavam pelos convites.  

Será que essas pessoas que criam cachorros dessa maneira não poderiam acolher uma criança de rua? Será que cada brasileiro, será que cada um de nós não poderia acolher uma criança de rua, contribuindo, assim, para diminuir o problema dos menores, fazendo com que, em vez de sofrerem violência nas ruas, pudessem ter uma família sadia ou oportunidade de acesso à universidade? É isso que não entendo, Sr. Presidente.  

Vejo as nossas modernas redes de televisão, que, atualmente, são mais importantes do que qualquer um de nós, influenciarem o mundo inteiro. Agora fazem a campanha do Natal. Há emissoras de televisão que fazem uma campanha bonita para arrecadar dinheiro e distribui-lo entre as entidades sociais uma vez por ano. Mas e os outros dias do ano?  

Neste final de milênio, o Governo, com a maior tranqüilidade, retirou a carne e a massa da cesta alimentar de combate à pobreza, diminuindo-a em alguns quilos, por falta de dinheiro ou de não sei o quê. De repente, os miseráveis que se apertam nas filas para pegar a cesta de alimentos não têm mais arroz. O Governo diminuiu a quantidade de leite com o argumento de que a verba foi reduzida.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB - TO) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB - TO) - Nobre Senador Pedro Simon, a reflexão de V. Exª, nesse seu pronunciamento, deixa-nos entristecidos ao percebermos o enorme fosso que separa os extratos sociais brasileiros. A concentração brutal da riqueza torna uns poucos cada vez mais ricos e muitos cada vez mais pobres, vivendo de maneira aviltante, numa situação de miséria absoluta, abaixo da linha da pobreza. Isso nos faz refletir que, há pouco tempo, essa situação conflituosa não era tão acentuada. Não foi este o mundo que herdamos dos nossos pais, dos nossos ancestrais. As minhas reminiscências, as minhas memórias, recordam-me um mundo mais fraterno e mais humano na época da minha infância. O que ocorreu durante todo esse período em que as coisas pioraram tanto? Chegamos ao ponto de vermos as nossas crianças, pessoas cujo caráter está ainda em fase de formação - formação para a qual temos o dever de contribuir -, engalfinhando-se em lutas, em guerras, destruindo-se na prática de crimes de uma brutalidade horripilante, como o que vimos ocorrer na recente rebelião da FEBEM, em São Paulo. Que mundo é este em que estamos vivendo? O que estamos fazendo aqui? A reflexão de V. Exª nos faz raciocinar efetivamente sobre o que é preciso ser feito de novo por todos nós, por toda a sociedade, para que essa realidade crua e dura seja modificada. Relembro a Carta dos Direitos Humanos, inspirada pelo mais sincero e profundo dos sentimentos, na qual, seguramente, a utopia ditou as mais belas perspectivas de vida para o cidadão no mundo e, particularmente, no Brasil. Mas a distância entre o que se imaginou quando se escreveu essa bela página e a realidade em que vivemos é muito grande, Senador Pedro Simon. V. Exª está retratando, com fidelidade absoluta, uma realidade que nos deixa perplexos e, às vezes, impotentes para resolver tantos problemas que se multiplicam a cada dia no nosso meio, no nosso hábitat, onde vivemos. Cumprimento V. Exª por essa reflexão que faz ao final deste ano e que convoca todos os brasileiros a repensarem sobre esse convívio social, sobre o nível de nossa responsabilidade e sobre o que efetivamente podemos fazer a mais para mudar essa realidade.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço profundamente a V. Exª por sua manifestação. V. Exª, além de Colega nesta Casa, é meu amigo e vizinho. Por várias vezes, temos ido juntos buscar nossos filhos na escola. E vemos as nossas crianças numa bela escola, com uma bela merenda. Os pais as levam e as buscam. Será que estamos compenetrados no que acontece do outro lado?  

Nestes ambientes, nesta situação, nós discutimos esses assuntos e até temos a intenção de agir, mas o que me angustia é que não damos prioridade às coisas que deveriam ser prioritárias. Eu, Pedro Simon, deveria dizer: "Não posso dormir hoje sem que tenha feito com que, pelo menos, três crianças não tenham dormido com fome, porque eu as ajudei". A situação estaria melhor se cada um de nós fizesse isso, se a classe média - que representa 16% da população - se conscientizasse disso. E não é uma questão de acertar ou não. Uma criança retirada das ruas, da miséria, da fome, para a qual sejam dadas condições de estudar, será uma pessoa salva e poderá se tornar um intelectual, um político, um presidente do Brasil, um médico, um advogado ou uma pessoa que salvará vidas ao invés de tirá-las no futuro.  

Então, não é uma questão do tudo ou nada. Não é aquilo que se cobra do Presidente, do Governador, do Prefeito! E acho que estou cumprindo a minha parte. Mas não estou cumprindo a minha parte! Cada um pode fazer alguma coisa, pode dar um adjutório, pode colaborar! Mas o que me angustia é que, no Brasil, não conseguimos ter esse sentimento.  

Alguns intelectuais publicam nos jornais de São Paulo que o povo brasileiro é endemicamente corrupto. Dizem: "O povo brasileiro é endemicamente corrupto. Temos de apresentar uns programas de televisão de quinta categoria, porque é isso que o povo quer. O povo quer o Ratinho, o povo quer o grotesco, o povo quer violência, o povo quer morte, o povo quer ver sexo na televisão". E assim vamos levando, satisfeitos e tranqüilos.  

Ora, Sr. Presidente, vim aqui para bater no meu peito e confessar minha parte na culpa. Se as coisas vão mal é porque eu também fracassei. Não estou aqui para criticar o outro lado, mas para fazer mea culpa . 

O que disse o meu querido amigo do Tocantins é verdade: não era assim. Quando, há 40 anos, saí de Caxias do Sul para Porto Alegre para ser Vereador e depois Deputado, a cidade de Caxias praticamente não sabia o que era miséria e desemprego. Havia ali duas favelas: a do Burro e a do Cemitério, favelas de casinhas razoavelmente boas, onde ninguém passava fome, onde se podia entrar e coabitar. Hoje, Sr. Presidente, em Caxias, há mais de 50 mil favelados, e o índice de criminalidade é comparável ao do Rio e de São Paulo. As pessoas estão morrendo de fome.  

Aí eu me pergunto: valeram a pena os meus 40 anos de política? Fiz o que deveria? Acho que não.  

Encerro o meu discurso agradecendo a tolerância de V. Exª, Sr. Presidente. Apenas indago: será que, nestes 20 dias que nos faltam, não poderíamos pelo menos colocar no papel, ainda que seja uma outra utopia, uma declaração de intenção nossa para o próximo milênio de prioridades, de coisas essenciais? Já fizemos um trabalho positivo - justiça seja feita - na Comissão da Fome. Os resultados foram relativos, diga-se de passagem, mas os objetivos foram concretos, e as intenções, positivas.  

Será que não seria o caso de, na próxima semana, reunirmo-nos com alguém como o Senador Artur da Távola, que teve o seu livro publicado anteontem. E eu aconselharia a V. Exªs que o lessem. É uma história de amor, de vida, de sentenças, de máximas, que nos chamam a atenção para o dia, para vida, para a realidade do ser, do amor e do futuro. Será que é ridículo o meu papel? Será que estou sendo ingênuo? Será motivo de gracejo o fato de eu chegar aqui e sugerir isso? Pelo menos vamos tentar fazer isso agora, na hora em que vamos nos despedir, pois vamos nos encontrar somente no próximo milênio.  

Sr. Presidente, vamos colocar no papel uma singela, uma ingênua, uma simples proposição nossa para o início do próximo milênio sobre o que vamos fazer, para não ficarmos pura e simplesmente sem fazer nada.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/1999 - Página 34617