Discurso no Senado Federal

REGISTRO DA VISITA DO PRESIDENTE DE HONRA DO PT, LUIZ INACIO LULA DA SILVA AO ESTADO DO ACRE. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.:
  • REGISTRO DA VISITA DO PRESIDENTE DE HONRA DO PT, LUIZ INACIO LULA DA SILVA AO ESTADO DO ACRE. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/1999 - Página 34724
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • REGISTRO, VISITA, ESTADO DO ACRE (AC), LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CONHECIMENTO, REALIZAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL.
  • REGISTRO, JULGAMENTO, TRABALHADOR, ESTADO DO ACRE (AC), ACUSAÇÃO, HOMICIDIO, EPOCA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, EXPECTATIVA, ABSOLVIÇÃO.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO ACRE (AC), AUMENTO, OFERTA, EMPREGO, AGRICULTURA, CRIAÇÃO, PROGRAMA, CREDITOS, BANCO DA AMAZONIA S/A (BASA), TRABALHADOR, EXTRATIVISMO.
  • DEFESA, PROGRAMA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, BENEFICIAMENTO, RECURSOS FLORESTAIS, ESPECIFICAÇÃO, MADEIRA, REGISTRO, ACORDO, EMPRESA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, PARCERIA, CONSTRUÇÃO, INDUSTRIA, MOVEIS, ESTADO DO ACRE (AC), TREINAMENTO, MÃO DE OBRA.

A SRª MARINA SILVA (PT - AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de registrar a visita feita ao meu Estado pelo Presidente do meu Partido, o Lula, que foi conhecer as realizações do Governador Jorge Viana.  

Insisto em fazer esta ressalva: o Lula conhece o Acre desde 1980, quando, no processo de fundação do Partido dos Trabalhadores, esteve naquele Estado para articular os trabalhadores, a igreja progressista, os sindicatos, as associações.  

Participou dos momentos mais difíceis, quando os trabalhadores eram reprimidos e expulsos das suas colocações, episódios que levaram à morte do sindicalista Wilson Pinheiro. Lula participou de um ato público em solidariedade aos trabalhadores, quando desse assassinato. Naquela oportunidade, por ter dito uma frase que é corriqueira no Norte e no Nordeste, foi enquadrado na lei de segurança nacional. Ele disse que os trabalhadores acreanos sentiam a necessidade de organizarem-se para enfrentar os latifundiários que os expulsavam de suas colocações, torturavam, queimavam suas casas e os assassinavam, sem nenhum tipo de apoio por parte do poder público. Disse que eles estavam se organizando e que estava na hora de "a onça beber água". Em função dessa frase, Lula foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, sendo julgado e absolvido seis meses depois – ele havia sido condenado inicialmente a três anos de prisão.  

Os trabalhadores processados na mesma época estão sendo julgados esta semana. Ainda hoje está ocorrendo um julgamento no Município de Brasiléia. Quando do assassinato de Wilson Pinheiro, foi assassinado também o capataz da fazenda responsável pela operação que acabou provocando a morte de Wilson Pinheiro. Como não houve identificação do criminoso, suspeitou-se dos trabalhadores. Vários trabalhadores foram indiciados e processados. A maioria já foi absolvida. Espero que também sejam absolvidos os que estão sendo julgados neste momento.  

A presença do Lula, além de cumprir o papel importante de conhecer as atividades realizadas pelo Governo – e ele teve uma agenda bastante significativa, visitando várias ações – também cumpriu essa função política e simbólica de retornar 20 anos depois quando seus companheiros de processo estavam sendo julgados. Vejam o quanto é morosa a Justiça brasileira: só após 20 anos o julgamento é realizado.  

O Lula, graças à função que ocupava e a tudo que significava à época, foi julgado seis meses depois. Quando o Lula foi ao Acre, teve oportunidade de conhecer um dos projetos muito importantes do nosso Governo. O nosso Governo ganhou as eleições prometendo gerar nesses quatro anos de Governo 40 mil empregos, 40 mil oportunidades de trabalho. Já estamos fazendo isso. Só com os pólos agroflorestais, pretendemos gerar 2000 oportunidades de emprego.  

O Governo fará isso em quatro anos.  

Neste primeiro ano estamos assentando 500 famílias em pequenas unidades nos mais diferentes Municípios. Está-se desapropriando áreas ou utilizando áreas pertencentes ao Governo. O sistema é muito interessante. Cada produtor recebe de 3 a 5 hectares, saúde e educação, assistência técnica e sementes. A seleção é rigorosa: aqueles que ocupam essa área de terra devem ser pessoas que realmente tenham vocação para a agricultura. Fazem um programa de recrutamento de trabalhadores rurais que vivem desempregados nas periferias e que têm, agora, oportunidade de retornar ao campo em uma outra condição, com uma outra forma de apoio para a sua atividade produtiva. Também tiveram a oportunidade de ver o crédito especial concebido por mim desde o início do mandato, em 1995, com apoio do Prefeito da cidade, hoje Governador, Jorge Viana, do Conselho Nacional de Seringueiros, como o apoio do Secretário de Planejamento do Governo Raupp e do Governador Capiberibe, do PSB do Estado do Amapá.  

Levamos para o Basa o chamado Prodex, Programa de Crédito para os Trabalhadores Extrativistas, que hoje conta com um aporte de recursos de quase R$40 milhões para pequenos pescadores artesanais, para quebradeiras de coco, para extrativistas da borracha e da castanha, para seringueiros São essas pessoas que durante mais de um século, fizeram a riqueza daquela região, representando 40% das nossas exportações, sem nunca terem recebido nenhum tipo de apoio dos Governos Estaduais e Federal.  

Apresentamos a proposta à Drª Flora Valadares, que muito se sensibilizou. Em reunião ocorrida das nove horas da manhã às quatro e trinta da tarde, convencemos a Diretoria do Basa de que seringueiro, pescador, quebradeira de coco e ribeirinhos também têm direito a uma linha de crédito. E esse crédito hoje é um sucesso, graças a Deus. Na época, inclusive, batalhei muito para viabilizar e implementar esse crédito, para treinar as pessoas a dar assistência técnica ao extrativismo, para convencer o banco de que o acesso deveria ser uma burocracia simplificada e de que os juros teriam que ser reduzidos, a exemplo do que ocorre com o Procera – ainda não chegamos a esse nível, mas é um caminho a ser seguido, porque trata-se de juros bem menores.  

Muitas pessoas diziam: "Marina, desista desse projeto, porque será um fracasso, o que será muito ruim para o seu mandato". Graças a Deus, não trabalho com um olho na política e outro no voto. Procedo, primeiramente, pensando em minha ética, a serviço das causas em que acredito.  

Continuamos a batalhar pelo programa, e hoje, apenas nos Municípios de Cruzeiro do Sul, de Marechal Taumaturgo e de Mâncio Lima, R$560 mil já foram internalizados para pequenos extrativistas. Deste crédito, serão destinados R$6 mil a R$7 mil a associações ou R$1.200 a empregados autônomos, para plantar guaraná, comprar uma tarrafa, fazer uma canoa nova, enfim, adquirir os meios necessários de que necessitam.  

O Lula teve a oportunidade de participar da solenidade em que alguns extrativistas receberam esse crédito. Com ele, poderão comprar – como chamamos na linguagem do seringal – a tigela, a bacia, a faca de seringa e o balde e ter condições de executar todo o processo produtivo, que hoje já está modernizado. Antes, utilizavam-se o cavaco, a fumaça e a fornalha. Tratava-se de um trabalho difícil, que prejudicava muito a nossa saúde. Hoje, esse processo é realizado por meio do cernambi virgem prensado ou da folha fumada. Há instrumentos mais sofisticados. A UnB, por exemplo, utiliza a defumação líqüida. Esse crédito, pois, é muito importante.  

Noutra oportunidade, o Lula conheceu experiências ligadas à pimenta longa, apresentadas pelos técnicos do Estado, que, juntamente com órgãos de colaboração internacional, como a GTZ, fizeram o zoneamento ecológico econômico do nosso Estado. A primeira versão desse zoneamento foi um trabalho bastante meticuloso. Todas as áreas foram estudadas para analisar a vocação em termos de produção, de conservação e de exploração de cada biodiversidade, com levantamento de solo, dos recursos hídricos, da fauna e da flora. Enfim, foi um trabalho referência na Amazônia, por incorporar o que há de mais moderno em termos de técnica de zoneamento ecológico e econômico.  

Baseados nesse projeto, estamos implementando nosso programa de desenvolvimento sustentável a ser aplicado em grandes centros como São Paulo. O Lula, acostumado aos referenciais de uma grande metrópole, pôde entrar em contato com a realidade do povo da Amazônia, que busca um novo caminho, o caminho da sustentabilidade, da viabilização econômica e social, sem perder a perspectiva de preservação do meio ambiente, da biodiversidade e de algo que para mim é sagrado: a nossa diversidade cultural e social.  

O Lula teve oportunidade de ver que os onze mil índios do Acre ocupam hoje 10% do nosso território. Graças a Deus, 80% das terras indígenas no Acre já estão demarcadas. É um contraste com o que acontece no Estado do meu querido Governador Zeca do PT, onde há sessenta mil índios em apenas 1% do território vivendo nas condições mais aviltantes de sobrevivência, com suas áreas reduzidas, invadidas, sem demarcação e sem apoio não por culpa do Zeca, mas em função de uma política errônea que até hoje vem perdurando.  

Fico feliz em saber que temos à frente da Funai o Dr. Marés, um conhecedor da causa, um homem sério que poderá dar uma grande contribuição para a política indigenista do nosso País. Mas, infelizmente, até o presente momento, estamos em uma situação de dificuldade. O Lula pôde observar que os índios do Acre contam com um programa do Governo nas áreas de saúde, de educação, de desenvolvimento econômico e que isso poderá ser uma referência de uma relação de respeito de um Governo para com as comunidades tradicionais de seringueiros, de índios e de ribeirinhos.  

Sr. Presidente, participei de todo esse processo com o mesmo entusiasmo de sempre por entender que o Brasil deve conhecer a sua outra metade, pois 51% do território brasileiro tem 21 milhões de habitantes, a maior diversidade cultural, biológica e a maior quantidade de recursos naturais.  

Temos também um programa de exploração dos nossos recursos florestais baseado em uma proposta de manejo florestal para que possa ocorrer o beneficiamento da nossa madeira no próprio Estado do Acre. Com isso, colocaremos uma porteira na exploração irregular de madeira, para que as nossas riquezas não sejam roubadas como está acontecendo em vários outros Estados que têm esse recurso tão importante que se constitui numa grande riqueza. Fomos também até Xapuri conhecer o pólo moveleiro.  

Juntamente com o Deputado Ronald Polanco e com o Padre Heitor, fui à cidade de Como, uma das mais ricas e bonitas da Itália, que vive da fabricação de móveis. Os empresários locais, considerados os maiores e melhores fabricantes de móveis do mundo, pediram-nos uma palestra sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável na Amazônia.  

Foi um evento muito interessante, porque eles fizeram uma linda espécie de estátua de madeira queimada, num protesto contra a devastação da Amazônia. Eu disse a eles que tudo o que acontece na Amazônia é responsabilidade do Brasil em primeiro lugar, dos amazônidas em segundo lugar e do mundo em terceiro lugar, porque são eles que compram a madeira roubada da terra dos índios, que compram a madeira que sai sem certificação de origem, que compram a nossa madeira em tora. A tora de mogno, que chega até oito metros cúbicos de madeira, sai da casa do seringueiro por R$20, chega ao Porto de Paranaguá por R$800 reais cada metro cúbico. Na Itália, cada metro cúbico faz, no mínimo, oito camas. Cada cama de mogno custa, no mínimo, US$3 mil.

 

Se essa madeira fosse beneficiada na nossa própria região, não precisaríamos derrubar tanto mogno para que os seringueiros pudessem viver com um mínimo de dignidade, e, com certeza, aquele monumento em protesto contra a devastação da Amazônia seria desnecessário.  

Ao final da conferência com os empresários e trabalhadores, eles nos ofereceram uma ajuda no sentido de montar uma fábrica de móveis no Acre, na terra do Chico Mendes. Eu e o padre dissemos que estávamos de acordo. Eles não queriam montar a fábrica com políticos, mas com alguém que fosse neutro. Concordei e sugeri que o acordo fosse feito com a Igreja.  

O pólo moveleiro está lá montado. Dois jovens estão sendo treinados e fazendo cursos, há mais de um ano, na Itália. Os aposentados italianos irão para Xapuri para treinar os nossos outros jovens. Todo o maquinário foi doado; a Suframa ajudou em uma parte para a construção do galpão e da escola. Hoje, orgulho-me muito de dizer que, graças à divulgação do que acontece de forma errada na relação entre o mundo desenvolvido e a Amazônia, pudemos inverter esse padrão, e o pólo moveleiro, em pouco, será uma realidade — madeira certificada, emprego gerado no Acre, riqueza internalizada no Acre, e, em vez de vendermos a nossa madeira por R$20,00 a tora, vamos vender as nossas camas. E não precisa ser por US$3 mil; basta por R$2 mil ou R$1,7 mil. Para quem vende a R$20,00 uma tora de mogno que dá oito metros cúbicos de madeira, isso já é muita coisa.  

O Lula pôde conhecer essa realidade do Acre, que é um pedacinho da Amazônia, mas, para mim, o pedacinho mais importante, porque ali se juntam todas as forças que lutaram contra a devastação e os grandes projetos, a fim de instituir um programa de desenvolvimento que, daqui a 20 anos, quero comparar com o caminho mais fácil: o da pecuária extensiva, da exploração madeireira sem critério, da utilização inadequada dos nossos recursos naturais.  

O nosso próximo passo é a utilização correta dos recursos da biodiversidade. O Acre foi o primeiro Estado a aprovar uma lei que regulamenta o acesso aos recursos da biodiversidade; possui a maior quantidade de terras indígenas demarcadas e está completando seu zoneamento ecológico e econômico. Não queremos andar um palmo sem a preocupação com três pontos importantes: a defesa da cidadania, portanto, o desenvolvimento social; o desenvolvimento econômico do Estado; e a preservação do meio ambiente, a fim de que possa haver uma referência no mundo de que é possível compatibilizar desenvolvimento e meio ambiente, de que é possível compatibilizar a ação do homem, sem que este se coloque como o mais importante dentro da relação que estabelece em seu ecossistema.  

O SR. PRESIDENTE (Leomar Quintanilha. Fazendo soar a campainha.) - Nobre Senadora Marina Silva, desculpe-me interromper V. Exª.  

Comunico ao Plenário que o tempo da sessão está esgotado. Vou prorrogá-lo por cinco minutos, a fim de que a oradora possa concluir o seu pronunciamento.  

Está prorrogada a sessão por cinco minutos.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Já estou concluindo, Sr. Presidente. A minha referência são as luzes que ficam piscando. Como elas não estavam piscando, fui adiante.  

Muito obrigada, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/1999 - Página 34724