Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REGISTRO DO DISCURSO PROFERIDO PELO EX-DEPUTADO E EX-MINISTRO LUIZ ROBERTO ANDRADE PONTE, POR OCASIÃO DE CERIMONIA EM QUE FOI AGRACIADO COM O TITULO DE "CIDADÃO DE PORTO ALEGRE".

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONCESSÃO HONORIFICA.:
  • REGISTRO DO DISCURSO PROFERIDO PELO EX-DEPUTADO E EX-MINISTRO LUIZ ROBERTO ANDRADE PONTE, POR OCASIÃO DE CERIMONIA EM QUE FOI AGRACIADO COM O TITULO DE "CIDADÃO DE PORTO ALEGRE".
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/1999 - Página 34907
Assunto
Outros > CONCESSÃO HONORIFICA.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, LUIZ ROBERTO ANDRADE PONTE, EX-DEPUTADO, EX MINISTRO, EMPRESARIO, CERIMONIA, RECEBIMENTO, HOMENAGEM, CAMARA MUNICIPAL, MUNICIPIO, PORTO ALEGRE (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Formulei solicitação ao Senhor Presidente do Senado Federal – no que fui atendido – no sentido de que autorizasse a publicação, nos Anais do Senado Federal, do discurso do ex-Deputado, ex-Ministro e empresário LUIZ ROBERTO ANDRADE PONTE , pronunciado no dia 25 de novembro próximo passado, por ocasião de cerimônia em que foi agraciado com o título de "Cidadão de Porto Alegre" pela Câmara Municipal da capital gaúcha.  

O Dr. Luiz Roberto Ponte, cearense de origem, reside em Porto Alegre há 48 anos, e ali se impôs como cidadão da mais alta dignidade e empresário da maior competência e honestidade.  

Neste pronunciamento, o Dr. Luiz Roberto Ponte defende uma terceira via político-econômica, que consiga unir as virtudes do Capitalismo às do Socialismo, afastando os defeitos mais marcantes de cada um desses sistemas.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR PEDRO SIMON EM SEU DISCURSO. (Discurso do Sr. Luiz Roberto Andrade Ponte.)  

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O SR. LUIZ ROBERTO ANDRADE PONTE - Sr. Presidente, Srs. Vereadores, minhas senhoras e meus senhores, meus amigos, não foram as praças e as esquinas, nem mesmo o rio e o pôr do sol de Porto Alegre que fizeram com que meus pais me propusessem vir para esta cidade quando chegou o meu tempo de deixar minha amada Fortaleza para cursar a universidade. Foi tudo isso, mas foi, ainda mais, a sua gente gentil e digna.  

Pelo tanto que dela recebi, e porque tê-la adotado foi o que me fez conhecer minha mulher, e tê-la conhecido foi o que possibilitou a existência dos meus filhos e do meu neto, por si sós uma razão de viver, bendigo aquela inspiração.  

Ao quanto que já devia a Porto Alegre, acresce-se esta enorme honraria que me concedem seus representantes, uma mostra da sua marcante generosidade.  

Neste ato, cabe esta manifestação da minha gratidão e do meu bem querer à gente que vive neste torrão. Espero que caiba, também, deixar registrada uma reflexão que se tornou uma convicção consolidada nos 65 anos de minha vida, 48 deles vividos, com algumas interrupções, em Porto Alegre, doze dos quais na missão de empresário legislador, que incluiu a participação na elaboração da Carta Magna do País, missão em parte recebida do seu povo.  

O vereador André Forster, ao discursar nesta Casa, quando recebeu este título, fez uma reflexão sobre o fracasso do Socialismo para atingir os sonhos que acalentara como um dos seus ativos militantes desde os anos verdes da sua vida. Dizia: "Usaram e abusaram da razão. E a razão estava errada. Razões e verdades intolerantes, de conceitos históricos que fizeram milhares de tutelados e enganados. A proposta socialista foi o mais recente engano deste tipo de verdade, ao propor rupturas mágicas com o capitalismo e a implantação também mágica de uma nova sociedade".  

Mas, por outro lado, afirmava ele: "O que nós sabemos hoje, é certo, é que há uma incompatibilidade radical entre a economia de mercado, a democracia liberal – duas faces da mesma moeda – com a justiça social, com a dignidade do ser humano e com a sua emancipação".  

O centro de sua fala foi, de fato, a angústia da dúvida sobre onde estava a verdade e qual seria o caminho verdadeiro para se atingir aqueles sonhos, o que é repisado nesta sua afirmação: "... o primeiro que tem que ser feito é pôr em cheque as verdades, aquelas que apontam caminhos que resultaram em nada, que nos permitem apenas dizer que foram lições de tempo".  

Fala-se numa nova forma de organização da sociedade, uma terceira via, diversa do Capitalismo e do Socialismo, onde haja justiça, e o homem, na sua generalidade, viva com dignidade.  

Há uma confusão no entendimento do que sejam Socialismo e Capitalismo, associando-se, a cada um deles, atributos de diversa compreensão por parte de cada pessoa.  

Quando indagam em que espectro - da esquerda, simbolizando o Socialismo, à direita, simbolizando o Capitalismo - situam-se minhas convicções políticas, eu costumo dizer que, em relação ao pressuposto de que o Socialismo é a busca da solidariedade, da justiça, e da dignidade, eu pretenderia ser extrema esquerda, e, em relação à supressão da liberdade de empreender e do direito de propriedade, a que leva o Socialismo, eu me considero extrema direita.  

Se nos despojarmos da pretensiosa suposição de que somos mais carregados do bem do que os que cultuam a crença no sistema oposto àquele em que acreditamos, veremos a obviedade de que ambos buscam o mesmo objetivo: a construção daquele mundo justo, onde habite, com dignidade, o homem feliz, solidário e bom. Poderia ser diferente?  

Talvez pelo significado da frase que simboliza o seu fundamento - a propriedade comunitária de todos os bens -, o Socialismo ficou caracterizado, no imaginário das pessoas, como o sistema que tem a idéia de justiça, de erradicação da miséria e de solidariedade, como âmago de seus objetivos, enquanto que – supõem - o Capitalismo, sendo-lhe oposto, rejeita essa idéia como princípio. O próprio André, um homem cuidadoso e esclarecido, fez essa afirmação, como se viu na citação acima.  

Na verdade, o que é de fato antagônico, nos dois sistemas, é apenas aquilo que é nuclear na definição de cada um deles: o Capitalismo, como o sistema que defende o direito à propriedade e a posse privada dos meios de produção, e o Socialismo / Comunismo, como aquele que nega esse direito e obriga a que todos os meios de produção sejam propriedade exclusiva do Estado. Os inúmeros pretensos predicados que cada um avoca a si são apenas pretensos, sendo, a maioria deles, reivindicada, por ambos, como uma particularidade sua, e imaginando, cada qual, que a adoção do princípio nuclear da sua doutrina é o que conduzirá à construção da sociedade justa e desenvolvida, sem a miséria das carências que aviltam a vida de tantos.  

A reflexão que trago aqui centra-se nesta questão, crucial para o ser humano, que, felizmente, volta a ter uma grande exposição no debate nacional e mundial: Quais os verdadeiros e eficazes caminhos para a construção dessa sociedade desejada por ambos.  

O grande engano dos que imaginam que esse caminho é o Socialismo é supor que o Capitalismo opõe-se ao bem e ao desenvolvimento integral do ser humano. Ao invés de pensar que seus objetivos é que são diferentes, o que se deve é analisar as razões do fracasso de ambos na construção dessa sociedade.  

A maior tragédia dos países que implantaram o Socialismo, na formatação do Comunismo, foi a perda da liberdade, com as ditaduras de partido único, que em todos eles foram impostas. Não creio que haja a possibilidade de se construir uma sociedade feliz e digna sem que se preserve a liberdade do homem, condicionada ela apenas ao respeito à liberdade do outro.  

Podemos até supor que seja possível formar um sistema socialista sem a ditadura do partido único, mas, até que isto fique demonstrado, deve-se evitar a sua adoção, por causa da desgraça a que leva a perda da liberdade, que até aqui tem sido íncita a ele.  

Há, ainda, o fato de que, mesmo que se possa instituir um regime socialista democrático, nele não seriam preservadas as liberdades integrais do homem, que ficaria privado do direito de trabalhar mais, empenhar-se mais, sacrificar-se mais, para possuir bens que lhe sejam caros e essenciais à sua felicidade, e que outros não valorizam.  

Não será mais justo e mais eficaz aos objetivos comuns de dar dignidade a todos, ao invés de querer construir a igualdade das pessoas, num mundo criado por um Deus que, mesmo podendo, não quis fazê-las iguais, ensinar a solidariedade e, enquanto ela não for bastante, impor uma contribuição aos que a possam dar para que todos tenham o mínimo necessário a uma vida digna?  

De outra parte, a maior tragédia dos países que adotaram o Capitalismo tem sido a existência da miséria, até naqueles de grande desenvolvimento, possuidores de um grau de riqueza que permitiria, havendo solidariedade, ou uma eficaz contribuição compulsória, suprir as necessidades materiais mínimas de todos, mesmo preservando o direito à posse diferenciada de bens, dadas as imensas diferenças de dedicação, capacidade e desejo entre as pessoas.  

O André intuiu a origem comum dos distintos males de ambos os sistemas quando disse, citando um pensador: "Nos primeiros (países socialistas) , tanto quanto nas formações capitalistas, passaram a obedecer à autoridade e não à verdade, porque lá como aqui, vale o dizer de Hobbes de que ‘a autoridade, não a verdade faz as leis’, e em ambas as formações econômicas e políticas, acabou a justiça sendo seqüestrada pelas leis".  

Nos regimes autoritários, essa afirmação é inquestionável, mas será, necessariamente, assim, numa verdadeira democracia? Não haverá uma forma de se escolher o governo que se obrigue a implementar leis calcadas na verdade e comprometidas com a justiça?  

Esta meditação, ainda que superficial, sugere como caminho o aprimoramento do sistema democrático em que se preserve a livre iniciativa, se garanta a liberdade, se imponha a justiça, e se respeite as diferenças dos dons individuais que cada um recebeu de Deus, asseguradas, a todos, as condições materiais mínimas para uma vida digna.  

A terceira via, portanto, não deve ser senão uma concentração de esforços nas ações que materializem esse aprimoramento, entre as quais pontifica a educação e o aprendizado permanentes, desde antes mesmo das primeiras letras, do que seja o comportamento correto perante a vida, onde se ensine o respeito aos direitos e à liberdade dos outros, a beleza da solidariedade, a correta interpretação e aplicação da justiça, a obediência à lei, os caminhos do desenvolvimento, a maneira de se extinguir a miséria, a importância da dignidade, e a prática do bem.  

Onde esse aprendizado se fizer na plenitude, a sociedade se fará justa, solidária, desenvolvida, e, nela, não haverá violência, e o homem viverá com dignidade.  

É esse aprendizado que haverá de acabar com os privilégios assegurados por legislações aprovadas sob a mistificação de que se destinavam a proteger os desvalidos, fazendo com que os recursos gastos com essas injustiças sejam aplicados em programas autênticos de erradicação da miséria, o que já representará um grande avanço na materialização desse objetivo.

 

É esse aprendizado, por exemplo, que fará sustar dispositivos legais como os que asseguram a um engenheiro, que trabalha no conforto dos escritórios de obra, aposentar-se com 25 anos de trabalho, enquanto o operário da construção, que trabalha no rigor da intempérie, muitas vezes mal alimentado, e que tem uma expectativa de vida 10 anos inferior à do engenheiro, necessita trabalhar 35 anos para ter a sua aposentadoria.  

É esse aprendizado que fará com que a sociedade perceba o papel social do empresário, uma vocação para produzir riqueza e gerar empregos, a única forma real de se poder erradicar a miséria.  

É esse aprendizado, por exemplo, que fará os operários bendizer o surgimento de pessoas empreendedoras, como um A. J. Renner ou um Michael Dell, que tenham criatividade, determinação e capacidade de aglutinar vontades e recursos para criar células econômicas que irão produzir, melhorar e reduzir o custo de bens de que os homens necessitam para viver com dignidade, e gerar os empregos que os trabalhadores precisam para poder usufruir a liberdade.  

É esse aprendizado que deixará claro que o empreguismo, seja ele fruto de interesses eleitoreiros desprezíveis, ou mesmo de atos de solidariedade equivocados, significa salários insuficientes para o funcionário público, menos obras que gerarão mais desempregados, e, portanto, menos escolas, menos hospitais, menos creches, mais estradas esburacadas, e mais pobreza.  

É esse aprendizado que fará os velhos, e mesmo os jovens, não lutarem para que as pessoas se aposentem precocemente, fazendo-os perceber que, além de não ser bom parar de trabalhar cedo, as aposentadorias precoces, criando um exército de aposentados, condená-los-ão a receber valores indignos de aposentadoria, que os deixarão dependentes da boa vontade de parentes ou amigos para viverem os últimos anos da sua vida com dignidade.  

É esse aprendizado que não permitirá mais que uma comunidade de 1.500 pessoas transforme-se em município criando a necessidade de manter um prefeito, oito vereadores, vários secretários, dezenas de funcionários, inúmeros gastos com o custeio de uma máquina burocrática desnecessária, porque um sistema tributário absurdo lhes garante, por esse ato insano, uma receita fiscal adicional importante, retirada das outra comunidades, que lhes dá a sensação de desenvolvimento autônomo, quando essa melhora provisória é feita às custas do empobrecimento de outras comunidades.  

É esse aprendizado que fará os governantes perceberem que o mecanismo mais justo e eficaz de erradicar a miséria e melhorar a distribuição de renda é o sistema tributário, quando racional e justo.  

É esse aprendizado que mostrará como a evolução na era da telemática e as mudanças tecnológicas da produção já permitem criar um sistema tributário justo, que liberte a sociedade dos graves defeitos do atual sistema, que empobrecem o país e aviltam seus cidadãos, impedindo um correto desenvolvimento econômico-social; que seja baseado em impostos não declaratórios e insonegáveis; que iniba a corrupção; quer reduza a quase nada os gastos de arrecadação; que simplifique a legislação reduzindo o contencioso judicial; que desonere o fator salário, os alimentos e as exportações, e que garanta a universalização da incidência tributária corrigindo o efeito concentrador de renda que a sonegação, a evasão e as mais variadas formas de elisão fiscal acarretam.  

É esse aprendizado que fará com que governadores e prefeitos convençam-se de que tal sistema é, de fato, possível, e que ele pode estabelecer a verdadeira autonomia financeira das suas unidades federadas - diferentemente de hoje, quando os FEFs, as leis Kandirs e outros instrumentos permitem que o poder central lhes reduza o erário a toda hora, modificando, unilateralmente, o pacto federativo constitucional -, e, assim convencidos, não só passem a apoia-la, mas a trabalhar para que seja implantada.  

 

Pronunciamento feito no dia 25.11.99, na Câmara Municipal de Porto Alegre, por ocasião do recebimento do título de "Cidadão de Porto Alegre".  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/1999 - Página 34907