Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE O RELATORIO FINAL DA COMISSÃO MISTA ESPECIAL DESTINADA A ESTUDAR AS CAUSAS ESTRUTURAIS DA POBREZA NO BRASIL E PROPOR SOLUÇÕES.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • COMENTARIOS SOBRE O RELATORIO FINAL DA COMISSÃO MISTA ESPECIAL DESTINADA A ESTUDAR AS CAUSAS ESTRUTURAIS DA POBREZA NO BRASIL E PROPOR SOLUÇÕES.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/1999 - Página 34915
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, RELATORIO, COMISSÃO ESPECIAL, DESTINAÇÃO, ESTUDO, MOTIVO, POBREZA, BRASIL, DETALHAMENTO, LOCAL, CONCENTRAÇÃO, MISERIA, TERRITORIO NACIONAL, EXECUÇÃO, BALANÇO, CRITICA, INEFICACIA, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, DIMENSÃO, RECURSOS, EFICACIA, ERRADICAÇÃO, SITUAÇÃO.

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a Comissão Mista Especial, constituída pelo Congresso Nacional com o objetivo de estudar as causas da pobreza no Brasil e apresentar soluções, concluiu seus trabalhos há poucos dias.  

O Relatório Final tem o mérito de trazer a público um conjunto de informações de grande importância. Além de relacionar e hierarquizar as principais causas da pobreza no País, aponta detalhadamente seus focos de concentração no território nacional, faz um balanço crítico das políticas implementadas nos últimos anos e dimensiona os recursos necessários para uma eficaz política de erradicação.  

Em nenhuma outra oportunidade dispomos de um documento tão bem elaborado, de conteúdo acessível e que permitisse a organização do debate em torno do tema, tanto no Congresso Nacional quanto na sociedade organizada. Assim, somente a confecção e a publicação desse documento já representa uma grande contribuição para o enfrentamento da pobreza no Brasil.  

O Relatório nos informa que em 1997 havia 53.933.960 pessoas consideradas pobres, o que , naquele ano, representava 33,9% da população brasileira. Veicula também que a pobreza está, proporcionalmente, mais presente no meio rural, muito embora, em números absolutos, resida no meio urbano: enquanto que no meio rural 58,5% da população é considerada pobre, o urbano abriga 64,8% do total de todo o País.  

Conceitualmente, para a CPI, pobres são as pessoas que não dispõem de um mínimo de renda para suprirem um conjunto de necessidades básicas, mas alcançam o consumo de 2.200 calorias diárias. Aquelas que não conseguem atingir sequer este nível são, na verdade, consideradas indigentes.  

A pobreza, no entanto, é um fenômeno complexo. Além de um nível insuficiente de renda, sabemos que pobre é quem dispõe de precárias condições de trabalho, moradia inadequada, baixa escolaridade, baixo nível cultural e dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Salientamos, assim, que a renda, embora importante, é apenas uma primeira aproximação, um primeiro passo para conhecermos as verdadeiras dimensões da pobreza no Brasil.  

Os trabalhos da Comissão Mista identificaram três grandes concentrações de pobreza, a saber: a metropolitana no Sudeste, com 5.564.830 pessoas (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo); a metropolitana no Nordeste, com 3.634.450 pessoas (consideradas apenas Fortaleza, Recife e Salvador); e a rural no Nordeste, com 12.467.380 pessoas. Em conjunto, representam mais de 40% de toda a pobreza no País.  

O Relatório nos informa também que, apesar de presente em todas os quadrantes do território nacional, tanto no campo quanto na cidade, a pobreza, em números absolutos e relativos, está mais presente no Nordeste. Na Região, 60,0% da população é considerada pobre, proporção que representa 51,2% de todo o contingente no Brasil. No concerto das grandes regiões brasileiras, a melhor posição relativa é a do Sudeste, que apresenta um percentual de 19,7% de pobres, enquanto que em números absolutos a região com menor número é o Centro-Oeste, com 4,9% do total nacional.  

Quando analisamos a situação em cada uma das unidades da Federação observamos que em todos os estados do Nordeste, assim como em Tocantins, mais de 50% da população é considerada pobre. Na outra ponta, apenas São Paulo, Distrito Federal, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul apresentam níveis de pobreza inferiores a 25% da população. O Espírito Santo, com índice de 26,9%, situa-se abaixo da média nacional, muito acima, porém, do que poderíamos considerar aceitável, tendo em vista o dinamismo da sua economia e seu potencial de inclusão social.  

Muito embora tenhamos consciência de que os índices de pobreza apresentados atualmente pelo País sejam inadmissíveis, é preciso assinalar que estes já foram bem maiores, especialmente no passado recente. A partir da crise da dívida externa, em 1982, instaurou-se no Brasil um agudo processo de estagflação, que vigorou até a implantação do Plano Real, em 1994.  

Durante esses 12 anos, com exceção de 1986, o ano do Plano Cruzado, ainda que ligeiramente decrescentes, os níveis de pobreza sempre estiveram elevados, muito acima dos índices apresentados nos anos setenta. Somente nos últimos anos, a partir de 1995, é que observamos uma queda acentuada. É preciso ter claro, entretanto, que os efeitos positivos imediatos da queda da inflação, da abertura comercial e da elevação do salário mínimo nos índices de pobreza já cessaram.  

O Relatório assinala que "os altos níveis de pobreza da população brasileira são um sinal de grave desordem em nossa economia e em nossa sociedade. (...) Nenhum outro país com um PIB per capita equivalente ao nosso apresenta grau de pobreza da população sequer próximo ao nosso. Há um imenso excesso de pobres e indigentes em nosso País, cujo número não pode ser explicado por insuficiência da renda nacional".  

A razão para índices de pobreza tão elevados, ainda segundo o Relatório "é o elevado grau de desigualdade da sociedade brasileira. Se as grandes desigualdades de renda do país fossem reduzidas, boa parte da pobreza seria eliminada. Na verdade, com o nível de renda per capita que já atingimos, poderíamos erradicar completamente a pobreza, caso o nosso grau de desigualdade fosse similar à média internacional".  

O texto do Relatório traz inúmeros indicadores sobre desigualdade, que evidenciam, sem margem a dúvidas, a constrangedora posição brasileira no cenário internacional.  

Dados do Banco Mundial, referentes a um conjunto de 92 países, mostram que o grau de concentração de renda no Brasil, medido pelo Coeficiente de Gini, está entre os mais elevados do mundo. Somente Malawi e África do Sul apresentam índices maiores que os do Brasil.  

Se tomarmos a razão entre a renda média dos 20% mais ricos e a dos 20% mais pobres, um indicador muito usual em comparações internacionais, em um conjunto de 42 países, a situação do Brasil é ainda mais preocupante, pois, bem destacado, é o país detentor do maior índice de desigualdade.  

Aqui, a renda média dos 20% mais ricos é 32 vezes maior que a renda média dos 20% mais pobres, enquanto que na maioria dos países, ricos e pobres, esta relação não é superior a 10 vezes. Na verdade, somente em três países ela é maior do que 20 vezes: Lesotho (21,5), Panamá (30) e Brasil (32).  

A profunda desigualdade na distribuição de renda e os baixíssimos níveis médios de escolaridade da população são as maiores causas imediatas da pobreza em nosso País. No entanto, ambas têm, mais remotamente, uma causa comum: o modelo de desenvolvimento excludente, que tem na extrema concentração da riqueza seu traço mais característico.  

De fato, o que temos no Brasil, e não é de hoje, é um modelo de desenvolvimento que não promove a igualdade de oportunidades. Ao contrário, gera a concentração da riqueza, do conhecimento e da renda. Com isso, produz e reproduz, reiteradamente, a exclusão e a marginalização.  

Nesta perspectiva, precisamos ter claro que a estagnação econômica e as elevadas taxas de inflação são fatores que agravam, mas não explicam inteiramente os elevados níveis de pobreza no Brasil. Em outras palavras, a estabilização dos preços e o crescimento econômico minimizam, mas não removem a natureza intrinsecamente concentradora do nosso modelo de desenvolvimento.  

Os trabalhos da Comissão levaram à conclusão de que o volume de recursos anuais para elevar o nível de renda de toda a população brasileira a patamares situados acima da linha de pobreza, é da ordem de R$ 34 bilhões. Este montante significa algo em torno de 4% do PIB e representa apenas 25% dos gastos públicos na área social. Trata-se de uma meta perfeitamente alcançável, especialmente se considerarmos que o montante atual de recursos gastos na área social é da ordem de R$ 130 bilhões ao ano, que, mal aplicado, acaba sendo apropriado pelos segmentos mais ricos, ou menos pobres, da população.  

Embora trate-se de um objetivo perfeitamente atingível por meio de políticas compensatórias, a literatura especializada, assim como o próprio Relatório, são enfáticos ao lembrar que só se combate verdadeiramente a pobreza e a marginalização com políticas de resgate e de inclusão social que sejam capazes de ir além das necessárias, porém insuficientes, medidas emergenciais, tais como as frentes de trabalho e a distribuição de alimentos, por exemplo.  

E políticas de inclusão social, para serem bem sucedidas, necessitam de instrumentos eficazes e bem focalizadas que permitam, no curto prazo, a identificação e o resgate das populações marginalizadas e, no médio prazo, a sua integração às relações econômicas, sociais e políticas do País.  

De nossa parte, ressaltamos que os esforços de resgate e integração, mesmo com políticas adequadas, serão tão mais bem sucedidos quanto maior for a velocidade com que crescem o nível de emprego e o excedente econômico, decorrentes do maior crescimento da economia.  

Com o crescimento sustentado da economia, maiores serão, na verdade, as possibilidades de inserção econômica das populações marginalizadas, pelo fomento do emprego, pela elevação dos salários nos setores mais dinâmicos e pela maior circulação da renda, ao mesmo tempo em que se aumentarão os recursos públicos para financiar as políticas públicas.  

Neste momento crucial em que vivemos, precisamos ter claro que da estabilidade macroeconômica não decorre automaticamente o crescimento sustentado da economia, da mesma forma que do crescimento sustentado da economia não decorre automaticamente a elevação do nível de emprego e de salários e muito menos a redução significativa dos níveis de pobreza.  

Segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, a elevação do salário mínimo, sob condições de estabilidade dos preços, é um dos instrumentos mais eficazes para promover a igualdade, posto que tem custo baixo de implementação, tem ação generalizada e feitos muito acentuados na redução dos níveis de pobreza, quer seja pela elevação do salário real, quer seja pela elevação do nível de emprego nos setores produtores de bens de consumo. Prova disso são os estudos que apontam a melhoria nos indicadores sociais nos anos recentes, entre eles a redução dos indicadores de pobreza, devendo-se ao aumento do salário mínimo, mais do que propriamente à queda da inflação.

 

Além disso, na base das políticas de inserção social deve estar a democratização do acesso a "ativos" estratégicos, especialmente terras, crédito e educação. Se tivermos clara a estreita relação entre a distribuição de ativos, a distribuição de renda e os níveis de pobreza no Brasil, estaremos aptos a desenhar e implementar, com maior eficácia, as políticas de resgate para a inclusão social e produtiva da população.  

A reforma agrária, o fortalecimento da agricultura familiar, o microcrédito, a autogestão, a atenção integral à criança e ao adolescente e os programas de renda mínima, quando associados à capacitação profissional e à escolarização de jovens e adultos, são, a um só tempo, políticas de resgate e inserção - verdadeiras políticas de promoção social.  

Não há razão de ordem econômica para justificarmos mais os níveis de pobreza que encontramos no País. Nem a falta de recursos públicos serve de justificativa.  

O Brasil é um país que do ponto de vista setorial é capaz de produzir praticamente todos os bens necessários ao consumo e ao investimento internos. É dotado de empresas competentes, de qualidade e com forte presença competitiva nos mercados internacionais. É também um país que já gasta na área social montante de recursos compatível com a erradicação da pobreza.  

O Relatório assinala, por fim, que o êxito das políticas públicas de combate à pobreza "depende da plena integração de todos os níveis de governo, com ênfase especial nos governos locais". A descentralização, na verdade, é uma das condições indispensáveis para o sucesso das políticas de inclusão social. Assinala também que "sempre que possível, deverão ser integradas aos esquemas de execução e de controle as entidades da sociedade civil que tiverem tradição e idoneidade e que sejam expressão legítima da organização voluntária da sociedade".  

Nesta virada de século, portanto, entre os tantos desafios que se apresentam para a sociedade brasileira, nos campos econômico e social, está, inequívoco, o de interromper a "cadeia de reprodução da pobreza", promovendo a inserção social e a igualdade de oportunidades para todos.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/1999 - Página 34915