Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A VIOLENCIA CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NO BRASIL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • REFLEXÃO SOBRE A VIOLENCIA CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 02/02/2000 - Página 1534
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • PROTESTO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, VITIMA, CRIANÇA, PAIS, INEFICACIA, INICIATIVA, GOVERNO, SOLUÇÃO, PROBLEMA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORÇO, SOLIDARIEDADE, COMBATE, INJUSTIÇA, MISERIA, CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, INSTITUIÇÃO RELIGIOSA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DEFESA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CRIANÇA, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, SENADOR, DEPUTADO FEDERAL, DEFESA, DIREITOS, CRIANÇA, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, lamentavelmente, a violência contra a criança vem se agravando na vida brasileira. Seu avanço é preocupante em todos os espaços de nossa sociedade. Mas, é no próprio lar, onde ocorrem as agressões mais freqüentes e o maior número de atentados sexuais. No seio de suas famílias, milhões de crianças são todos os dias covardemente surradas, seviciadas pelos seus próprios familiares, e submetidas aos mais sórdidos dos castigos.  

O motivo maior de minha vinda hoje a esta tribuna, é, mais uma vez, para protestar contra esses vergonhosos acontecimentos, que crescem a cada dia em nosso meio, e para unir a minha voz à de milhares de outros brasileiros anônimos que não suportam mais essa avalanche de agressões contra os mais indefesos, e lutam corajosamente contra ela.  

No último mês de novembro, aqui mesmo desta tribuna, pronunciei discurso de saudação pelo quadragésimo aniversário da Declaração dos Direitos da Criança. Em verdade, foi um pronunciamento amargo, sem muita alegria, com o coração dolorido, porque todos nós sabemos que, em boa parte do mundo das crianças, não existe paz, não existe amor e não existe justiça.  

De todos os países, sejam eles desenvolvidos, subdesenvolvidos, ou em vias de desenvolvimento, as estatísticas que examinamos nos mostram um mundo perigoso para as crianças, cheio de atrocidades e de atos que nos custa acreditar sejam praticados por seres humanos nos cinco cantos do mundo.  

Nos países mais avançados, naqueles onde a democracia, os direitos humanos e os níveis de conforto, de civilização, de cultura e de educação, são apresentados como verdadeiros recordes de satisfação, na verdade, as crianças sofrem castigos de toda sorte. Na Inglaterra, por exemplo, por incrível que possa parecer por causa do seu propalado grau de bem-estar e qualidade de vida, discute-se no Parlamento, neste momento, a freqüência das palmadas que os pais devem dar em seus filhos "trelosos". Por outro lado, nas escolas inglesas, não é novidade nenhuma que crianças são espancadas amiúde pelos professores.  

Nos Estados Unidos, país extremamente rico, a sociedade mais poderosa da Terra, onde a democracia e os direitos dos cidadãos são falsamente apresentados como conquistas inalienáveis, é, na verdade, uma das sociedades mais violentas e mais contraditórias do mundo. Lá, vídeos recentes realizados com câmeras escondidas em muitas residências, registraram brutalidades covardes e absurdas dos próprios pais contra seus filhos. As imagens revoltantes foram mostradas nas televisões do mundo inteiro e as vítimas não tinham mais de 3 anos de idade.  

Apesar dos pequenos avanços que registramos ao longo da história, não podemos de maneira alguma cair no desânimo e abandonar o campo da luta em defesa da dignidade humana. Precisamos continuar acreditando que temos o poder de domar a força malvada que infelizmente existe na natureza de muitas pessoas. Para tanto, acredito que um dos passos mais importantes está no fortalecimento de uma poderosa cadeia de solidariedade contra as injustiças, contra a miséria, em defesa da cidadania e de uma verdadeira democracia social e econômica em todo o mundo.  

Aqui no Brasil, apesar das gritantes contradições sociais que incentivam a violência em todas as direções, devemos reconhecer que já existe uma imensa rede de solidariedade que trava um combate permanente contra o mal, contra a solidão, contra o individualismo, contra o abandono, enfim, contra todo o tipo de violência. Essa corrente é formada por milhões de cidadãos benevolentes, voluntários, religiosos, brasileiros anônimos que não visam qualquer interesse pessoal e que estão disponíveis a qualquer hora, com a mão estendida para os necessitados, cheia de amor, de carinho e de compreensão.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, quando tomamos consciência do imenso poder e da grande força que essa corrente solidária representa, o nosso ânimo se enche de esperança e a nossa vontade de lutar por justiça se renova a cada dia.  

Por isso, é da mais alta importância que outras forças disponíveis sejam convocadas urgentemente para trabalharem juntas nesse combate sem trégua contra o desrespeito humano. Esses atores precisam se manifestar com mais veemência e com mais determinação. Nesse caso, refiro-me às instituições e às organizações que compõem a sociedade.  

Em nosso País, por exemplo, nós temos grandes elogios a fazer à Pastoral da Criança que congrega hoje mais de 5 mil militantes em todo o território nacional. É, na verdade, um pequeno exército que está presente em quase três mil e quinhentos municípios brasileiros, ensinando, conscientizando, e salvando a vida de milhares de bebês que, de outro modo, morreriam de diarréia e de outras doenças do subdesenvolvimento. O trabalho da Pastoral em defesa da vida infantil, nas áreas onde atua, principalmente nos guetos; nas favelas; nos cortiços infectos; debaixo das marquises e dos viadutos; no inferno dos corredores dos hospitais públicos; nas imensas e miseráveis periferias urbanas e nas áreas rurais mais longínquas; diminuiu o índice de mortalidade infantil a níveis impressionantes, mesmo dispondo de recursos financeiros insuficientes para o tamanho do resultado que conseguem.  

Da mesma maneira, temos elogios a fazer a muitas organizações não-governamentais e a inúmeros movimentos religiosos, que colocam seus membros a serviço dessa grande cruzada de esperança em todos os lugares do Brasil.  

Em contrapartida, no que se refere às ações desenvolvidas pelo Governo Federal em defesa da criança, não podemos nos expressar com o mesmo entusiasmo. Infelizmente, somos forçados a reconhecer que o Governo tem empreendido iniciativas bastante modestas para melhorar a vida infantil dos brasileiros.  

No último pronunciamento que fiz neste plenário sobre a situação da criança, e ao qual já me referi, mostrei alguns dados que comprovam as afirmações que estou fazendo. Por exemplo, segundo números do Sistema Informatizado de Acompanhamento de Gastos Federais (Siafi), divulgados na imprensa de grande circulação nacional, referentes aos 10 meses do ano de 1999, ou seja, até o final de outubro, o Governo havia gasto apenas 1,93% da verba do Orçamento destinada ao apoio e ao atendimento a menores infratores. Segundo a mesma fonte, além de ter gasto quantia irrisória, vale dizer que o total dos recursos públicos inscritos para esse fim, não ultrapassava o valor de 18 milhões de reais.  

É importante dizer, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, que, praticamente na mesma época em que esses gastos irrisórios foram divulgados, uma chocante onda de rebeliões agitou as dependências da Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem) em São Paulo, com mortes, agressões e destruição. Portanto, o Brasil inteiro viu pasmado, pela televisão, as cenas de violência, de fúria e de desespero no interior da Febem. De um lado, crianças e adolescentes revoltados com o tratamento desumano que existe lá dentro, e do outro, policiais fortemente armados, com os nervos à flor da pele, diante de uma situação de tensão extrema.  

Outras informações que gostaria de repetir aqui, servem igualmente para reforçar a afirmação de que existe um certo descaso das autoridades públicas em relação a um futuro melhor para as nossas crianças.  

Pois bem, de acordo com levantamentos feitos em 1997 e 1998, pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos em dez Estados brasileiros, cerca de 2,5 adolescentes, entre 13 a 18 anos, foram assassinados por dia nos dois períodos mencionados. O recorde de assassinatos ficou com o Estado de São Paulo, que registrou 428 homicídios nos dois anos estudados.  

Acompanhando o mesmo raciocínio, o Ministério da Justiça divulgou, em meados do ano passado, resultados de suas enquetes, em que o Estado de São Paulo concentrava 52,7% dos menores infratores do País que estavam internados por delitos cometidos. De acordo com a mesma fonte, dos 7.518 menores condenados com privação de liberdade, 3.968 cumpriam suas penas em São Paulo.  

Não poderia esquecer de registrar, ainda, as conclusões de uma pesquisa nacional divulgada no final do ano passado, encomendada pelo Ministério da Justiça e realizada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), que envolveu 604 Conselhos Municipais e 605 Conselhos Tutelares dos Direitos da Criança e do Adolescente, que são órgãos ligados às Prefeituras.  

Segundo os resultados dessa pesquisa, na Região Norte do Brasil, o problema mais sério apontado pelas crianças foi a exploração sexual. No cômputo geral, pela ordem de importância, tivemos roubos e furtos; estar fora da escola; maus-tratos e opressão. Outra conclusão que nos deixou preocupados, referiu-se ao abuso físico e verbal. Os dois apareceram como fatos corriqueiros no seio das famílias. No campo das recomendações, os pesquisadores foram unânimes em sugerir uma imediata mudança nas políticas voltadas para a infância e que são praticadas pelas autoridades públicas. Segundo eles, todas as crianças na escola deve ser a bandeira prioritária para atacar os problemas existentes.  

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, gostaria de finalizar este pronunciamento, tecendo elogios ao Congresso Nacional e a todos os eminentes Senadores e Deputados, independentemente de partidos e de posições ideológicas, que tiveram a sensibilidade de defender nas tribunas das duas Casas e nas Comissões competentes, os direitos das crianças do nosso País. Muitos até nem são mais detentores de mandatos eletivos mas suas proposições continuam tramitando e estão inscritas nos anais das duas Casas. Cabe a nós, que aqui estamos e que abraçamos a causa da infância como uma guerra a ser vencida, selecionar as matérias mais importantes, forçar a conclusão dos seus exames nas diferentes instâncias parlamentares e lutar pela sua aprovação rápida nos dois plenários. Este é o nosso grande papel como brasileiros, como cidadãos preocupados com futuro e como representantes legítimos do povo brasileiro, eleitos pelo voto popular.

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, quando reunia material para preparar este discurso, me deparei com documentos fornecidos pelo nosso Centro de Processamento de Dados e me dei conta de que 285 propostas de autoria de Senadores, ex-Senadores, Deputados e ex-Deputados, estão tramitando, neste instante, no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Como disse antes, é nossa obrigação lutar pela aprovação das proposições mais importantes. Esta será, sem dúvida, a colaboração que daremos à grande cadeia de solidariedade que se formou em nosso País em defesa das crianças.  

Era o que tinha a dizer!  

Muito obrigado.  

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/02/2000 - Página 1534