Discurso durante a 21ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS 392 ANOS DE NASCIMENTO DO PADRE ANTONIO VIEIRA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DOS 392 ANOS DE NASCIMENTO DO PADRE ANTONIO VIEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 08/02/2000 - Página 1880
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ANTONIO VIEIRA, SACERDOTE, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, VULTO HISTORICO, ATUAÇÃO, BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, quero lembrar e comemorar um acontecimento que foi palco a cidade de Lisboa, em Portugal, há 392 anos: no dia 6 de fevereiro de 1608, nasceu Antônio Vieira. Quero lembrar e comemorar essa data por força do papel desempenhado por esse personagem que se tornou o jesuíta Padre Antônio Vieira.  

Pregador, missionário, diplomata, político e utopista, o Padre Antônio Vieira legou à cultura luso-brasileira páginas da mais grandiosa eloquência sacra e política e exemplos da mais destemida audácia ao enfrentar e negociar problemas políticos, econômicos e sociais de toda ordem.  

Filho de Cristóvão Vieira Ravasco e Dona Maria de Azevedo, fidalgos portugueses de nobre estirpe, com apenas 7 anos de idade, veio para o Brasil. Fixou-se na Bahia, onde o pai exerceu a função de secretário de governo.  

Na Bahia, com 15 anos, o jovem Antônio fugiu da casa dos pais para ingressar na Companhia de Jesus. Na Companhia, foi tão distinto e avisado nos estudos que, aos 17 anos, foi encarregado de escrever, em latim, as cartas ânuas, cartas que os jesuítas encaminhavam a Roma todos os anos, relatando os trabalhos dos missionários em terra brasileiras. Nessa mesma fase da vida, já regia uma cadeira de retórica. Em 1635, recebeu as ordens sacerdotais e deu início à sua carreira de pregador.  

Como escritor e pregador, o legado literário de Vieira é enorme. Compreende mais de 200 sermões, mais de quinhentas cartas, numerosos relatórios, representações, pareceres e outros documentos de natureza política e diplomática, além de opúsculos religiosos ou de exegese profética e de defesa perante a inquisição.  

Em Vieira, o escritor, o religioso e o homem de ação são indissociáveis. O mais profundo interesse de seus escritos provém, na realidade, dessa sua característica. Mesmo as peças de oratória sacra intervêm, freqüentemente, de modo aberto, nas questões mais polêmicas e candentes da política brasileira ou da coroa portuguesa. É nesse campo que se encontra a eloqüência mais persuasiva e o floreio mais humano de sua obra; nas passagens mais diretas dos seus sermões, nas epístolas mais longas e empenhadas na polêmica, em documentos memoráveis como os que se referem às grandes campanhas contra a ferocidade, contra o estilo brutal da Inquisição portuguesa ou contra a escravidão de negros e ameríndios.  

A obra de Vieira, por muito tempo, constituiu-se paradigma da prosa em língua portuguesa. É uma prosa e um estilo inconfundíveis, pela propriedade vocabular, economia de adjetivos, precisão e clareza; pelo ritmo nervoso e disciplinado, pela força quase irresistível de sedução, constante elegância e perfil simples.  

Na sua obra, juntam-se a educação escolástica e a retórica das escolas dos jesuítas, nela, transparece uma longa experiência na arte de convencer, uma grande intuição psicológica cinzelada por essa experiência; estampa-se o gosto pelo jogo das palavras, a angústia na procura das essências caracterizada nos processos etimológicos, gramaticais, analógicos e silogísticos que utilizava, uma permanente grandeza que o impedia de deslizar para o nível corriqueiro, uma premente urgência prática nos efeitos a conseguir, num perfeito e constante esforço pela construção geométrica da decoração.  

Vieira foi tudo isso no Brasil e em Portugal.  

No Brasil, foi também missionário, na Bahia e no Maranhão. Foi missionário com o ardor e o entusiasmo de quem solicitou dos superiores a dispensa dos estudos maiores da Filosofia e da Teologia, para dedicar-se exclusivamente e desde cedo à catequese.  

Em 1666, enclausurado por ordem dos inquisidores portugueses nos cárceres do Santo Ofício, assim escreveu:  

"De idade de dezessete anos, fiz voto de gastar toda a vida na conversão dos gentios e doutrinar aos novamente convertidos, e para isso me apliquei às duas línguas do Brasil e Angola... E porque para esse ministério não me era necessária mais ciência que a Doutrina cristã, pedi aos Superiores me tirassem dos estudos, porque não queria curso nem Teologia, e cedia dos graus da Religião que a ele e a ela se seguem".  

Foi a partir do Maranhão que atingiu também a serra da Ibiapaba, no meu Estado do Ceará, para trabalhar na conversão dos Tabajaras e dos Tapuias.  

Talvez seu trabalho como missionário seja o que mais desvenda a têmpera da personalidade do Padre Antônio Vieira. Freqüentar palácios reais, pregar a reis e rainhas, relacionar-se no mundo diplomático, conduzir negociações no campo da política é apreciável, reluzente e em grande parte compensador. Encurtar os vôos do pensamento, privar-se do conforto da convivência nos escalões superiores da sociedade, deixar a culta Europa, as cátedras douradas, os púlpitos rutilantes, para – como escreve a poetisa Amélia Rodrigues – "falar de Deus ao íncola Tupi..." é "humilde, sublime, heróico abaixamento".  

No Maranhão, seu ardor missionário levou-o a "erigir um hospital, e a esse intento – como escreve João Francisco Lisboa em Vida do Padre Antônio Vieira – despertou o zelo da irmandade da misericórdia, que arrecadou não poucas esmolas - mas como a obra por então não fosse adiante, conseguiu sempre que se dispusesse em casa particular para receber os enfermos de todo desamparados, e em favor desse hospital provisório privou-se ele mesmo de muitas comodidades indispensáveis, dando-lhe a própria cama, e dormindo dali por diante em uma simples esteira de tábua".  

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, não quero delongar-me neste pronunciamento. Assunto não faltaria para longo tempo de considerações, seja por vastidão e significância do conteúdo, seja pela multifaceta da grandeza da personalidade do Padre Antônio Vieira. Bastem essas considerações, porém, para satisfazer o meu desejo de recordar a data de nascimento desse grande homem.  

Era o que desejava dizer. Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/02/2000 - Página 1880