Discurso durante a 13ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANUNCIO DO LANÇAMENTO ECUMENICO DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE, TENDO COMO TEMA "DIGNIDADE HUMANA E PAZ".

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • ANUNCIO DO LANÇAMENTO ECUMENICO DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE, TENDO COMO TEMA "DIGNIDADE HUMANA E PAZ".
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Francelino Pereira, Heloísa Helena, Maguito Vilela.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2000 - Página 4327
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • REGISTRO, LANÇAMENTO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), OBJETIVO, VALORIZAÇÃO, DIGNIDADE, PAZ, PATROCINIO, DIVERSIDADE, IGREJA, COMENTARIO, IMPORTANCIA, DEBATE, ASSUNTO, NECESSIDADE, BUSCA, GARANTIA, QUALIDADE DE VIDA, SAUDE, EDUCAÇÃO, CIDADÃO, PAIS.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DISCUSSÃO, SOCIEDADE, GOVERNO FEDERAL, PROBLEMA, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, CRIANÇA, OBJETIVO, BUSCA, ALTERNATIVA, SOLUÇÃO, SITUAÇÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje desejo assinalar o lançamento ocorrido na quarta-feira de cinzas da Campanha da Fraternidade, que tem justamente como mote "Dignidade Humana e Paz".

Cumpre registrar que, neste ano, a campanha se reveste de uma singularidade: pela primeira vez, a Campanha da Fraternidade não é uma campanha da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - ou da Igreja Católica, mas sim é uma campanha ecumênica, pois é patrocinada por várias igrejas cristãs, que resolveram unir-se para fazer proselitismo em favor da dignidade humana e da paz.

Por si só, o tema da campanha mostra a sua importância, a riqueza humana de que se reveste, uma vez que nos encontramos no novo milênio comemorando alguns eventos de grande importância para o Brasil, como os 500 anos da chegada dos portugueses a nossa terra. Essa campanha, como das outras vezes, vem justamente para incomodar a sociedade, trazendo à discussão assuntos de grande importância, que interessam, sobretudo, ao enorme contingente de brasileiros pobres, os chamados excluídos, que constituem parcela importante da nossa população.

Falando em dignidade humana, trata-se, portanto, de assegurar a todos os brasileiros um mínimo de condições para a sua sobrevivência. É preciso assegurar condições materiais, condições de saúde e de educação. Tudo isso acontece no momento em que estamos no centro de um grande debate sobre, por exemplo, a fixação do salário mínimo. Muitos levantam suas vozes para exigir um valor que seja capaz de, ao menos, sinalizar a preocupação do Poder Público em fixar um piso que represente alguma conquista a mais do trabalhador brasileiro.

Quando se fala em paz, esse assunto suscita a discussão sobre a violência que estamos vivendo no Brasil e que se manifesta de várias formas: violência contra a mulher, cujo Dia Internacional transcorreu na quarta-feira passada, mas que, nesta semana, está sendo comemorado de maneira intensa no Congresso Nacional; violência contra a criança, que é vítima de todos os tipos de abuso, que muitas vezes é jogada nas ruas, sem nenhum tipo de assistência, ou que está precocemente envolvida com o trabalho, trabalho duro e desumano muitas vezes; a violência das ruas, de todos os dias, os assaltos, os crimes. Enfim, esse é um problema que nos tem preocupado bastante e que é extremamente atual.

Ainda ontem, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em solenidade que ocorreu no Palácio, segundo a imprensa, cobrava do Congresso Nacional uma posição sobre o problema da violência, dizendo que tinha feito a sua parte. Encaminhou o projeto para o Congresso, e, até agora, não tivemos condições de deliberar. Creio que Sua Excelência se referia ao projeto que trata da proibição de armas. Há um projeto na Câmara e dois ou três projetos no Senado, e, até o momento, não chegamos a uma conclusão e não fomos capazes de deliberar, votando uma proposta para encaminhar ao exame do Chefe do Poder Executivo. E Sua Excelência cobrava isso.

Há um conjunto de causas que atuam no sentido de transformar, cada vez mais, a nossa sociedade numa sociedade violenta, numa sociedade que traz insegurança aos seus membros. A Unesco, há pouco tempo, lançava o Ano Internacional da Paz. Cria-se um ambiente, por meio de diversas instituições, no sentido de consolidar uma atitude, um comportamento, uma conduta de paz, que não é uma paz que evita os conflitos ou a violência no sentido estrito, mas uma paz muito maior, a chamada paz social, que permite um convívio harmonioso, mesmo em uma sociedade onde existem categorias sociais e econômicas diferenciadas.

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano - volto a dizer - tem uma característica especial, porque não é uma campanha apenas da Igreja Católica, da CNBB, mas uma campanha de várias igrejas cristãs que se reuniram, em uma atitude ecumênica, para difundir, junto a toda a sociedade, para maior discussão e reflexão, esses temas ligados à paz e à dignidade humana.

Ao mesmo tempo, no domingo passado, o Papa João Paulo II, em cerimônia no Vaticano, em nome da Igreja Católica, pedia perdão por uma série de fatos, de ocorrências, de erros históricos que a Igreja Católica cometeu ao longo de sua existência, numa atitude humilde e cristã de reconciliação. Sua Santidade pedia perdão às minorias, aquelas que, de uma forma ou de outra, em um determinado momento, foram esmagadas por uma atitude de intolerância da Igreja; pedia perdão aos judeus, que, muitas vezes, sofreram o braço cruel, o braço pesado da Inquisição; pedia perdão a todos aqueles que foram vítimas desse processo divisionista da própria Igreja, da cristandade que se fragmentou em dissidências diversas. Enfim, o Papa, numa atitude de humildade e de reconciliação, como disse, pediu perdão por todos esses deslizes históricos que a Igreja cometeu ao longo da sua vida e que trouxeram muito sacrifício e muita infelicidade a muitos contingentes populacionais.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Ouço o Senador Maguito Vilela, com todo prazer.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Senador Lúcio Alcântara, estou acompanhando atentamente o seu pronunciamento, até porque V. Exª é um dos mais brilhantes Senadores desta Casa e tem feito pronunciamentos de muita profundidade. Quero dizer que também saúdo essa grande Campanha da Fraternidade. Acredito que isso ajuda o nosso País, melhora o astral do nosso povo, mas não acredito que terá êxito em um país que está fazendo um esforço gigantesco para aumentar o salário mínimo para R$180. Não acredito nessas campanhas e vou dizer o porquê. Agora mesmo, na capital do meu Estado, Goiânia, dois mendigos foram queimados; a imprensa nacional deu a notícia. Mulheres e homens humildes foram espancados no meio da rua; a imprensa noticiou. Há poucos dias, um pai de família, pai de três crianças, foi assassinado com balas de borracha da própria polícia dentro do campus da Universidade Federal do meu Estado. Esses crimes horripilantes estão acontecendo em todo o Brasil. E Goiânia está a poucos quilômetros de distância. Mas por que isso, Sr. Senador? É a falta de política social correta neste País, é a falta de apoio aos humildes, aos pequenos, aos desassistidos, aos desempregados, aos excluídos de uma forma geral. Enquanto isso, vejo muitos políticos querendo tirar recursos do Fundo de Combate à Pobreza e à Fome para cobrir um possível déficit do salário mínimo, que, em um esforço gigantesco, irá para R$180, o que é uma vergonha. Penso que o Brasil deveria estar discutindo um salário mínimo de pelo menos R$500, saia de onde sair. Dane-se o resto!. Mas o que o Brasil está querendo discutir é o teto de R$23 mil para o funcionalismo público e esquece de discutir o salário mínimo, que hoje é indutor de fome e de pobreza neste País. Portanto, não adianta as igrejas e todos nós nos solidarizarmos com essa campanha se não houver uma decisão política do Governo Federal de estabelecer um salário mínimo digno, que não seja tão vergonhoso como tem sido o do Brasil. Nós também, no Congresso, por exemplo, não devemos aprovar um teto salarial de R$23 mil, pois seria uma agressão aos pobres, aos humildes, aos famintos, aos excluídos, aos desempregados. Se chegarmos a aprovar um teto salarial de R$23 mil, estaremos ajudando o Governo a agredir muito mais esses pobres, que hoje estão incomodando o Brasil, estão incomodando os ricos e que nos envergonham, perante o mundo, com os crimes mais bárbaros e dantescos exibidos diariamente nos noticiários da televisão. Cumprimento efusivamente V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Senador Maguito Vilela, agradeço o seu aparte, que me dá ensejo para também manifestar a minha completa discordância - aliás, registrada, hoje, no Jornal do Brasil - quanto à destinação desses recursos do Fundo da Pobreza para a elevação do salário mínimo. Isso é um absurdo! O Fundo da Pobreza, se vier a ser criado - o que espero venha a acontecer, assim como V. Exª, que, como Presidente da Comissão Mista, muito se empenhou nesse sentido, juntamente com outros Srs. Senadores e Deputados -, vai cuidar do miserável, do indigente, daqueles que não recebem nem mesmo esse salário mínimo ridículo. Como tirar, então, desses miseráveis e indigentes os recursos para garantir a previdência e aposentadoria de outras pessoas que, bem ou mal, já percebem alguma coisa? É uma idéia que devemos afastar de plano, porque ela não se sustenta, não tem nenhuma consistência que nos permita sequer debater a questão.

Com relação aos crimes bárbaros ocorridos em Goiânia, sobre os quais V. Exª fez referência em seu aparte, todos sabemos que cada Senador que se manifeste sobre esse assunto pode trazer situações semelhantes dos seus Estados, reafirmando aquilo que eu disse quanto a vivermos em uma sociedade extremamente violenta, em uma sociedade desarmônica, que desrespeita esses valores fundamentais da convivência humana.

Que motivação podem ter essas pessoas, a não ser a maldade, a crueldade, a desumanidade, para transformar mendigos em verdadeiras tochas humanas? Há também aqueles que perseguem homossexuais, discriminando-os, matando-os. Penso que há mais do que razões sociais de fome, de miséria e de desemprego; há um outro combustível que coloca em andamento, em marcha esse tipo de comportamento.

Os últimos dados de prisão de responsáveis por quadrilhas no Rio de Janeiro, trazidos pela imprensa, mostram famílias da classe média ingressando no mundo do crime. E aí há um outro dado dessa sociedade de consumo em que vivemos que não podemos deixar de mencionar: o desejo passou a ser uma necessidade. O desejo de possuir alguma coisa, o desejo de adquirir um bem, o desejo de ser proprietário de um determinado bem está passando a ser uma necessidade para essas pessoas. E, movidas por essa necessidade, ingressam no mundo do crime para conseguir os recursos capazes de garantir o acesso a esses bens.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esses fatos servem para aquecer a nossa indignação e a nossa insatisfação com essa situação e fazer com que lutemos para mudar esse estado de coisas.

Nesse sentido, o lançamento dessa Campanha da Fraternidade é mais um instrumento de mobilização da sociedade, pois faz com que ela fique atenta ao desrespeito a esses valores.

Entendo, por exemplo, que o valor que será fixado para o salário mínimo seria muito menor se tivéssemos ficado calados, se não tivesse havido uma mobilização cobrando medidas do Poder Público. Portanto, sou favorável a não nos acomodarmos, a tentarmos, de todas as formas, reagir contra esse estado de coisas. Somente assim avançaremos e obteremos algum ganho nessa luta que estamos travando.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Ouço V. Exª com muito prazer.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Lúcio Alcântara, quero parabenizar V. Exª por trazer a esta Casa a discussão da Campanha da Fraternidade, lembrando que a Igreja pediu perdão a algumas comunidades que, durante décadas, foram vítimas da sua omissão ou da sua cumplicidade. Muitas vezes, a população questiona a validade do perdão, como se ele não tivesse importância fundamental dentro da hierarquia da Igreja. Mas, do ponto de vista do Direito Canônico, do ponto de vista da Igreja Católica, é extremamente relevante o fato de a maior expressão da hierarquia da Igreja Católica pedir perdão, perante a opinião pública, àqueles setores da sociedade que, direta ou indiretamente, foram vítimas da sua omissão. É um gesto de generosidade importantíssimo no seio da Igreja Católica. Sabemos que nem sempre as Campanhas da Fraternidade conseguem refletir a modificação das condições concretas de vida da população, mas nem por isso devemos minimizar ou menosprezar a sua importância. A CNBB, por meio das Campanhas da Fraternidade, tem feito relevantes discussões em defesa da soberania nacional. A penúltima Campanha da Fraternidade, "Um filho teu não foge à luta", abordava o patriotismo, a necessidade de se declarar amor à Nação Brasileira. Isso, sem dúvida, é de fundamental importância. A Igreja Católica, o Movimento Evangélico Progressista e vários outros setores da sociedade, como V. Exª bem lembrou, estão engajados na luta pela dignidade, pela esperança, contra a violência e a pobreza. E isso é que qualifica o debate com a sociedade, no sentido de que a Igreja, no futuro, não precise pedir perdão, mais uma vez, pela omissão do seu passado. Portanto, quero parabenizar V. Exª quando aborda um tema tão importante.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Muito obrigado, Senadora Heloisa Helena. V. Exª foi muito feliz quando falou sobre o significado, o valor do perdão, que não é um gesto gratuito, mas um gesto de generosidade.

O que a Igreja fez ao lado do conquistador - quando, ao lado do mosquetão, estava o terço; ao lado do canhão, estava a cruz; quando dilatou a fé e também os domínios imperiais - é objeto dessa reflexão. A Igreja brasileira vai aproveitar a comemoração dos 500 anos do Brasil para refletir sobre o papel da Igreja em relação aos índios e aos negros, sobre a convivência da Igreja com o poder, que, em determinados momentos, esqueceu-se do pequeno, do humilde, daquele que mais deveria merecer o seu olhar, a sua atenção.

Portanto, é nesse ambiente de diversidade, de reflexão e de pedido de perdão que todos devemos também fazer a nossa própria reflexão, cada um na sua atividade, cada um com o seu grau de responsabilidade perante a sociedade, para, ao diagnosticarmos esses males, criarmos alguma medida que possa evitá-los no futuro.

O Sr. Francelino Pereira (PFL - MG) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Ouço o Senador Francelino Pereira.

O Sr. Francelino Pereira (PFL - MG) - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª, com certeza, dispensa qualquer elogio a sua pessoa e ao seu destino de homem público. Quero apenas manifestar a minha satisfação por ouvi-lo, ressaltando a significação da Campanha da Fraternidade promovida pela entidade máxima da Igreja Católica no Brasil. Confesso a V. Exª que esta situação existente no País, caracterizada por um desnível social muito grande e por uma desigualdade perversa, exige reflexão e, ao mesmo tempo, permite, sobretudo num regime democrático como o de hoje, uma manifestação permanente de inconformismo. A verdade é que não há desenvolvimento sem inconformismo. E esse inconformismo representa um horizonte magnífico, o do desafio. Somos 160 milhões de brasileiros, dos quais pelo menos 120 milhões têm idade mais expressiva e estão, por meio de debates, cuidando e tratando dos interesses e do desenvolvimento do País. É preciso salientar que essa tarefa do desafio é muito importante. Esse desafio não existe na Suíça, na França, na Inglaterra ou na Itália; ele existe nos países em piores condições, subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil. É bom ser brasileiro, porque esse desafio, efetivamente, encanta a todos nós, desde que seja partilhado por todos os brasileiros, pobres ou ricos. De maneira que felicito V. Exª por seu pronunciamento.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador Francelino Pereira.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio. Fazendo soar a campainha.)

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Já irei concluir, Sr. Presidente.

Senador Francelino Pereira, V. Exª tem experiência como ex-Governador, como Parlamentar, como homem que tem intimidade no trato das coisas públicas e sabe que não podemos ceder à tentação do voluntarismo. Essas questões são muito graves, muito complexas. Não podemos resolvê-las, dar soluções justas a elas, apenas com um impulso - que é generoso, muitas vezes -, pois soluções inspiradas em bons sentimentos podem levar a desastres sociais e econômicos.

O que reivindico é o espaço da luta política, que está entre a acomodação com uma situação extremamente desconfortável, como a que temos no Brasil do ponto de vista social, e a possibilidade política, a possibilidade de realizar algo de concreto em favor das pessoas, sem comprometermos a essência da estrutura do Estado e da própria organização da sociedade.

Falando sobre assuntos como esse, sempre me inspiro no Senador Eduardo Suplicy. Há pouco tempo, S. Exª deu aos membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania a cópia de um trabalho de Thomas Paine, um federalista que defendeu a tese de que cada homem tinha direito a uma renda para assegurar a sua sobrevivência. E, há pouco tempo, li A Memória da Pobreza , de Alexis de Tocqueville, um grande pensador político, um grande liberal. Em seu livro, ele faz uma crítica acerba, por exemplo, ao Poor Act - a Lei da Pobreza, na Inglaterra -, às distorções que a implantação dessa lei ocasionou, em termos sociais, de fraudes, de concessões indevidas, de desvios e distorções que se implantaram na sociedade em função de uma lei que nasceu de um impulso generoso do reconhecimento de que havia ali milhares de pessoas que não podiam prover a sua própria sobrevivência.

Vejo que o Senador Eduardo Suplicy tem interesse em apartear-me, tendo em vista ter levantado o microfone. Portanto, indago à Mesa se posso conceder-lhe o aparte.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Se o eminente Senador Eduardo Suplicy aparteá-lo por, no máximo, um minuto, V. Exª poderá conceder o aparte.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Não sei se S. Exª será capaz de falar apenas um minuto, entretanto, concedo-lhe o aparte.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Cumprirei. Senador Lúcio Alcântara, cumprimento V. Exª pela preocupação hoje externada sobre esse assunto. Aliás, V. Exª tem em seus braços, em sua mente e em sua alma a extraordinária responsabilidade de encontrar uma solução para essa questão, uma vez que é o Relator do Fundo de Combate à Pobreza. Quero e tenho procurado colaborar com V. Exª nessa tarefa. O ensaio de Thomas Paine, bem como o trabalho de Alexis de Tocqueville, que faz críticas à lei dos pobres, são relevantes colaborações nesse sentido. Precisamos estudar e proporcionar a garantia de uma renda a todos os brasileiros. Esse estudo deve levar em consideração a experiência que se tem desde 1500, quando se elaboraram as primeiras leis de assistência aos pobres. Exatamente em função de toda a experiência, economistas e filósofos têm advogado e defendido a instituição de uma renda básica universal. Há a proposta do Imposto de Renda Negativo, mediante a qual se pretende assegurar a sobrevivência de todos. Seria um passo na direção da renda básica universal. Seria próprio se V. Exª examinasse a criação do Fundo de Combate à Pobreza levando em consideração o conceito da garantia de uma renda mínima e ainda a definição de um salário mínimo, instrumentos que devem ser devidamente coordenados. Vou encaminhar a V. Exª o mais recente trabalho - acabo de receber do eminente professor Philippe Van Parijs - sobre a instituição de uma renda básica no Século XXI. Esse trabalho foi formulado para a reunião da União Européia, realizada em Portugal, em fevereiro último.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Muito obrigado, Senador Suplicy. O aparte de V. Exª traz mais luz a esse debate, que se poderia alongar por toda a tarde uma vez que se trata de matéria de alta importância e implica a análise de uma série de fatores que podem contribuir para uma política de redenção da pobreza no Brasil.

Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2000 - Página 4327