Pronunciamento de Francelino Pereira em 23/03/2000
Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
REGISTRO DO LIVRO DE AUTORIA DO SENADOR JOSE ROBERTO ARRUDA, INTITULADO "LUCIA, A MÃO DE GLAUBER".
- Autor
- Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
- Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA CULTURAL.:
- REGISTRO DO LIVRO DE AUTORIA DO SENADOR JOSE ROBERTO ARRUDA, INTITULADO "LUCIA, A MÃO DE GLAUBER".
- Publicação
- Publicação no DSF de 24/03/2000 - Página 5257
- Assunto
- Outros > POLITICA CULTURAL.
- Indexação
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- ELOGIO, LIVRO, AUTORIA, JOSE ROBERTO ARRUDA, SENADOR, ASSUNTO, CINEMA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, PRODUÇÃO, GLAUBER ROCHA, DIRETOR, ATUAÇÃO, LUCIA ROCHA, MÃE, PRESERVAÇÃO, OBRA INTELECTUAL.
O SR. FRANCELINO PEREIRA
(PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Lúcia, a mãe de Glauber
é o título que o Senador José Roberto Arruda escolheu para seu recém-editado livro, que encerra uma história de amor, profundamente humana, sobre o cinema nacional. José Roberto é mineiro de Itajubá e hoje integra a Bancada de Brasília no Senado da República.
O Senador José Roberto Arruda é escritor? É memorialista?
Confesso que não sabia, mas também não pretendo decifrar esse enigma. Vejo que José Roberto - não o Senador - escreve cartesianamente, porque engenheiro, nascido em Itajubá, sul de Minas Gerais, onde se formou na Faculdade de Engenharia.
O livro é dedicado à memória e à obra de Glauber Rocha e também à esposa do autor, "Mariane Vicentini, que me levou ao cinema", como está dito no livro de José Roberto.
Lúcia, a mãe de Glauber é apresentada por Zuenir Ventura e Carlos Diegues, duas figuras exponenciais da cultura brasileira.
A obra enfoca um dos mais significativos personagens da cinematografia brasileira, Glauber Rocha, mas também, e de forma igual, a figura que sempre acompanhou o cineasta com a força suprema do desvelo, sua mãe Lúcia.
Dona Lúcia, como é conhecida, já não tem Glauber a seu lado, mas, com a mesma pertinácia de um tempo em que o filho era vivo, segue acompanhando todos os momentos do cinema brasileiro, que foi o mundo dele e continua sendo o dela.
Em janeiro último, tive o enorme prazer de encontrar-me com Dona Lúcia quando se realizava o primeiro evento do ano da nossa cinematografia, A Mostra do Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais. Conversamos muito, não apenas sobre Glauber, mas também sobre a Comissão Especial do Cinema do Senado e os desafios que enfrentamos para filmar o Brasil.
Menos de um mês depois, a alegria renovada. Era o Festival Grande Prêmio Cinema Brasil , no Quitandinha, em Petrópolis, e lá estava de novo essa notável e austera, mas também doce figura, Dona Lúcia Rocha, mãe de Glauber, o cineasta que nos legou talvez a página mais brilhante do nosso cinema e que Darcy Ribeiro definiu como "o que podia fazer mais, o que podia criar mais, o nosso herói, o mais capaz de nós, o gênio".
Pois é essa a personagem que o Senador José Roberto Arruda teve a felicidade de acolher nas páginas do seu livro, cujo título, significativo e interpretando com fidelidade o texto, só poderia ser Lúcia, a mãe de Glauber .
Na Mostra Tiradentes, em Minas Gerais, e, no Quitandinha, no Rio de Janeiro, ou em qualquer outro ponto a que o cinema brasileiro comparece, Dona Lúcia é presença certa, a tudo acompanhando com interesse, como sempre fez ao lado do filho, nos momentos de expectativa ou de glória, mas também nos de tristeza e de apreensões.
Essa comovente trajetória de Dona Lúcia, exposta no livro, compõe uma fase da nossa cinematografia que ao historiador não será dado omitir.
Avalio o livro como fonte que pode nos ajudar a entender um pouco as origens e a realidade do trilhar do cinema no Brasil, sobretudo a sua parte mais humana. Um trilhar difícil. De incertezas quase indomáveis, mas, ao mesmo tempo, cheio de encantamento. De conquistas e de sentimento quase uma devoção.
Li o livro, que, ao descrever a saga de Dona Lúcia, registra também a fantástica odisséia cumprida por seu filho, um mágico da sétima arte, cuja obra atesta a maturidade do cinema brasileiro.
Dona Lúcia , o livro, é, na verdade, um pedaço do retrato sincero das dificuldades que se antepõem no caminho de quem ousa fazer cinema no País. Dificuldades que, seno muitas e desafiadoras - e, às vezes, motivo de desalento - e quase nunca são reveladas, ao contrário do que ocorre agora no texto de Arruda, o escritor.
Glauber sempre ousou, porque, movido pelo entusiasmo. Era de seu estilo entregar-se, de corpo e alma, às obras que produziu, como ocorreu, por exemplo, na fase do Cinema Novo, um notável capítulo da criatividade brasileira, do qual ele é seu expoente.
Glauber Rocha já não existe, mas ficou como uma legenda perene do cinema brasileiro, e sua mãe, aos 80 anos de idade, continua trabalhando, das 8 às 18 horas, no Templo de Glauber, criado no Rio de Janeiro, para preservar a memória desse grande personagem brasileiro. Conforme conta Arruda, ela vai e volta de ônibus e mora de aluguel.
O livro revela o motivo: sua casa foi vendida, quando Glauber filmava Idade da Terra, acreditando com toda a força de sua convicção que, se viesse a ser vencedor no Festival de Veneza, poderia comprar outra casa para Dona Lúcia., com a bilheteria com que havia sonhado.
Em Veneza, porém, a vitória acabou sorrindo para uma outra película.
Em conseqüência, Glauber, cujo filme era o mais cotado e do qual tudo esperava, nunca soube como se desculpar à mãe, ao ver escoar-se a chance de adquirir o prometido imóvel. Mas, ela própria, foi a primeira aceitar a vicissitude, dizendo ao filho:
- Glauber, meu filho, vendi a casa, mas ganhei um filme !
Esse registro, que extraio do livro do Senador José Roberto Arruda, dá bem uma idéia dos enormes percalços a que faço menção e que a tantos ficam sujeitos os nossos cineastas.
Glauber, mencionado como exemplo, nunca foi rico, apesar de sempre trabalhar arduamente, a ponto de adquirir o hábito de escrever os roteiros de seus filmes simultaneamente com outras criações, razão pela qual usava duas máquinas de escrever Remington.
Numa delas, criou uma sucinta mas expressiva ode a Brasília. Enquanto filmava a fase de Idade da Terra que se passa na Capital, enamorou-se da arquitetura e do horizonte que aqui vislumbrava, a partir da torre de televisão, retribuindo à paisagem com esta definição afetiva:
Brasília- escreveu ele - é a cidade mais bonita do mundo e a grande verdade a ilumina.
O filme, no qual Glauber depositara as esperanças maiores, começou a ser rodado ainda durante o regime discricionário.
Mas era também a véspera de um tempo em que, como registra o livro do Senador, "as pessoas já acreditavam no fim do regime militar, mas ninguém sabia como seria o day after."
O cineasta, porém, ia mais longe – continua o autor do livro sobre Dona Lúcia. "Ele tinha a consciência de ter visto a Abertura lá atrás e agora queria pensar o dia seguinte."
Para produzir as cenas de Brasília Glauber levava a vantagem de conhecer bem a cidade, "nela sentindo um esoterismo diferente, uma certa atração."
As filmagens em Brasília foram precedidas de tomadas na Bahia, terra natal de Glauber, baiano de Vitória da Conquista.
Senhoras e Senhores Senadores:
O livro de que falo hoje é mais uma contribuição à cultura brasileira. E tem um outro mérito, além do valor literário: situa o leitor nos meandros do cinema brasileiro, mostrando um capítulo de uma canção heróica composta com amor, sempre, por isso que também com apego e afeição.
O amor é o que vemos estampado nas telas quando assistimos a uma criação do cinema brasileiro. O apego, este pertence à fase de produção, quando os cineastas se vêem na contingência de abrir mão até mesmo do próprio patrimônio familiar, alcançado a muito custo e em geral ao fim de uma jornada de vida.
Ao saudar a edição desse livro, encaminho à Mesa requerimento em que solicito um voto de congratulação ao seu autor, José Roberto, Senador, e escritor.
Muito obrigado.