Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE OS ESFORÇOS DO GOVERNO FEDERAL NO ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO AGRARIA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • COMENTARIOS SOBRE OS ESFORÇOS DO GOVERNO FEDERAL NO ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO AGRARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2000 - Página 5314
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROMOÇÃO, JUSTIÇA, REFORMA AGRARIA, SOLUÇÃO, CONFLITO, POSSE, TERRAS, REGISTRO, DADOS, ASSENTAMENTO RURAL.
  • ANALISE, IDEOLOGIA, POLITICA PARTIDARIA, REFERENCIA, REFORMA AGRARIA, COMENTARIO, ALTERAÇÃO, RELAÇÃO DE EMPREGO, CAMPO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO.
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, IMPUNIDADE, ZONA RURAL, REGISTRO, VITIMA, HOMICIDIO.
  • REGISTRO, OBJETIVO, GOVERNO FEDERAL, DESCENTRALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, MUNICIPIO, INCENTIVO, AGRICULTURA, FAMILIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje à tribuna desta Casa para fazer alguns comentários sobre a questão agrária brasileira e sobre os esforços que o Presidente Fernando Henrique Cardoso vem fazendo desde o seu primeiro mandato, no sentido de promover uma reforma agrária justa e resolver, em definitivo, o problema da posse da terra e dos conflitos rurais em nosso País.  

Ao longo de todo o nosso processo histórico, os problemas agrários brasileiros sempre foram colocados de maneira oposta e conflitante entre os chamados ideais de esquerda e os ideais conservadores. Os primeiros, sempre defenderam mudanças radicais na estrutura agrária nacional, e os segundos, que viam nessas idéias, pelo menos até a derrocada da União Soviética, um cheiro forte de comunismo no campo, temiam pelo fim dos velhos privilégios que os favoreceram durante séculos. Portanto, apesar das profundas mudanças políticas e ideológicas verificadas no mundo nos últimos dez anos, esse importante antagonismo ainda resiste até hoje, embora com outras conotações.  

O que restou desse conflito, que atravessou séculos e que continua tirando o sono dos grandes e médios proprietários e ceifando a vida de muitos trabalhadores rurais, é o esgotamento total das relações sociais, políticas e econômicas que sempre predominaram no campo. Estas, em permanente contradição com o avanço da globalização, não têm mais condições de existir, pois a evolução fantástica das forças produtivas capitalistas gerou novos parâmetros, que definem a reprodução do capital com muito mais rapidez, eficiência, qualidade e competitividade.  

Dessa maneira, a velha e secular injustiça social derivada do monopólio da terra no Brasil, inclusive passando de pai para filho, está com os dias contados. Além disso, com as referidas transformações mundiais, os velhos dogmas também mudaram. Por exemplo, a chamada esquerda, que não admitia que uma reforma agrária pudesse ser feita em um regime liberal. Hoje, ao contrário, já é majoritária nesse meio a posição de que a superação da exploração do homem do campo pode ser atingida sem a ocorrência da revolução ou da luta armada. Certamente, ainda ouvimos aqui e ali, sobretudo entre os setores mais ortodoxos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), discursos radicais, convocações revolucionárias e palavras de ordem completamente ultrapassadas para o momento em que vivemos. Todavia, nos meios acadêmicos mais progressistas, entre setores políticos e religiosos de vanguarda, e na quase totalidade das organizações sociais mais importantes do País, a defesa é por uma reforma agrária democrática, e pela ação exemplar da justiça na punição dos crimes que são cometidos contra trabalhadores rurais.  

Apesar dos esforços desenvolvidos pelo Governo Federal e pelos setores democráticos de nossa sociedade, no sentido de avançar com a reforma agrária e acabar com a injustiça no campo, a violência rural envolvendo fazendeiros, jagunços e pistoleiros contra os sem-terra, tem ocupado quase que diariamente as manchetes dos jornais nacionais e tem deixado centenas de mortos de ambos os lados.  

Todavia, essa onda de violência não pode ser vista como um fenômeno isolado ou simplesmente como conseqüência apenas da disputa superficial pela posse da terra. As causas reais da violência existente no campo são muito mais profundas e, em grande parte, são decorrentes do conjunto dos enormes problemas sociais e institucionais que temos, da vergonhosa impunidade nacional que protege pecuaristas, grileiros e madeireiras em suas atividades ilícitas, e da própria fraqueza do Estado, que ainda não tem capacidade suficiente para coordenar a vida social da Nação em sua totalidade.  

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, constantemente, líderes sindicais são assassinados nas zonas rurais do Brasil, provocando veementes protestos internacionais e deixando o Governo em situação delicada. Só para relembrar alguns casos que chamaram a atenção mundial nos últimos anos, não podemos nos esquecer do Padre Josimo Morais, vigário de São Sebastião do Tocantins, assassinado enquanto defendia posseiros de um ataque de jagunços, em 1986. Dois anos depois, às vésperas do Natal de 1988, em sua própria casa, era assassinado o líder rural Chico Mendes, então Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre. Como é do conhecimento de todos, Chico Mendes sustentava uma luta perigosa contra os pecuaristas, que aumentavam os seus rebanhos e as suas pastagens incendiando a floresta, destruindo os seringais, atemorizando as populações locais e ameaçando índios e seringueiros.  

Em 1991, acontece o assassinato do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Pará, e do líder do Sindicato de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Em agosto de 1995, em Rondônia, considerada como uma das fronteiras agrícolas mais violentas do Brasil, 187 policiais militares, protegidos por decisão judicial concedida pelo então juiz da comarca de Colorado, Glodner Luiz Pauleto, na tentativa de desalojar setecentas famílias que ocupavam a fazenda Santa Elina, na região de Corumbiara, mataram a tiros cerca de quarenta sem-terra e entre os mortos se encontravam várias crianças. Finalmente, o mais chocante dos conflitos envolvendo policiais militares e sem-terra, aconteceu em 1996, em Eldorado dos Carajás, no Pará, onde pequenos proprietários e trabalhadores rurais, durante muitos anos, lutavam contra o avanço indiscriminado do latifúndio. No dia do massacre, 1.500 sem-terra bloqueavam a rodovia PA-150 em protesto contra o descaso do Governo em relação aos graves problemas rurais existentes. Naquele dia, policiais militares e jagunços a soldo dos grandes fazendeiros da região, diante das câmeras de televisão, dispararam suas armas contra homens, mulheres e crianças, matando dezenas de pessoas.  

Segundo dados divulgados em vários estudos acadêmicos sobre conflitos recentes de terras no Brasil, nos últimos dez anos, aconteceram 976 crimes, a maioria cometidos por policiais, militares e civis, a serviço de madeireiros e pecuaristas. Nesse mesmo período, foram registrados 5.567 choques violentos.  

Apesar das manchas de sangue que marcam profundamente a luta pela justiça social no campo e que envergonham ainda mais a imagem do Brasil no exterior, devemos reconhecer que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso assentará mais gente no meio rural do que todos os governos que o antecederam nesses últimos trinta anos.  

Segundo declarações recentes do Ministro Raul Jungmann, do Desenvolvimento Agrário, nos próximos três anos, mais 200 mil famílias serão assentadas. Para isto, o Ministro conta com um orçamento global de R$ 13 bilhões e com as ações do Banco da Terra. Dessa maneira, até o final do seu mandato, o Presidente Fernando Henrique poderá declarar o assentamento de 600 mil famílias em todo o País, como dissemos antes, quase três vezes mais do que as 218 mil famílias que foram assentadas nos trinta anos anteriores ao seu Governo.  

Durante o seu primeiro período presidencial, a reforma agrária investiu 7,5 bilhões de reais e contemplou um milhão e meio de trabalhadores rurais, que passaram a ter dignidade, a levar uma vida decente com suas famílias e a trabalhar em sua própria terra. Vale ressaltar que esse número de assentados representou uma média de 72 mil famílias por ano, ou seja, dez vezes mais do que todos os assentamentos que foram feitos desde o aparecimento do Estatuto da Terra, em 1964.  

Por outro lado, o grande objetivo que o Governo tem agora é o de descentralizar a reforma agrária para envolver diretamente outros atores nessa grande cruzada em direção ao desenvolvimento socioeconômico sustentável do meio rural. Para tanto, a decisão é a de criar conselhos municipais que, por sua vez, decidirão sobre os novos assentamentos que deverão ser feitos; prestarão assessoria agrícola aos novos agricultores; ensinarão técnicas adequadas de exploração do solo; indicarão o tipo de cultura mais apropriado para uma determinada área; e ajudarão na abertura de mercado para os produtos que serão produzidos nos assentamentos.  

Como podemos constatar, a reforma agrária do Governo é muito mais abrangente do que a simples distribuição de terra e muito mais séria do que as ações paternalistas que sempre predominaram no passado. O que se pretende realmente, além do assentamento, é dar todas as condições ao trabalhador rural para que ele possa superar os graves problemas sociais que o afligem, praticando agricultura familiar rentável, altamente produtiva e eficiente.  

Seguindo esse roteiro, os novos assentamentos terão apoio de até cinco mil reais por família para instalação; demarcação topográfica; construção de casa; elaboração de plano de desenvolvimento; implantação de infra-estrutura básica como estradas, água e energia; titulação imediata; e prazo de dois anos para que cada novo agricultor deixe o programa de reforma agrária e fique vinculado à órbita do Ministério da Agricultura, como agricultor familiar.  

Sr. Presidente, Sras. e Senhores Senadores, a reforma agrária que está sendo realizada no Brasil, dentro da lei e da ordem, sem radicalismos, com responsabilidade e com racionalidade, assegura ao homem do campo o acesso democrático à terra, que deixará de ser um privilégio dos poderosos para se tornar um direito de todos. Portanto, o Governo tem plena consciência de que está diante de uma grande oportunidade histórica, que é a de dar cidadania a milhões de brasileiros que começam a participar da vida ativa do País.  

Muito obrigado.  

Era o que tinha a dizer.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2000 - Página 5314