Discurso durante a 22ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE O SALARIO MINIMO E A PROPOSTA DE QUE CADA ESTADO ESTABELEÇA SEU PISO SALARIAL.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • COMENTARIOS SOBRE O SALARIO MINIMO E A PROPOSTA DE QUE CADA ESTADO ESTABELEÇA SEU PISO SALARIAL.
Aparteantes
Amir Lando.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2000 - Página 5402
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • CRITICA, VALOR, SALARIO MINIMO, INEFICACIA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, SUBSISTENCIA, FAMILIA.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, INFERIORIDADE, ESTABELECIMENTO, VALOR, SALARIO MINIMO, MOTIVO, OBRIGATORIEDADE, UNIFICAÇÃO, ESTADOS, FEDERAÇÃO.
  • PREVISÃO, POSSIBILIDADE, ROMPIMENTO, NECESSIDADE, UNIFICAÇÃO, SALARIO MINIMO, EXISTENCIA, PODER, UNIÃO FEDERAL, GOVERNO FEDERAL, UTILIZAÇÃO, LEI COMPLEMENTAR, DELEGAÇÃO DE COMPETENCIA, ESTADOS, LEGISLAÇÃO, MATERIA, ESPECIFICAÇÃO, DIREITO DO TRABALHO, INCLUSÃO.
  • ESCLARECIMENTOS, IMPOSSIBILIDADE, LEI COMPLEMENTAR, COERÇÃO, GOVERNADOR, ABERTURA, POSSIBILIDADE, AUMENTO, PISO SALARIAL, SUPERIORIDADE, SALARIO MINIMO.
  • ELOGIO, POSIÇÃO, MARIO COVAS, GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, POSSIBILIDADE, AUMENTO, SALARIO MINIMO.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, da mesma forma, venho tratar da questão do salário mínimo. Sou, como os demais oradores, adepto de uma posição extremamente crítica e da mais aguda insatisfação com o valor do salário mínimo no Brasil.  

Como houve somente reajustes anuais do salário mínimo no período em que houve estabilidade da moeda, ou seja, de 1995 para cá, se fizermos uma retrospectiva e uma avaliação, veremos que, em todos os anos, repete-se a mesma situação: em 1995, um salário mínimo muito baixo; em 1996, um salário mínimo considerado muito baixo; em 1997, também; em 1998 novamente um salário muito baixo; em 1999, da mesma forma e, agora, no ano 2000, ele foi fixado em R$151,00, quantia absolutamente insatisfatória, absolutamente incabível para o que pretende o salário mínimo, que é atender o mínimo necessário para a sobrevivência de uma família.  

Portanto, não há nada de novo quanto a isso; o valor do salário mínimo é muito baixo. É injustamente baixo. É baixo e injusto na sua própria natureza.  

No entanto, em 2000, último ano do século XX, surge uma pequena novidade: uma mínima fresta, uma pequena brecha, uma estreita fissura, que nos deixa antever ou vislumbrar alguma possibilidade nova. É a isso que quero me referir. Além da fixação de um salário mínimo muito baixo, há algo de novo na proposta apresentada para o ano 2000? A resposta, no meu entender, é sim. Realmente, pode haver algo de novo e possivelmente mais promissor na proposta apresentada para o salário mínimo no ano 2000.  

A Constituição Federal, no art. 7º, inciso IV, dispõe que o salário mínimo tem de ser nacionalmente unificado. Disse-me um empresário de São Paulo que não entende por que o salário mínimo é de R$150,00. Segundo ele, qualquer empresa em São Paulo, pequena, média ou grande, poderia perfeitamente pagar um salário mínimo de R$300,00 ou R$350,00. E ainda me disse que se alguém procurar um trabalhador para cumprir oito horas de jornada de trabalho, seis dias por semana, portanto, para 44 horas semanais, em São Paulo, não conseguirá alguém aceite receber o atual salário de R$136,00 ou o de R$151,00. Por quê? Porque o limite da oferta de mão-de-obra é o limite da sua existência; ou seja, por esse valor, não há oferta de mão-de-obra. Conseqüentemente, não há empregados que queiram esse tipo de emprego, para receber R$136,00 por mês. Disse-me, ainda, aquele empresário, que mesmo uma pequena empresa se quiser ter um funcionário para trabalhar 44 horas por semana, terá de pagar R$300,00 ou R$350,00 e até, em algumas regiões, R$400,00 por mês, para ter um trabalhador de serviços gerais. Com isso, ele dá uma medida de qual é o salário mínimo real, verdadeiro, efetivo, em São Paulo; é aquele determinado pela lei da oferta e procura da mão-de-obra. Não há mão-de-obra, possivelmente, em boa parte da cidade de São Paulo, para atender à demanda de quem pague apenas R$136,00 por 44 horas de trabalho.  

Segundo um jornalista econômico com quem conversei, em certas regiões do País onde há alguns municípios extremamente pobres, que não têm renda e onde a prefeitura é a única fonte de emprego, a única garantia da existência de uma renda mínima na cidade, o salário mínimo de R$136,00 já é extremamente inviável.  

E é esse o parâmetro do Brasil. O parâmetro do Brasil é essa prefeitura de uma cidade pobre, de uma região qualquer do País, que evidentemente paga o salário mínimo muito mais para que as pessoas não morram de fome, com frentes de trabalho, do que propriamente por considerá-lo a forma mais justa de remunerar o trabalho de um cidadão.  

Como podem esses dois brasis conviver? Eles podem e devem conviver. Mas, imaginemos que o Presidente da República fixasse como salário mínimo aquilo que é pago em São Paulo, R$400 por mês. Imaginemos que o salário de R$400,00, que é absolutamente razoável em São Paulo, fosse o salário mínimo nacional. O que ocorreria com a prefeitura que mencionamos? Na verdade, não se trata apenas de um exemplo, pois há várias prefeituras nessa situação espalhadas pelo interior do Brasil. Os empregos artificiais das frentes de trabalho, criados para que as pessoas não morressem de fome, desapareceriam porque a prefeitura não poderia pagar R$400,00 e manter o mesmo número de empregados. Necessariamente, para pagar R$400,00 demitiria mais da metade dos funcionários das frentes de trabalho. Esse, infelizmente, é o Brasil em que vivemos, essa é a realidade, que nos causa grande tristeza e que nos obriga a ter um salário mínimo nacional unificado. Justamente porque o salário mínimo nacional tem que ser unificado é que precisa ser nivelado pela mais baixa forma de pagamento existente no País. O parâmetro é sempre o de nivelar por baixo, porque seria impossível para as prefeituras de cidades pobres nivelar por cima, ou seja, pelos R$400,00. Essa é a prisão a que temos de nos submeter, essa é a camisa-de-força dentro da qual temos que ficar amarrados?  

Pois ouso dizer, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que surgiu, pela primeira vez, a possibilidade de romper essa prisão, de romper essa camisa-de-força, e, possivelmente, sem deixar de atender a um salário mínimo nacional unificado, fixado pelo Governo Federal, pela União. Pela primeira vez há uma brecha, uma pequena fissura: a possibilidade de antever um salário mínimo de R$400,00, por lei, em São Paulo; de R$250,00, por lei, na Bahia.  

E, aí, entra a discussão do ponto de vista jurídico. Isso pode ocorrer segundo a Constituição brasileira? Tem a União o poder delegacional de transmitir aos Estados a competência de legislar sobre questões específicas de Direito do Trabalho? Esta, a pergunta que tentarei responder. Na minha opinião, Sr. Presidente, a resposta é sim.  

A Constituição dispõe:  

 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:  

I - direito civil, comercial, penal processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.  

 

Portanto, Direito do Trabalho – e aí se incluí o salário mínimo – é matéria de exclusiva competência da União, só podendo ser objeto de legislação gerada a partir do Governo Federal.  

Todavia, há uma ressalva, estabelecida no parágrafo único do art. 22:  

 

Art. 22. - ............................  

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.  

 

Portanto, aqui está expressamente prevista na Constituição a existência de um poder delegacional do Governo Federal e da União para os Estados.  

Quais são as matérias relacionadas no art. 22? Muitas e, entre elas, Direito do Trabalho. Salário mínimo é matéria inclusa no âmbito do Direito do Trabalho e, portanto, a própria Constituição confere à União e ao Governo Federal o poder delegacional de transmitir aos estados federados competência de legislar sobre questões específicas – frise-se –, porque jamais poderá haver uma delegação genérica, inespecífica, de caráter amplo e geral. Por exemplo: não pode o Governo Federal, a União, transmitir aos estados o poder de legislar sobre o Direito do Trabalho em geral – isso está vedado. Em matérias amplas e genéricas, não é possível. Contudo, em questões específicas, esse poder delegacional é conferido, pela própria Constituição, à União para transmiti-lo aos estados. Ou seja: pelo art. 22, parágrafo único, sobre questões explícitas, específicas, determinadas, rigorosamente definidas, como no caso do salário mínimo, o poder delegacional existe, e os estados podem legislar nessas hipóteses.  

É importante ressaltar que, ao delegar essa competência, a União não pode fazê-lo por via de lei ordinária ou por medida provisória; é preciso, sim, uma lei complementar. Este, um ponto muito importante.  

Por outro lado, o fato de autorizar os estados a legislar sobre a matéria específica – salário mínimo – não exclui da União o dever de estabelecer um salário mínimo nacional unificado, que é este de R$151,00, tão crítica e injustamente baixo, como nós todos aqui demonstramos, no debate que se estabeleceu nesta Casa.  

É ruim, mas está fixado o salário mínimo nacional unificado.  

Ainda mais: tem essa autorização caráter coercitivo, impositivo, compulsório? Não! Se um governador quiser se omitir, quiser se isentar desse papel, ele poderá fazê-lo. Ou seja: ele pode não usar a autorização e simplesmente não legislar sobre salário mínimo. Nesta hipótese, ou ainda, naquele estado em que o governador não tomou a iniciativa de enviar uma lei à assembléia legislativa, naquele estado especificamente, vigorarão os R$151,00. Portanto, a lei complementar não pode ter caráter coercitivo; não pode obrigar o governador a fazer uma lei que ele não quer fazer. Ele tem, pois, essa possibilidade. Com a possibilidade, é claro, ele passa a ter o dever moral, mas pode se escusar desse dever se assim entender.  

Será preciso também regulamentar as questões relativas à contribuição previdenciária a partir dessas variáveis ou em face dessas variantes do salário mínimo.  

Em último lugar – e atenção para este dado que é da maior importância –, devo alertar para o debate que vemos ser travado em torno dos governos estaduais, da máquina pública estadual. Nessa oportunidade, ouvimos sempre: "Eu, governador, pago tanto. Eu, governador, posso pagar tanto porque meu estado está com as contas em dia e organizadas; o meu estado não tem dívidas." Atenção: o poder que o governador passa a ter de legislar, de enviar matéria à assembléia legislativa do seu estado, para que ela a transforme em lei, é de caráter geral, ou seja, erga omnes , vale para todos.  

Quando um governador manda uma lei, fixando um salário mínimo estadual, este será aplicável ao setor público, à estrutura administrativa do seu governo, bem como será aplicável às empresas privadas. A iniciativa privada também estará submetida ao parâmetro do salário mínimo estadual.  

Portanto, a discussão não está apenas em saber se o governo do estado poderá pagar o salário mínimo então fixado aos funcionários públicos; a discussão também tem que incluir a avaliação sobre saber se a estrutura das empresas, para garantir o mesmo nível de emprego, pode pagar o salário mínimo estabelecido pela lei a ser aprovada pela assembléia legislativa.

 

Essa é uma discussão que, tenho certeza, irá se desdobrar em muitas e sucessivas análises e debates que serão feitos através do tempo.  

Sr. Presidente, por oportuno, quero aqui, desde logo, elogiar a postura do Governador Mário Covas. S. Exª, ao ver surgir a possibilidade de ampliar esse salário mínimo tão baixo, tão criticado e tão criticável, oferecido pelo Governo Federal, ao invés de ficar triste, regozijou-se dizendo: "temos aqui, marcadamente, uma iniciativa que favorece o princípio federativo da autonomia dos estados". Assim, ao contrário de ver nisso um encargo, um peso, um ônus, ele viu nisso um caminho para um novo pacto federativo, o que é realmente da maior importância. Cumprimento, por isso, a atitude, a palavra e o posicionamento do Governador Mário Covas.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a história do salário mínimo é a mesma. Ele é muito baixo mais uma vez. Todavia, diferente do ano anterior, do anterior ao anterior, diferente do anterior ao anterior..., neste ano há uma pequena brecha, uma estreita fissura que permite que o salário mínimo se torne maior do que R$151,00.  

Quem não quer caminhar por essa brecha, abrir esse dique e deixar passar as águas quer que o salário mínimo fique nos baixíssimos R$151,00.  

Obrigado, Sr. Presidente.  

 

É /


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2000 - Página 5402