Discurso durante a 26ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A REELEIÇÃO E SOBRE OS PROGRAMAS DE PRIVATIZAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL E DO GOVERNO DO ESTADO DE GOIAS.

Autor
Maguito Vilela (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Luiz Alberto Maguito Vilela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO. ESTADO DE GOIAS (GO), GOVERNO ESTADUAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A REELEIÇÃO E SOBRE OS PROGRAMAS DE PRIVATIZAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL E DO GOVERNO DO ESTADO DE GOIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2000 - Página 5814
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO. ESTADO DE GOIAS (GO), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REELEIÇÃO, POLITICA, PRIVATIZAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, INFERIORIDADE, PREÇO, VENDA, EMPRESA ESTATAL, AUSENCIA, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • APREENSÃO, ANUNCIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE GOIAS (GO), PRIVATIZAÇÃO, CENTRAIS ELETRICAS DE GOIAS S/A (CELG), COMPANHIA DE SANEAMENTO DE GOIAS S/A (SANEAGO), DESCUMPRIMENTO, COMPROMISSO, CAMPANHA ELEITORAL, RISCOS, AUMENTO, TARIFAS, REDUÇÃO, QUALIDADE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PREJUIZO, POPULAÇÃO.
  • APREENSÃO, AUSENCIA, LUCRO, COMPROMISSO, INICIATIVA PRIVADA, INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, POSTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, SANEAMENTO, ESPECIFICAÇÃO, SITUAÇÃO, ESTADO DE GOIAS (GO).
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO, AUTORIDADE, ENTIDADE, SOCIEDADE CIVIL, OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, AGUA, ESGOTO, ENERGIA ELETRICA.
  • DENUNCIA, IRREGULARIDADE, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE GOIAS (GO).

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB – GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu gravar na história brasileira pelo menos duas iniciativas que, a meu ver, se perpetuarão como dois monumentais equívocos: a implantação do instituto da reeleição e a desastrada política de privatizações.  

A reeleição dispensa comentários. O próprio Presidente experimenta o amargo remédio da baixa popularidade. Nos Estados onde governadores se reelegeram, salvo uma ou duas exceções, o quadro é de descontentamento popular em face da paralisia que tomou conta das administrações.  

Fico absolutamente à vontade falando desse tema por tratar-se de uma posição que tenho defendido durante toda a minha trajetória política. Em 1998, mesmo estando no exercício do mandato de governador, ostentando bons índices de aceitação popular, por coerência, abri mão do direito de disputar a reeleição por entender que se trata de algo nocivo para o País em nosso atual estágio democrático.  

O outro equívoco, como disse, refere-se às privatizações. O Governo Federal, sob os argumentos de melhoria dos serviços e de diminuição de tarifas, que depois se mostraram absolutamente falsos, comandou uma verdadeira operação desmonte em patrimônios nacionais. Entregou grandes empresas a preços realmente abaixo do normal. Vendeu e recebeu como pagamento recursos do próprio Governo, que saíram sob a forma de financiamento barato. E pior ainda: o dinheiro que entrou, ou melhor, que voltou, simplesmente evaporou com o pagamento de juros de dívidas, quando poderia ter-se transformado em benefícios para a população que sofre com a ausência de boa saúde, de saneamento, de boas estradas, de luz no campo e nos povoados.  

Como se não bastassem as experiências mal sucedidas em nível nacional, especialmente nos setores de energia e água, começamos a ver agora alguns Estados tentando caminhar pela mesma trilha, para cometer os mesmos erros.  

O Governador do meu Estado, por exemplo, acaba de anunciar a intenção de privatizar a Celg – Centrais Elétricas de Goiás – e a Saneago – Companhia de Saneamento e Esgoto Sanitário. Projeto nesse sentido foi encaminhado, na semana passada, à Assembléia Legislativa, traindo, inclusive, um compromisso que ele havia assumido durante a campanha.  

A gravidade maior desse fato, no entanto, não está na negação da palavra do Governador, na traição que ele impõe agora ao povo goiano, coisas que já se tornaram comuns. O Governador goiano, em pouco mais de um ano de governo, conseguiu mostrar que é um político que não costuma cumprir a palavra empenhada.  

O que mais nos preocupa são as conseqüências desse ato. Não podemos esquecer o desastre que foi a privatização do setor elétrico no Rio de Janeiro, em São Paulo e em outras unidades, os "apagões" da Light, da Eletropaulo, o engodo do "raio de Bauru". Onde o setor elétrico foi entregue à iniciativa privada não houve ganho algum para a população. Ao contrário: os serviços pioraram e as tarifas aumentaram. Em alguns casos, aumentaram antecipadamente, com índices que chegaram a 150%, como forma de estimular os investidores pelo lucro grande e fácil.  

Aumentos que não resultaram em melhoria nos serviços. Com relação à satisfação dos consumidores com as companhias de energia elétrica, dados divulgados pela Aneel, em 1999, mostram que os melhores desempenhos são de concessionárias ainda não privatizadas, entre elas as de Brasília, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.  

Quando eu era Governador, vendemos a usina de Cachoeira Dourada, mas fizemos questão de manter o controle das centrais elétricas. Naquele momento, após um debate amplo com a sociedade, decidimos trocar um patrimônio do Estado por outros patrimônios que melhoraram a vida dos goianos. Com os recursos da venda, levamos energia rural a quase 90% das propriedades rurais, ampliamos sistemas de abastecimento de água, abrimos estradas, asfaltamos outras, consolidamos uma infra-estrutura fundamental para o novo estágio da economia goiana: a agroindustrialização.  

Em nenhum momento aceitamos sequer discutir a possibilidade de abrir mão da Celg, do controle do setor energético do Estado. Entendemos ser essa uma área estratégica, assim como o saneamento. Duas áreas que exigem ainda fortes investimentos que não serão bancados pela iniciativa privada, porque muitos deles não trazem rápido retorno financeiro. Estima-se que, no caso especifico do saneamento, os investimentos possibilitam uma taxa de retorno máxima de 12% ao ano. Como os investimentos são elevados, sua amortização em prazos menores representaria tarifas insuportáveis para a sociedade.  

Com a iniciativa privada a regra é uma só: se não há tarifa, não há resposta à altura na prestação de serviços. Se não há retorno rápido, não há investimento. Esse é um diferencial enorme para com as estatais. Mesmo com tarifas menores ou com retornos de longo prazo, elas investem para não comprometer a qualidade dos serviços prestados.  

O investidor privado só visa o lucro financeiro. E empresas como a Celg e a Saneago, num País ainda carente de obras nesses setores, devem buscar, antes de tudo, o lucro social.  

Uma empresa que vise apenas retornar o capital investido não construirá uma rede de energia num pequeno povoado, muito menos levará, com baixo custo, energia rural para pequenas propriedades. Certamente seriam investimentos que não compensariam. Não dariam lucro rápido. Embora sejam obras ainda fundamentais.  

A Celg e a Saneago são empresas sólidas, fortes. Durante nossa gestão no governo, as duas, juntas, investiram cerca de R$20 milhões, mensalmente, em novas obras, promovendo um avanço extremamente significativo nesses setores. Nesse período, a Saneago passou a integrar o grupo das seis melhores concessionárias do País. Mas ainda há uma carência grande nessas áreas no Estado, como de resto em todo o Brasil.  

A água é um bem público estratégico. É algo indispensável à sobrevivência da população. Não pode sair das mãos do Estado. O próprio Ministro tucano José Serra foi categórico ao posicionar-se contrário à privatização das companhias de saneamento.  

Privatizar empresas de telefonia, disse o Ministro, é diferente de privatizar empresas de água. E eu diria que também empresas de energia. São setores que demandam ainda muitos investimentos a fundo perdido. O Senador Tião Viana, na semana passada, fez um brilhante pronunciamento nesta tribuna abordando esse tema. O número de apartes que recebeu, a manifestação maciça dos Senadores mostra realmente ser um equívoco entregar essas companhias a investidores, quase sempre estrangeiros, totalmente descompromissados com a vida do cidadão.  

A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, a Abes, também manifestou-se contrária à privatização do setor de saneamento básico. De acordo com o Presidente da instituição, Antônio Marsiglia Netto, o raciocínio parte do nível de atendimento à sociedade. Os sistemas de água atendem atualmente apenas 72% da população brasileira e o esgotamento sanitário apenas 31%.  

A população não atendida encontra-se geralmente nas regiões mais pobres, em municípios e povoados de população pequena. Isso significa que o investimento necessário à universalização dos serviços seria destinado a atender a população de menor poder de pagamento, de menor consumo. Ou seja, com retorno econômico pífio.  

A Abes apresenta ainda outro argumento irrefutável. Os serviços de saneamento constituem-se em monopólio natural, cujo produto é de consumo obrigatoriamente universalizado, o que contradiz a regra básica de mercado, que é a lei da oferta e da procura. E não dá para entregar monopólios naturais à iniciativa privada. É interessante notar que nos países desenvolvidos, à exceção de França e Inglaterra, os serviços de abastecimento de água e saneamento são, em geral, públicos.  

A privatização do setor telefônico, embora eu continue criticando a forma como foi feita e o destino dos recursos, é mais lógica. Gera competição e, em tese, melhores serviços e menor preço. Mas, no caso do setor elétrico e da água, não. Como bem retratou o Senador Geraldo Melo, não haverá dois encanamentos paralelos, nem duas redes de energia numa mesma cidade, para que você possa escolher a que cobra menor tarifa.  

No caso específico de Goiás, a gravidade ainda é maior, quando se levanta a suspeita de que o objetivo do Governo goiano é usar os recursos provenientes das privatizações para tentar sair do buraco administrativo em que se meteu no ano passado. De forma indiscriminada, foram concedidos aumentos a apaniguados políticos, detentores de cargos de confiança; foram criados cargos com salários altíssimos para empregar aliados. Isso fez com que o comprometimento da receita com a folha de pagamento saltasse de 62% para quase 90% em pouco mais de um ano, aniquilando a capacidade de investimento do Estado.  

Friso bem: foram aumentos salariais para apaniguados e aliados políticos. A educação, que necessita de reajuste, está em greve por melhores salários, coisa que não víamos em Goiás há quase 10 anos. Os policiais civis e os profissionais de saúde também pararam suas atividades, o que está transformando o Estado num verdadeiro caos.  

Entregar um patrimônio público, cuja missão é fundamental para a saúde e o conforto da população, por si só já seria um erro, agora, fazer isso para cobrir falhas administrativas é um crime. O Governo de Goiás demonstra uma insensibilidade inexplicável ao tentar tocar adiante esse projeto. Como cidadão goiano, como Senador, envidarei todos os esforços no sentido de impedir que essa aberração se concretize. Unirei esforços aos sindicatos, a setores organizados da sociedade, que já se mobilizam contra as privatizações, para tentar barrar essa idéia que só trará prejuízos ao meu Estado, ao Estado de Goiás.  

Entendo que privatizar esses setores da administração significa o total desrespeito com a comunidade mais pobre, que aguarda pela luz na sua porta e pela água na sua torneira. A dívida social dos governos é muito grande. Essa é uma prerrogativa da qual não se pode fugir, não se pode abrir mão. Não podemos deixar que a irresponsabilidade de um governante comprometa a qualidade de vida de gerações inteiras que nos sucederão.

 

Portanto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é bom que alguns governantes não cometam o mesmo erro que cometeu o Governo Federal. É lógico que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é um homem de bem, de princípios, mas, infelizmente, muito mal assessorado, no que diz respeito a essas privatizações que levou o Brasil a um equívoco. Está na hora de impedirmos que governantes de outros Estados também cometam esse mesmo equívoco histórico.  

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2000 - Página 5814