Discurso durante a 27ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE REPORTAGEM PUBLICADA HOJE, NO JORNAL DE BRASILIA, SOBRE REDUÇÃO E AUMENTO DA POPULAÇÃO QUE VIVE ABAIXO DO NIVEL DE POBREZA NO PAIS, DE ACORDO COM DADOS DO IPEA.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA SALARIAL.:
  • REFLEXÕES SOBRE REPORTAGEM PUBLICADA HOJE, NO JORNAL DE BRASILIA, SOBRE REDUÇÃO E AUMENTO DA POPULAÇÃO QUE VIVE ABAIXO DO NIVEL DE POBREZA NO PAIS, DE ACORDO COM DADOS DO IPEA.
Aparteantes
Ademir Andrade.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2000 - Página 6427
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DE BRASILIA, DISTRITO FEDERAL (DF), DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), REFERENCIA, POPULAÇÃO, POBREZA, HISTORIA, PLANO, ECONOMIA, CRUZADO, REAL, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • IMPORTANCIA, CORRELAÇÃO, ESTABILIDADE, MOEDA, MELHORIA, SITUAÇÃO, POBREZA, PRE REQUISITO, EFICACIA, PROGRAMA, ERRADICAÇÃO, MISERIA, DISCUSSÃO, POLITICA SALARIAL.
  • DEFESA, DIVERSIFICAÇÃO, SALARIO MINIMO, REGIÃO, BRASIL.

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DISCURSO PRONUNCIADO PELO SR. SENADOR JOSÉ FOGAÇA, NA SESSÃO ORDINÁRIA NÃO DELIBERATIVA ORDINÁRIA DE 03-04-2000, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, PUBLICA-SE NA PRESENTE EDIÇÃO.  

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O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB – RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, hoje, o Jornal de Brasília publica um estudo sobre redução e aumento da camada da população considerada abaixo do nível de pobreza no País. O estudo é bastante interessante porque se baseia, primeiro, em dados técnicos, extremamente confiáveis, originários do IPEA e resultam de estudos de pesquisadores sérios e de grande credibilidade. Portanto, representam um estudo criterioso, importante, que merece ser analisado.  

Recentemente, no Brasil, debateu-se com muita intensidade a questão relativa à necessidade de combater a pobreza, ou seja, de perseguir metas para a erradicação da pobreza em nosso País. Esse tema se tornou prioritário para o Senado, que fez um estudo sobre o tema e para isso contou com a participação da Câmara dos Deputados. Há um projeto que está sendo implementado em decorrência de uma iniciativa do Senado. Logo, o tema "pobreza" não deixa de ser de grande expressão e importância política nesta Casa.  

Hoje, ao ler as informações do Jornal de Brasília referentes ao trabalho de pesquisa do IPEA, chamou-me a atenção o fato de que, em nosso País, houve dois grandes momentos em que uma determinada iniciativa no campo econômico representou uma notável melhora de padrões e de condições materiais de vida da chamada população de baixa renda, a população pobre do nosso País.  

O estudo caracteriza dois precisos momentos da história econômica recente do País. Um deles, o ano de 1986, no Governo José Sarney, com o chamado Plano Cruzado. O efeito notável, fantástico do Plano Cruzado, permitiu que cerca de 12 a 13 milhões de cidadãos brasileiros saíssem dos níveis marginais de pobreza e passassem a níveis razoáveis de sobrevivência material, o que não deixa de chamar a atenção.  

Infelizmente, Sr. Presidente, os ajustes políticos e econômicos que se seguiram ao Plano Cruzado, o desequilíbrio e a inflação galopante que tomou conta do País nos anos anteriores fez com que todos esses ganhos do Plano Cruzado fossem perdidos e o País voltasse aos níveis de pobreza situados mais ou menos na média histórica que caracteriza o nosso País.  

Um País que tinha mais de 50 milhões de pessoas vivendo nessa condição, graças ao Plano Cruzado, esse número caiu para cerca de 37 milhões de pessoas. É um dado extremamente significativo, notável do ponto de vista da preocupação recente que tomou conta do Senado, isto é, erradicar a pobreza e combatê-la. A estabilidade da moeda, da economia representa, sim, um efeito fantástico, notável, absolutamente de chamar atenção para a melhora efetiva das condições de vida da população.  

Um outro exemplo trazido por esse estudo é o do Plano Real. Segundo o publicado pelo IPEA e divulgado hoje pelo Jornal de Brasília , no ano de 1994, havia cerca de 59 milhões de pessoas, no Brasil, vivendo em estado de pobreza e este número foi reduzido para menos de 51 milhões, graças ao Plano Real. Portanto, emergiram de níveis inferiores, de subcondições de vida, para condições mais razoáveis de sobrevivência quase nove milhões de cidadãos, de brasileiras e brasileiros. Nenhum programa social organizado a partir de recursos orçamentários, nenhum projeto baseado em fontes de recursos arrecadados por impostos consegue atingir, em tão pouco tempo, efeitos tão notórios e tão expressivos como o atingido pelo fenômeno da estabilização da economia. Portanto, há aqui que se chamar a atenção para um fato absolutamente indisfarçável, que não se pode relegar a segundo plano, Sr. Presidente: qualquer iniciativa adotada no sentido de promover socialmente mudanças na política econômica, de promover alterações no quadro econômico instalado no País, qualquer iniciativa que não respeite a estabilidade da moeda é falsa, é mentirosa e, portanto, parte de um princípio absolutamente errado. Ou seja, manter a estabilidade da moeda é a forma mais socialmente justa que se pode neste momento defender. Não há nada mais socialmente justo, não há nada com efeito mais notório, mais sintomático sobre os padrões de pobreza do País do que a estabilidade da moeda. Todas as iniciativas que a ela se agregarem, todas as iniciativas que se somarem a isso não respeitarem a estabilidade da moeda, estarão falidas no seu nascedouro, serão falsas na sua origem e mentirosas desde o início, desde a sua proposição. A estabilidade da moeda é a garantia primeira de que pelo menos dez milhões de brasileiros conseguem se manter em níveis de poder aquisitivo e de condições de vida superiores ou acima daqueles chamados níveis de condição de pobreza que são reconhecidos e assinalados pelos institutos de pesquisa.  

Portanto, esse é um dado que não pode deixar de ser registrado, no momento em que discutimos tanto o salário mínimo quanto os programas de combate ou de erradicação da pobreza. Todos esses programas são importantes. Essas inovações são absolutamente elogiáveis e precisam ter continuidade, precisam avançar, evidentemente. A luta pela elevação consistente e sustentável do salário mínimo em nosso País é uma luta permanente da qual nenhum Deputado ou Senador consciente deve abrir mão.  

No entanto, é preciso que se diga que a luta pela estabilidade da moeda não é uma luta neutra; não é uma questão meramente técnica ou uma proposição isenta de conteúdo social.  

No debate político vigente hoje no País, parte-se da pressuposição de que só vem carregado de conteúdo social o discurso que defende as iniciativas que possam ter um caráter pró-ativo no campo social. Sem dúvida alguma, elas são merecedoras dos maiores elogios e da melhor consideração. Mas é preciso que se esteja atento para esse nexo causal absoluto, incontestável e indisfarçável.  

Qualquer proposta que tenda a estabelecer graus crescentes de inflação, de instabilidade monetária e de perda do poder aquisitivo da moeda – portanto, de defasagem nas condições materiais de vida da população pobre –, qualquer proposta nesse sentido, indubitavelmente, nasce falida e tem um vício de origem. Ela é, então, inútil e inoperante por si mesma, porque significa simplesmente dar com uma mão e tirar com a outra.  

Essa prática de política econômica levada avante durante tantos anos no Brasil não me parece saudável. É preciso que haja consistência nas propostas, o que significa propor avanços no campo social que estejam inteiramente associados à idéia da estabilidade monetária, da estabilidade econômica.  

O Sr. Ademir Andrade (PSB – PA) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB – RS) – Era essa a intervenção que eu tinha a fazer, mas antes de encerrar, Sr. Presidente, concedo um aparte ao Senador Ademir Andrade.  

O Sr. Ademir Andrade (PSB – PA) – Senador José Fogaça, escutei todo o discurso de V. Exª. Acho que é um discurso coerente, que tem razão nos seus fundamentos. Entretanto, é um discurso que deixa também uma dúvida, uma vez que V. Exª não aponta caminhos. Ao ouvi-lo, do início ao fim de sua manifestação, a impressão que temos é a de que V. Exª, em primeiro lugar, não tem uma definição sobre a questão nem do salário mínimo, nem da medida de combate à pobreza. V. Exª, pelo que parece, tem receio de que ambas as medidas possam prejudicar a estabilidade econômica, a estabilidade da moeda, e, conseqüentemente, como disse V. Exª, "dar com uma mão e tirar com a outra". Entendo que devemos nos aprofundar mais nas propostas, porque simplesmente há uma luta hoje no Congresso Nacional, cujo desfecho está prestes a acontecer no mês que vem, quando esse Congresso vai discutir tanto a questão do teto quanto a questão do salário mínimo. V. Exª colocou a questão do salário mínimo e a questão da Emenda Constitucional de Combate à Pobreza, mas não fez referência ao teto e ao aumento de todas as pessoas que ganham mais nos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo. Fico preocupado, porque entendo que a luta é interessante. Todos têm responsabilidade de pensar na estabilidade econômica, como V. Ex.ª, mas a discussão deve ser tratada com mais seriedade. O Governo deve apresentar uma solução para melhorar o salário mínimo e para diminuir a inaceitável desigualdade social que existe em nosso País. Preocupo-me porque V. Ex.ª quase fez uma defesa da posição do Governo: tem que ser R$151,00 senão vai acabar com a estabilidade da moeda; não pode haver a medida de combate à pobreza porque vai acabar com a estabilidade da moeda. Precisamos ser mais claros. Eu não tenho por que, de antemão, acreditar no Governo. Há uma série de dúvidas. Mas não creio que o PT e seus economistas, que o Senador Antonio Carlos Magalhães e o PFL sejam irresponsáveis ao levantarem suas propostas para o salário mínimo, ou da criação de um fundo para a pobreza. Não tenho que partir do princípio de que esteja certa somente a equipe econômica do Governo, que já errou tanto - errou inclusive quando manteve o dólar, durante quatro anos, num patamar de irrealidade e, de repente, teve que corrigir para mudar sua política –, e desacreditar as outras forças políticas que estão pensando em diminuir a desigualdade social e a desigualdade salarial que existe em nosso País. Portanto, manifesto minha preocupação com V. Exª e com a forma como colocou a questão na brilhante exposição que fez. Concordo em vários pontos, mas não tenho porque acreditar exclusivamente no que o Executivo está dizendo.  

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS) – Muito obrigado, Senador Ademir Andrade, pela grande preocupação que V. Exª demonstra com a minha posição. Pena que a preocupação de V. Exª tenha se manifestado só hoje. Há duas semanas, eu fiz um pronunciamento, neste plenário, a respeito do "teto" dos Parlamentares, Juízes e Ministros de Estado.

 

No meu pronunciamento, ficou muito clara minha posição inequívoca, cabal, contra a farsa do chamado "teto dúplex"; contra esse absurdo, essa ignomínia que é o chamado "teto dúplex". Não há "teto dúplex"! O "teto" é um só e pode ser fixado sem modificar o atual salário percebido pelos diversos titulares dos três Poderes. Portanto, V. Exª está desatualizado em relação à minha posição pessoal. Desatualizado não seria, infelizmente, uma posição negativa, porque V. Exª não tem obrigação de estar atualizado em relação às minhas posições. Mas, infelizmente, V. Exª foi muito desatento em relação ao pronunciamento que aqui fiz, mostrando a minha radical, frontal e absoluta posição contrária ao chamado "teto dúplex", esse absurdo, essa ignomínia que querem criar neste momento. Não sou apenas contrário ao "teto dúplex", mas também sou contrário a modificar o atual teto, ou seja, o atual salário percebido por Deputados, Senadores, Juízes, Ministros de Estado e Presidente da República.  

Não estou dizendo isso agora em resposta a V. Exª. Os Anais da Casa e muitos outros Senadores que participaram e ouviram já registraram aquilo que V. Exª, infelizmente, não pôde registrar. E quando V. Exª diz que manifesto mais preocupação com a estabilidade do que com os programas sociais, V. Exª também demonstra não ter ouvido a primeira parte do meu pronunciamento, quando eu disse que aqueles que se fixam tão-somente num lado da questão estão sendo, neste momento, nesta hora, neste caminho de dificuldades em que está vivendo o Governo brasileiro, neste momento em que estamos passando em cima de um fio de navalha para manter a estabilidade da moeda, irresponsáveis ou inconseqüentes em relação àquilo que propõem.  

Entretanto, quem propõe um avanço e mostra as fontes, as condições, graduais ou não, para se atingir essa finalidade parece-me estar agindo com seriedade e, assim, está dando conseqüência efetiva àquilo que propõe.  

Nesta hora, eu é que fico em dúvida sobre a posição de V. Exª, porque diz que os economistas do PT não podem estar errados e o que eles propõem tão-somente é pensar nas propostas sem apontar as fontes, a origem dos recursos. Dessa forma, parece-me que V. Exª está naquela linha de quem quer dar com uma mão e esconder a outra mão que está tirando. Não! Quero que as duas mãos fiquem visíveis: dá-se com uma e mantém-se aquilo que se tem com a outra. Ou seja, aplicam-se os programas sociais, melhora-se o salário mínimo e mantém-se a estabilidade. Essas são as duas mãos que devem aparecer.  

Qual é a forma de melhorar o salário mínimo? É aquela que se faz de forma efetiva, prática, construtiva, consciente de aplicação do salário mínimo em relação às condições econômicas de cada região. Quem defende o salário mínimo nacional unificado tem que saber que salário mínimo nacional unificado significa nivelar por baixo. Quando se fala em salário mínimo nacional unificado, tem-se que pensar sempre, inevitavelmente, desgraçadamente, na prefeitura mais pobre do município mais pobre da região mais pobre do País. O que pode pagar a prefeitura mais pobre do município mais pobre da região mais pobre servirá de parâmetro para as cidades mais ricas e desenvolvidas. Pois, se for feito de forma contrária, ou seja, se estabelecermos que a cidade mais desenvolvida, a cidade mais rica, a região economicamente mais estável e mais favorecida deve servir como parâmetro, então ficaremos com o que diz o Governador Mário Covas. Diz o Governador Mário Covas que, no Estado de São Paulo, tanto para o governo estadual quanto para o setor privado e para as empresas, o salário mínimo pode ser, sim, de R$400,00. Pode e deve ser, segundo o Governador Mário Covas, de R$400,00 o salário mínimo. No entanto, se esse salário mínimo de R$400,00 se tornasse nacionalmente unificado, todos os empregos assegurados na prefeitura mais pobre da cidade mais pobre da região mais pobre do País simplesmente desapareceriam, porque aquela prefeitura pobre da cidade mais pobre da região mais pobre não poderia pagar um salário mínimo nacional unificado de R$400,00.  

Por isso que é correta a política da diversificação regional do salário mínimo: no Rio de Janeiro, salário mínimo de R$400,00, como quer o Governador Anthony Garotinho; em São Paulo, salário mínimo de R$400,00, como quer o Governador Mário Covas; no Rio Grande do Sul, possivelmente R$200,00 ou R$300,00 - não sei; é uma avaliação a ser feita pelo Governador, pelos empresários e pelos trabalhadores. Cada região pagará ou determinará um padrão de acordo com as condições econômicas próprias, porque não há como. É absolutamente inevitável, é uma lei da realidade, é uma lei da vida, é o império da lógica e da razão que, se o salário mínimo for nacionalmente unificado, se ele tiver que ser igual no Brasil inteiro, ele será sempre nivelado pelo mais baixo! Não há como impor o mais alto para as regiões mais pobres. Acaba-se impondo o padrão das regiões mais pobres para todas as regiões do País igualmente. Esta é a realidade do salário mínimo de R$151,00: o País atrasado se impõe ao País mais desenvolvido. Mas isso normalmente tem sido aceito no Brasil como forma de justiça, de padrões justos, igualitários de tratamento do salário mínimo. Por outro lado, o que se vê também com isso é que não se consegue fazer avançar os padrões, os níveis do salário mínimo no nosso País. Pode-se fazer com que o salário mínimo em Brasília seja de R$300,00 a R$400,00, assim como em São Paulo – amanhã, não hoje, mas amanhã! –, desde que se aceite essa regionalização do salário mínimo.  

Portanto, defender o equilíbrio, a estabilidade, a lógica, a racionalidade, Senador Ademir Andrade, não é ficar contra um salário mínimo de R$400,00, que pode ser possível, viável em nosso País.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2000 - Página 6427