Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ANALISE DAS DEFICIENCIAS NA DOAÇÃO DE ORGÃOS NO PAIS, POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DO DIA DA SAUDE.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • ANALISE DAS DEFICIENCIAS NA DOAÇÃO DE ORGÃOS NO PAIS, POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DO DIA DA SAUDE.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2000 - Página 6764
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, SAUDE, ANALISE, PROBLEMA, TRANSPLANTE, ORGÃO HUMANO, DENUNCIA, EXCESSO, BUROCRACIA, FALTA, LEITO HOSPITALAR, SETOR PUBLICO, INEFICACIA, CIRCULAÇÃO, INFORMAÇÃO, INSUFICIENCIA, NUMERO, DOADOR.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PROBLEMA, EFICACIA, DOAÇÃO, ORGÃO HUMANO.
  • DEFESA, CAMPANHA, DOAÇÃO, ORGÃO HUMANO, REDUÇÃO, COMENTARIO, DADOS, ESTATISTICA, TRANSPLANTE.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL – TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srª s e Srs. Senadores, no último dia 7, comemoramos o Dia da Saúde. Apesar de comemorarmos algumas coisas que foram boas, há outras que não vão muito bem. Refiro-me, de maneira especial, à questão da doação de órgãos em nosso País.  

O Congresso Nacional tem se preocupado em oferecer à sociedade brasileira condições mínimas, ainda que não ideais, para que a Constituição possa ser cumprida e todos tenham acesso à saúde, inclusive à doação de órgãos, maneira quase única, em certos casos, de acabar de uma vez por todas com o sofrimento de milhares de brasileiros.  

O tema da doação de órgãos voltou às páginas dos principais jornais do País com insistência neste início de ano. A imprensa vem noticiando que pacientes inscritos na lista única de receptores, que há longo tempo esperam na fila por um órgão que lhes possa salvar a vida ou melhorar as condições de saúde, não têm podido submeter-se a cirurgias de transplante por falta de leitos nos hospitais, por entraves burocráticos e pela precária troca de informações entre os setores envolvidos.  

Tais denúncias tornam público não só o quanto ainda é pequeno o número de doadores e reduzido o número de equipes e hospitais capacitados para realizar transplantes no território nacional, mas também o quanto ainda é precário o funcionamento do sistema de aproveitamento de órgãos em nosso País, principalmente no que concerne à falta de agilidade dos serviços numa área em que o êxito do procedimento é extremamente dependente da rapidez.  

Srªs e Srs. Senadores, nós, que tanto lutamos para que o Brasil tivesse uma legislação moderna, para minimizar o drama de milhares de cidadãos brasileiros que necessitam da doação de órgãos e tecidos para sobreviver, conhecemos muito bem os trâmites e os entraves para a realização de transplantes em nosso País.  

Durante longo tempo, os órgãos captados para transplante eram distribuídos por um sistema de rodízio entre os hospitais aptos a realizar esse procedimento cirúrgico, e esses hospitais, em última análise, decidiam qual paciente receberia a doação.  

Em 1998, uma fila única de pacientes à espera de órgãos, tendo por critério a ordem de inscrição dos receptores, foi criada para acabar com o privilégio de doentes de hospitais privados, atendidos em tempo bem menor que os pacientes da rede pública de saúde.  

A realidade vem demonstrando, porém, que tal medida não tem sido suficiente para acabar com os privilégios. Os jornais denunciam que a lista única vem sendo "legalmente desrespeitada" por fatores vários, dois do quais intrinsecamente relacionados e passíveis de correção: a falta de vagas nos hospitais públicos e a obrigatoriedade regulamentar de o paciente só ser operado no hospital onde se cadastrou.  

Em meados deste mês de janeiro, o jornal Folha de S.Paulo denunciou o caso de uma funcionaria pública paulista que não conseguiu realizar o transplante por falta de leitos no Hospital das Clínicas (HC) e decidiu recorrer à Justiça para obter o direito de fazer a cirurgia.  

Essa paciente renal grave, que três vezes por semana vem se submetendo a sessões de hemodiálise desde 1993, chegou, por diversas vezes, a estar em primeiro lugar na lista única da Central de Transplantes da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo para se submeter à cirurgia. Quando aparecia um rim ela era preterida por falta de leitos no HC, hospital em que ela estava cadastrada e onde, obrigatoriamente, deveria ser operada. O rim era então doado a pacientes com leitos garantidos em outros hospitais, em geral particulares.  

Desesperada, após tantos anos de espera, a mencionada paciente entrou na Justiça e conseguiu uma liminar obrigando o Estado a interná-la. E foi hospitalizada. O problema, porém, ainda não foi totalmente solucionado: para que a cirurgia seja realizada, além da vaga, é necessária a doação de um rim compatível com as características do organismo dela.  

Sr. Presidente, o fato que acabei de mencionar não é um caso isolado. Segundo a matéria publicada pelo referido jornal em 19 de janeiro, intitulada "Falta de leito impede transplante de rim", não há dados exatos sobre o número de pacientes que deixaram de ser operados em razão da falta de leitos em hospitais públicos.  

Uma rápida pesquisa realizada no cadastro do Sistema Estadual de Transplantes de São Paulo revela que, no dia 21 de julho do ano passado, 29 pessoas foram descartadas do processo, inclusive a funcionária pública anteriormente citada, apesar de fazerem parte da lista única e de terem sangue compatível com o do doador. Nesses casos, o motivo foi o mesmo: falta de vagas no Hospital das Clínicas.  

É preciso salientar, porém, Sr. Presidente, que a realização de transplantes é um ato extremamente complexo e que a falta de vagas nos hospitais da rede pública não é o único entrave. Faltam vagas no Hospital das Clínicas, o segundo maior em números de transplantes no Estado de São Paulo, mas sobram leitos nos hospitais da Escola Paulista de Medicina.  

Segundo o Médico Agenor Spallini Ferraz, Coordenador do Sistema Estadual de Transplantes em São Paulo, existem outros requisitos a serem cumpridos, além do lugar ocupado na lista única de receptores. O Coordenador alerta para o fato de que existem várias condicionantes no processo de escolha dos pacientes receptores de transplantes: uma de ordem operacional, que leva em conta a proximidade do doador, ditada pela rapidez com que a cirurgia deve ser realizada; outras de ordem médica, tais como tipo sangüíneo, a compatibilidade; e outras relacionadas à disponibilidade de leitos e ao local em que o paciente se cadastrou.  

Em julho passado, por exemplo, de prováveis 40 receptores selecionados pelos médicos para o transplante de dois rins doados, apenas três pacientes chegaram ao último teste e todos em um hospital particular, o Sírio Libanês; e, desses, apenas um demonstrou não ter rejeição e foi operado. Às vezes, aparece um número significativo de órgãos, mas, em virtude de uma série de entraves, apenas um ou outro receptor é atendido.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, segundo o editorial do jornal O Globo , de 14 de janeiro, sobre o tema doação de órgãos:  

 

Hoje, tudo conspira contra a solidariedade dos doadores e a necessidade dos que esperam por um rim, uma córnea, um coração. Mesmo quando alguém manifesta vontade de doar seus órgãos já no leito da morte, não há garantia de que seu gesto beneficiará um necessitado.  

 

Nenhum de nós ignora que o Brasil tenha ainda um longo caminho a percorrer antes atender às necessidades dos que precisam de transplante de órgãos e tecidos. Há, pelo menos, 32 mil pessoas na fila de receptores, número significativamente maior que o existente nos países em que já se consolidou a prática de realizações de transplantes e onde existe a chamada "cultura da doação".  

O número de doadores é insuficiente para atender a demanda e, quando eles existem, muitas vezes ocorrem dificuldades de ordem burocrática que inviabilizam os transplantes.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os entraves precisam ser eliminados. Diz a matéria do jornal O Globo:  

 

É inadmissível que famílias traumatizadas sejam convencidas a fazer da doação uma forma de amenizar a sua dor, para, em seguida, descobrirem que um problema material indesculpável impossibilita o aproveitamento dos órgãos.  

 

Sr. Presidente, também merecem destaque as questões relacionadas à doação de sangue e à qualidade do sangue em nosso País.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB – CE) – Permite-me V. Exª um aparte, Senador Carlos Patrocínio?  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL – TO) – Concedo, com muita honra, um aparte ao Senador Lúcio Alcântara, um Senador também preocupado com essa questão e que foi Relator da lei que possibilitou a doação de órgãos em nosso País.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB – CE) – Tenho acompanhado pela imprensa essa questão dos que querem alterar a lista única, um dos melhores aspectos previstos nessa lei votada pelo Senado, porque deu chance ao que não tem condição econômica nem acesso aos mestres, às equipes médicas, aos grandes hospitais. Alguns argumentam que é preciso considerar a situação de gravidade. É preciso cuidado nisso, porque, na verdade, não podemos retroagir. Não podemos voltar a uma situação em que só fará transplante quem tem recurso, quem tem dinheiro. É preciso muita cautela, porque a lei é democrática, coloca todos no mesmo pé de igualdade, na mesma situação. Mesmo com todas as dificuldades, após a lei, o número de transplantes no Brasil tem crescido. Faltam apenas trabalho pedagógico, divulgação e explicação nas secretarias de segurança, por exemplo, onde são expedidas as carteiras de identidade e de motorista. É preciso que o Governo cumpra rigorosamente a lei que prevê pelo menos uma campanha anual de massa para esclarecer a população. É o que estamos precisando fazer. O nosso problema agora não é de lei, mas de mobilizar a sociedade para doar mais e equipar os hospitais, os centros de excelência, para que possam fazer o maior número de transplante. Só adianta ter a oferta de órgãos aumentada se houver capacidade de absorver esses órgãos para realizar mais transplantes. Temos avançado, mas podíamos estar avançando mais. Estamos falhando na falta de divulgação, de sensibilização, de mobilização, de convocação da população para esse gesto de solidariedade humana. Era o que queria dizer, parabenizando V. Exª por estar abordando um tema da maior importância.  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) Eminente Senador Lúcio Alcântara, evidentemente que o aparte de V. Exª, até pelo seu conhecimento da matéria, traz luz ao meu pronunciamento. Na realidade, V. Exª apontou todos os motivos pelos quais ainda não conseguimos enraizar na cultura brasileira a questão de doação de órgãos. A informação deve ser massificada nas escolas, nas igrejas, onde haja oportunidade de divulgar as informações sobre doação de órgãos. É também importante que montemos definitivamente as estruturas capazes de receber esses órgãos para transplante. Temos visto que apenas 25% dos órgãos doados são transplantados. Está havendo um desperdício talvez por falta de informação, por falta de aparelhamento de outros hospitais, para que sejam minimizados os sofrimentos daqueles que necessitam de transplante, dos doentes terminais, dos cardiopatas, dos doentes renais crônicos.

 

Foi muito importante a participação de V. Exª neste meu modesto pronunciamento.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) – Senador Carlos Patrocínio, concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) – Concedo o aparte ao eminente Senador Romero Jucá.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) – Caro Senador Carlos Patrocínio, sigo a mesma linha de pensamento do Senador Lúcio Alcântara não com a sua experiência de médico, mas com a esperança de quem defende um fortalecimento de programa de transplantes e mais ainda uma esperança de quem entende que esse é um caminho para salvar milhares de vidas. Como disse o Senador Lúcio Alcântara e V. Exª, faltam fortes campanhas que efetivamente agreguem a contribuição e a doação de órgãos por parte das famílias e dos doadores. Sou doador, e já consta nas minhas carteiras de identidade e de motorista a condição de doador de órgão. Mas não vemos campanhas que estimulem as pessoas a doarem os órgãos. Mais que isso: não vemos também o aparelhamento dos centros, como bem disse V. Exª, tanto em relação à captação dos órgãos quanto ao transplante deles. Vemos, de vez quando, na imprensa, que algumas famílias até gostariam de doar órgãos, mas, efetivamente, os hospitais não teriam condições de efetuar a retirada desses órgãos. Portanto, V. Exª faz, nesta tarde, um grito de alerta importante. É necessário que o Ministério da Saúde, as Secretarias estaduais, o Conselho de Saúde, enfim, todos os organismos responsáveis por esse trabalho se conscientizem de que essa ação é importante e tem uma conotação fundamental que é a de salvar vidas. Parabenizo V. Exª pelo discurso desta tarde.  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL – TO) – Agradeço as observações de V. Exª, eminente Senador Romero Jucá.  

Temos de lutar para que se possa, também em nossos Estados, em nossa região, realizar transplantes de órgãos. Talvez só no Estado de V. Exª, Sr. Presidente, Senador Gilberto Mestrinho, ainda que de maneira embrionária, estão-se realizando alguns transplantes. O norte do País está totalmente desprovido das condições de doações de órgãos. Sabemos, por exemplo, que certas patologias que acometem nossa região, como doenças endêmicas e acidentes ofídicos, requerem o transplante de rim, quando há falência aguda do aparelho renal.  

Outra polêmica é que muitos condenam a lista única de doação. Alguns pensam que deveria ser realizada uma triagem para verificar se uma pessoa precisaria de um transplante de órgão antes de outra que estivesse à frente na lista. Entretanto, essa é uma questão muito complexa, e os grandes entendidos da matéria ainda acreditam que o melhor sistema, embora com os defeitos, é a lista única, porque não favorece pessoas mais aquinhoadas pela sorte.  

Portanto, Sr. Presidente, gostaria de dizer que, de qualquer maneira, houve avanços após a Lei dos Transplantes. Há, hoje, na lista de espera, 181 receptores de coração, 4.716 de córnea, 949 de fígado, 26 de pulmão, 800 pessoas esperando um transplante de medula óssea, 16.062 portadores de nefropatias aguardando um rim e cerca de 80 pacientes na expectativa de um transplante duplo de rim e pâncreas, perfazendo um total, somente na lista única, de 22.814 pacientes.  

Também houve, aproximadamente, um aumento de 28% dos transplantes de órgãos em nosso País. Por exemplo, em 1997, foram transplantados 56 corações; em 1998, 48; em 1999, 125. Em 1997, houve 437 transplantes de córnea; em 1998, 2.077; em 1999, 2.417. Quanto aos transplantes de fígado, foram 144 em 1997, 158 em 1998 e 358 em 1999. Os transplantes de medula foram 354 em 1997, 294 em 1998 e 375 em 1999. Em 1997 e 1998, não houve transplantes de pâncreas; em 1999, ocorreram dois. Foi realizado um transplante de pulmão em 1997, cinco em 1998 e 18 em 1999. Os transplantes de rim, que ocorrem em maior número, foram 1.502 em 1997, 1.578 em 1998 e 2.058 em 1999. Houve seis transplantes duplos de rim e pâncreas em 1999; nos anos anteriores, esse tipo de intervenção cirúrgica jamais fora realizado.  

Sr. Presidente, gostaria de dizer ainda algumas palavras a respeito da qualidade do sangue coletado para transplante, que não é o ideal. No entanto, como meu tempo já está esgotado, deixarei para fazê-lo em outra oportunidade. Quis trazer, após o Dia Mundial da Saúde, essas considerações e fazer um apelo à sociedade brasileira, principalmente às autoridades governamentais deste País – inclusive ao Ministério da Saúde. Progressos já se realizaram, mas ainda falta muito a ser feito em termos de transplante para salvar a vida de milhares de brasileiros.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2000 - Página 6764