Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA., COM A BAIXA EMISSÃO DE CERTIDÕES DE NASCIMENTO NO BRASIL.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. ENSINO SUPERIOR.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA., COM A BAIXA EMISSÃO DE CERTIDÕES DE NASCIMENTO NO BRASIL.
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2000 - Página 7785
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, SUPERIORIDADE, QUANTIDADE, CIDADÃO, AUSENCIA, POSSE, CERTIDÃO, NASCIMENTO, CRITICA, SITUAÇÃO, MOTIVO, INEXISTENCIA, REQUISITOS, GARANTIA, CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO, ATIVIDADE, SOCIEDADE, PAIS.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PERMANENCIA, GRATUIDADE, EMISSÃO, CERTIDÃO, NASCIMENTO, CIDADÃO, BAIXA RENDA, DEFESA, REALIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, COMPENSAÇÃO FINANCEIRA, REFERENCIA, SERVIÇO, CARTORIO DE REGISTRO CIVIL.
  • CONVOCAÇÃO, PODER PUBLICO, SOCIEDADE, PAIS, MOBILIZAÇÃO, AMBITO NACIONAL, OBJETIVO, VALORIZAÇÃO, REGISTRO CIVIL, IMPORTANCIA, GARANTIA, CIDADANIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO TOCANTINS, ESTADO DO TOCANTINS (TO), REGISTRO, ENCONTRO, GOVERNADOR, ALOYSIO NUNES FERREIRA, SECRETARIO GERAL, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, REFERENCIA, CONCLUSÃO, AVALIAÇÃO, CRIAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL – TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muito se falou hoje sobre cidadania, e é justamente sobre esse tema que eu também gostaria de falar.  

Na marcha do Brasil rumo a um processo civilizatório definitivo, nada mais pertinente do que trazer à pauta de nossas discussões o tema da garantia do Estado na emissão de certidão de nascimento a todos os brasileiros. As mais recentes estatísticas indicam, aterradoramente, que o País abriga 10 milhões de brasileiros sem qualquer registro civil. No ingresso de um novo milênio, não se pode conceber que ainda existam compatriotas inteiramente desprovidos de um documento oficial de identificação.  

Particularmente, senti-me muito tocado com o tema após ter lido recente artigo publicado pelo Ipea sobre atividades e discussões promovidas pelo Programa Comunidade Solidária, que é liderado pela Primeira-Dama, Dona Ruth Cardoso. No subitem intitulado "Os Consensos Gerais", é sintomática a seguinte citação: "É condição essencial para que se garantam a cidadania e o acesso às políticas universais, dirigidas às crianças e aos adolescentes, que toda a pessoa nascida no território brasileiro tenha o seu registro efetivado".  

Sem dúvida, o reconhecimento oficial da existência de um indivíduo no plano jurídico estabelece igualdade original na relação entre seus pares e na relação com o Estado e a sociedade. Quando menos, o ingresso do sujeito no mundo da propriedade, do mercado e do consumo está irremediavelmente condicionado ao registro civil. Por outro lado, a deficiência no controle de registro de nascimentos provoca graves distorções nas estatísticas oficiais, com conseqüências nefandas para a formulação de políticas sociais efetivas.  

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de acordo com os dados divulgados pelo IBGE, em média, por ano, um milhão de crianças brasileiras nascem e se tornam clandestinas, eqüivalendo a 31,79% do total. E mais, pesquisa do Ministério da Saúde revela que 43% das crianças brasileiras que morrem antes de completar um ano de idade são enterradas sem qualquer registro. No Maranhão e no Piauí, ainda segundo dados da mesma pesquisa, os índices chegam a 87%. Ora, isso tudo corrobora a suspeita de que, tragicamente, há um conjunto representativo de pessoas que jamais existiram legalmente no Brasil.  

Naturalmente, a incidência maior recai sobre as camadas mais pobres da população, no meio das quais se difunde, equivocadamente, um julgamento assaz negativo sobre o real significado da posse de um registro civil. O sentimento de inutilidade das certidões e das carteiras de identidade se deve, em grande medida, ao receio de um cerceamento abusivo das autoridades públicas sobre as pessoas.  

Não acidentalmente, o notável filósofo francês Michel Foucault dedicou parte espessa de sua vasta obra à identificação de um crescente aperfeiçoamento histórico dos aparelhos de controle social por parte do Estado. Com fins inexoravelmente relacionados à vigilância e à repressão dos extratos populacionais menos privilegiados, uma política tecnologicamente poderosa de controle social pode muito bem servir à supressão das liberdades civis.  

Agora, se, de um lado, esse modelo pode ser aplicado com suficiente consistência à realidade das sociedades mais desenvolvidas, não julgo que se enquadraria na lógica político-social das sociedades em desenvolvimento. Antes de tudo, detecta-se aqui, no Brasil, uma ausência clamorosa do Estado em setores vitais da sociedade, o que ironicamente acaba por inverter aquela impressão de presença onipresente em falta de intervenção pública mínima que garanta, ao menos, a sobrevivência de seus membros.  

Nesse sentido, a consciência da perda de liberdade pode ser parcialmente compreendida e considerada, mas não justifica uma postura de intransigente repúdio a um processo saudável de racionalização da vida coletiva. Pois ainda existem aqueles brasileiros que, na falta de uma educação mais esclarecida, imaginam que a certidão civil possa ser substituída pela certidão de batismo.  

No entanto, no caso brasileiro, reconheçamos que o obstáculo mais sério contra a universalização do registro civil decorre, mormente, da precária situação geográfica e social das populações cujo acesso a uma instituição emissora de certidão é inadequado. Mais dramático é assumir que a própria guarda do documento constitui tarefa absolutamente inviável.  

Porém, cientistas sociais advertem que, entre os fatores preponderantes, o alto custo monetário prevalece como o mais perversamente produtivo contra a prática do registro civil. Há estimativas que revelam que, para emitir a certidão de nascimento ou de óbito, as taxas cobradas pelos cartórios podem alcançar a faixa de 30% do salário mínimo. Não posso deixar de acrescentar que tal cifra é vexaminosa para os padrões de mendicância do povo brasileiro. Além disso, o registro acarreta custos paralelos ao pobre trabalhador, como o transporte e a falta ao serviço, já que a licença paternidade somente atinge aqueles do setor formal da economia.  

Embora a gratuidade seja garantida aos pobres pela Constituição Federal, a maioria dos cartórios brasileiros ignora a determinação legal, extorquindo daqueles que menos podem o pouco que lhes cabe. Aliás, muito apropriadamente, o próprio Ministro da Saúde, José Serra, aponta a resistência dos cartórios em fornecer as certidões como o principal motivo para o elevado número de "sem-nome" no País.  

De qualquer forma, a imensa maioria das famílias pobres não conhece o seu direito de obter o registro gratuitamente. Convém recordar que, desde novembro último, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a ação de cartórios contra a lei que os obrigava a fornecerem certidões de nascimento sem cobrança, não restando mais controvérsias sobre a questão. Segundo declaração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, as certidões são requisitos básicos para que as pessoas conquistem a cidadania.  

Já em meados de 99, a própria Câmara Federal aprovara projeto punindo cartórios que descumprissem o preceito constitucional da gratuidade na emissão das certidões. Se os cartórios - a mais típica concessão pública existente no Brasil - terão prejuízo, isso é um assunto para discussões, negociações e ajustes posteriores que os compensem.  

Abro aqui um parêntese, Sr. Presidente, para dizer que também os cartórios devam ter medidas compensatórias. Temos recebido inúmeras reivindicações de diversos cartórios do interior do País, que, tendo que patrocinar essas certidões de nascimento, se encontram em situação praticamente falimentar, já que seria talvez esse o serviço mais numeroso desenvolvido por aqueles cartórios. Portanto, penso que os cartórios devam, sim, proporcionar aos pobres as certidões de nascimento de maneira gratuita, mas devam ter também uma compensação por parte do Governo ou dos respectivos governos.  

O Governo cumpre sua parte, realizando freqüentes mobilizações junto à população brasileira, com o objetivo de assegurar a concessão da certidão de nascimento a um número cada vez maior de crianças. Exemplo disso foi a iniciativa empreendida em novembro último, num gigantesco mutirão, quando o Presidente Fernando Henrique definiu a meta de um milhão de crianças como patamar mínimo de registros. Em tempo, a gratuidade dos registros faz parte do Programa Nacional de Direitos Humanos, que foi elaborado pelo Ministério da Justiça, em 1995, graças ao empenho do então Secretário Nacional dos Direitos Humanos, José Gregori, hoje Ministro da Justiça.  

Sr. Presidente, em suma, para reverter esse quadro de precária administração sobre a quantidade e a qualidade de suas crianças, o Brasil vai precisar do esforço e da colaboração de cada um dos seus cidadãos. Nesse contexto, convoco o Poder Público e a sociedade civil para uma mobilização nacional em favor do registro civil para todos no País. A campanha nacional deve contar com o apoio e a participação dos Estados federativos, Municípios, associações de bairros, sindicatos, ONGs, maçanoria, igrejas, mídia, Rotary, Lions e de quem mais se interessar pelo assunto, como definitivamente é o meu caso, agora, nesta tribuna.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT – AL) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL – TO) – Concedo o aparte à eminente Senadora Heloisa Helena, com muito prazer.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT – AL) – Senador Carlos Patrocínio, saúdo V. Exª pelo pronunciamento que faz. Não se trata apenas de um papel, como às vezes ficamos imaginando, mas de um elemento fundamental para a constituição da cidadania de uma pessoa. É algo muito importante. Imaginem alguém viver num mundo em que, perante o Estado você não existe; é de fundamental importância para todo o planejamento da própria administração do Estado. Tive oportunidade de trabalhar, minha vida toda, na universidade, na área de epidemiologia, estatística, e sabia a gigantesca dificuldade de estabelecer planejamento no setor saúde sem conseguir medir de fato a repercussão do setor; preparar e planejar recursos humanos, recursos financeiros à luz de uma realidade objetiva de que não temos conhecimento. Para os dois aspectos, é de fundamental importância - como V. Exª bem disse -, falar de cidadania, falar do registro. Tenho uma divergência em relação à questão dos cartórios. Estou tentando apresentar uma proposta de emenda à Constituição para que essa atividade, hoje realizada pelos cartórios, na minha compreensão, uma atividade eminentemente do Poder Público, possa voltar a ser desenvolvida pelo Poder Público. Independente disso, de tratar do papel dos cartórios de uma forma em geral, e aí não apenas em relação ao registro, mas em relação a escrituras e tantas outras coisas que os cartórios fazem, e que efetivamente ganham fortunas – se existe um ou outro em estado falimentar é realmente um ou outro, pois se não fosse uma atividade lucrativa as pessoas não estariam se disponibilizando para fazer isso – entendo que talvez fosse o momento de o próprio Governo Federal garantir a agilidade desse serviço. Daí a relevância do debate que V. Exª traz a esta Casa. Existe uma grande polêmica na sociedade em relação aos mecanismos compensatórios do ponto de vista financeiro. Talvez o Governo Federal, através de uma Medida Provisória, pudesse estabelecer a prerrogativa de os sistemas municipais, e portanto do Poder Público Municipal, efetivarem esse registro. Isso seria importante e urgente. Já que se V. Exª ou eu apresentar um projeto acaba demorando, em decorrência da tramitação regimental, talvez por meio de uma Medida Provisória isso pudesse ser feito, para garantir que os sistemas municipais, portanto as prefeituras municipais e os Estados, possam fazer ao menos isso. Enquanto estivermos apresentando e debatendo um projeto sobre a questão do cartório de forma geral, que neste momento de urgência, emergencial, as prefeituras e os Estados pudessem fazer o Registro de Nascimento e Óbito. Acredito que isso seria importante. É só uma opinião, para colaborar com o pronunciamento tão importante que V. Exª traz à Casa.

 

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL – TO) – Eminente Senadora Heloisa Helena, V. Exª atinge o ponto fulcral da questão. Quando falamos da Certidão de Nascimento, não é meramente o papel. É a cidadania que se confere a um novo brasileiro, que tem todos esses direitos, de viver e sobreviver na sociedade, com aquele mínimo que a Constituição do Brasil lhe assegura e que, infelizmente, até hoje, chegando aos 500 anos do Descobrimento, nós não conseguimos conferir a esse povo. Quanto a isso, sim, ainda há muito apenas no papel. Concordo também com V. Exª quando pensa em trazer este assunto a debate – a questão dos cartórios –, já que se trata de uma concessão pública. Inúmeros cartórios pequenos, menores, nos Municípios mais pobres do Brasil, têm reclamado de que não estão tendo a devida condição para assegurar a gratuidade daquelas certidões de nascimento. Creio que o Poder Público poderia suprir essa dificuldade, gerando mecanismos para que a população brasileira possa ser atendida. O que não podemos é deixar que uma criança nasça sem que o País saiba que um brasileiro veio à luz e que, posteriormente, morra, seja enterrado sem que ninguém tenha conhecimento. Portanto, agradeço a V. Exª pelo seu aparte.  

Mas, Sr. Presidente, antes de terminar – já estou falando de cidadania –, eu gostaria de revelar um fato muito importante para o nosso Estado. O Jornal do Tocantins de hoje noticia que o Ministro-Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Deputado Aloysio Nunes Ferreira, em encontro, ontem, com o Governador do Estado do Tocantins, disse que os estudos para a criação da universidade federal do Tocantins já estão sendo ultimados por determinação do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Essa notícia é muito auspiciosa, mesmo porque, Sr. Presidente, há quase uma década lutamos para que o estudantado, a comunidade estudantil do nosso Estado, possa ter também essa cidadania. Como todos os outros Estados do Brasil, que dispõem de um ensino público federal de terceiro grau, também o Estado de Tocantins merece tê-lo; não é um benefício, mas um direito sagrado e constitucional do povo de Tocantins. Portanto, gostaria de frisar, com muita satisfação, essa notícia veiculada no Jornal do Tocantins de que o Ministro Aloysio Nunes Ferreira, com quem tenho audiência agendada, deu essas boas notícias para o nosso Governador, esclarecendo que proximamente deverão ser ultimados todos os preparativos para a instalação da nossa faculdade.  

Para finalizar, Sr. Presidente, em que pese aos diversos noticiosos do nosso País terem assegurado que o recesso parlamentar federal da Câmara e do Senado já teria começado ontem, eu quero dizer que tivemos aqui uma reunião muito arejada, muito profícua, em que todos aqueles que tiveram a oportunidade de fazer uso da palavra fizeram aqui uma verdadeira profissão de fé. Fé no Brasil, que parte para o novo milênio e, sobretudo, compromisso de lutar para que possamos diminuir as brutais desigualdades sociais que existem em nosso País. Desse modo, quero associar-me a todos aqueles que falaram em cidadania, que fizeram a profissão de fé para que possamos encetar uma luta diferente dessa que se observou nos cinco séculos que o Brasil está prestes a atravessar, uma luta no sentido de que as minorias tenham efetivamente o direito de viver nesta Pátria como verdadeiros cidadãos. Quero, portanto, associar-me a todas essas manifestações e dizer também que estou muito satisfeito com a imprensa do meu País neste exato momento, não obstante cometerem várias injustiças. Estão, pelo menos, jogando no ar uma luz no combate à corrupção nesta Nação.  

E, por tudo isso, gostaria de terminar as minhas palavras desejando a todas as Srªs e os Srs. Senadores e às suas famílias, aos funcionários do Senado Federal, do Congresso Nacional, a seus familiares e a todo o povo brasileiro, sobretudo àqueles menos afortunados, uma boa Páscoa, que revigore as suas forças, para que possamos lutar para o benefício dessa querida gente brasileira.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2000 - Página 7785