Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRATICA INDISCRIMINADA DE CIRURGIAS CESARIANAS NO PAIS.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRATICA INDISCRIMINADA DE CIRURGIAS CESARIANAS NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2000 - Página 8802
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, CIRURGIA, PARTO, BRASIL, AUSENCIA, JUSTIFICAÇÃO, QUESTIONAMENTO, FAVORECIMENTO, HOSPITAL, MEDICO, SEGURO-DOENÇA, GRAVIDEZ, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), REDUÇÃO, CIRURGIA, PARTO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a partir da segunda metade deste século, o parto, em nosso País, deixou de ser considerado um evento normal, realizado por parteiras em ambiente familiar, para tornar-se preponderantemente "hospitalar, medicalizado e cirúrgico".  

Há cerca de 30 anos, o Brasil, é o país que possui o mais alto índice de cesarianas do mundo. Recorrem a esse tipo de procedimento médico-cirúrgico não apenas mulheres com dificuldade na hora de dar à luz, mas também inúmeras pacientes que poderiam, sem risco algum, ter um parto normal.  

Considera-se que o uso adequado da cesariana é extremamente importante para salvar vidas humanas em situação de risco. A objeção à sua prática limita-se aos casos em que a cesárea é executada sem a devida indicação, como ocorre no Brasil, na maior parte das vezes.  

Sr. Presidente, a cesariana só é verdadeiramente considerada necessária em 3 casos: quando a paciente e/ou o bebê correm risco, quando não há sinal de trabalho de parto ou quando ocorrem complicações de última hora.  

Em nosso País, porém, os dados revelam que essa prática cirúrgica disseminou-se como uma "solução prática para a gestante, cômoda para o médico, conveniente para os hospitais (conveniados ou particulares) e planos de saúde privados". Em conseqüência, ocorre um número exagerado de cesarianas desnecessárias e sem justificativa médica aceitável.  

As próprias mulheres optam por esse tipo de procedimento, considerando-o uma solução capaz de evitar não só os inconvenientes das dores do parto, mas também as eventuais deformações físicas decorrentes de complicações perineais.  

Os médicos, muitas vezes, optam pelas cesáreas eletivas porque elas lhes poupam o transtorno de acompanhar o trabalho normal de parto, que não tem dia nem hora para ter início ou fim, e facilitam o agendamento de seus compromissos.  

Segundo os dados publicados em fevereiro de 1998 pela revista Isto É , nosso País lidera, com ampla margem, o ranking mundial de partos cirúrgicos. Àquela época, 36,4% do total de partos no Brasil eram cesáreos, vindo a seguir os 24,7% dos Estados Unidos, os 19,5% do Canadá, e os 15,8% de Portugal.  

A Organização Mundial da Saúde – OMS considera que a taxa máxima de cirurgias aceitável para o total de partos é de 15%. Nos países desenvolvidos, a quantidade de cesarianas varia entre 13% e 7%. Nos Estados Unidos e no Canadá, onde os índices são superiores ao desejável, os indicadores são considerados um problema de saúde pública e combatidos pelos órgãos oficiais.  

Observa-se, nos países mais desenvolvidos, que quanto maior é a qualidade de vida, menor é o percentual de cesarianas. No Brasil, paradoxalmente, ocorre o inverso: as taxas de cesarianas têm uma incidência muito maior nas camadas mais bem assistidas da população e nas regiões mais ricas. É justamente nas camadas mais bem informadas da sociedade e nas instituições mais bem equipadas que ocorrem as piores distorções.  

Esse proceder não leva em conta que o parto cesáreo é suscetível de agravar os parâmetros de morbidade materna e perinatal. Na mãe, ele pode gerar complicações hemorrágicas e infecciosas; no recém-nascido, entre outros problemas, pode acarretar distúrbios respiratórios, sobretudo quando a cirurgia é realizada fora do trabalho de parto, a pedido da paciente ou agendadas por conveniência dos obstetras, como se se tratasse de um compromisso social com data e hora marcada.  

Concordo com a opinião de muitos médicos e profissionais da área de saúde que consideram difícil aceitar a existência de taxas tão elevadas de cesarianas no Brasil sem que haja um questionamento quanto às suas reais motivações.  

Desconsidera-se o fato de que, em relação ao parto normal, cada cesariana desnecessária significa para a mulher um risco 20 vezes maior de complicações. A taxa de mortalidade materna chega a se multiplicar por 12. Não bastassem esses riscos, cumpre ressaltar também que esse número exagerado de cesarianas representa o desperdício de milhões de reais por ano.  

As estatísticas são surpreendentes. Na Região Sudeste, as maternidades privadas ou conveniadas com planos de saúde privados têm taxas de cesárea que chegam a 90%. Na rede pública o percentual também é elevado, mas bem menor. Em alguns hospitais públicos, as taxas giram em torno de 60%, mas na grande maioria dos hospitais universitários as taxas variam entre 30 e 60%.  

Sr. Presidente, nos últimos anos, felizmente, vem surgindo uma reação a esses excessos. Para combater o uso abusivo desse procedimento cirúrgico, que se tornou verdadeira epidemia em nosso País, e é fruto direto da combinação da desinformação das mães com o comodismo dos médicos, o Ministério da Saúde, desde 1998, vem lançando diferentes Portarias para contê-lo e incentivar o parto normal.  

Foi determinado um limite máximo mensal de cesarianas a serem pagas pelo Governo aos hospitais públicos e conveniados. Para o segundo semestre de 98, o teto definido foi de 40%, passando a ser de 37,5% em 1999 e devendo cair para 30% no presente ano. Determinou-se também, entre outras providências, a remuneração do parto normal feito por enfermeira.  

O impacto dessas medidas já é visível. A taxa de cesarianas no SUS passou de 32% para 28,4%, mas o governo reconhece que os desafios ainda são enormes, principalmente em relação às maternidades particulares.  

O periódico Problemas Brasileiros , em sua edição de setembro/outubro de 1999, publicou uma reportagem com um auspicioso título: "O Parto Renasce – Novas iniciativas combatem o excesso de cesarianas e intervenções nas gestantes e propõem a volta de métodos mais naturais".  

A matéria destaca duas iniciativas promissoras e exitosas: o Projeto Qualis, um convênio firmado entre o poder público e fundações e a oficialização do Programa Nacional de Incentivo à Criação de Casas de Parto e Maternidades-Modelo, pelo Ministério da Saúde.  

Essas "casas de parto", uma alternativa aos hospitais e maternidades adotada em países como o Japão, já existiam em algumas cidades do Brasil antes de serem oficializadas, no ano passado.  

A Casa do Parto de Sapopemba, a primeira a ser implantada na capital paulista, serve de referência para o novo programa do Ministério da Saúde. Lá, os partos, comandados por enfermeiras, são exclusivamente normais. A equipe não inclui médicos, não é feita anestesia, e intervenções, como a indução do parto por medicamentos, são restritas aos casos verdadeiramente necessários.  

Sr. Presidente, campanhas pelo parto normal, dirigidas a médicos e mães, tentam, nos últimos anos, fazer com que o Brasil deixe de ser o campeão mundial de cesarianas desnecessárias.  

Entidades da área médica, profissionais de saúde e figuras representativas da sociedade civil têm-se engajado na luta pela humanização do parto. O Conselho Federal de Medicina lançou a campanha " Parto Normal é Natural " e outras iniciativas nesse sentido vêm surgindo.  

Considero significativo que o Prêmio Abramge de Medicina de 1999, concedido pela Abramge – Associação Brasileira de Medicina de Grupo, tenha sido concedido ao Doutor Gabriel Alberto Brasil Ventura, por seu trabalho "Viabilidade da Redução de Cesáreas em Maternidade Pública da Cidade de São Paulo".  

Esse fato sinaliza que a questão do número excessivo de cesarianas no Brasil vem ganhando importância cada vez maior. O premiado Dr. Gabriel Alberto Brasil Ventura, em seu trabalho recentemente publicado, fruto de sua pesquisa realizada entre janeiro e dezembro de 1997, na Clínica Obstétrica e no Departamento de Clínica Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, explicita os questionamentos que o levaram a realizar a pesquisa e que também devem nos instigar: "A quem incomoda a situação atual de altas taxas de cesáreas encontrada no Brasil?" Ou ainda: "A quem interessa a perenização da atual situação?".  

Felizmente soou o sinal de alerta e providências estão sendo tomadas para reduzir os abusos. Como bem assinalou o ganhador do prêmio Abramge, "as dramáticas complicações decorrentes das cesáreas, quais sejam as elevações dos índices de morbimortalidade maternos e perinatais, são de tal forma impactantes que suscitam um reposicionamento da conduta obstétrica".  

Estou confiante de que a adoção de políticas, práticas e estratégias que visem a conter o fenômeno atual de verdadeira epidemia de cesáreas no Brasil serão benéficos e significarão uma grande economia para os cofres públicos.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

ó ¾


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2000 - Página 8802