Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE MODIFICAÇÃO DA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS PARA O ANO 2001 DE FORMA A POSSIBILITAR UM EFETIVO COMBATE AO CRESCENTE DEFICIT HABITACIONAL.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO. POLITICA HABITACIONAL.:
  • NECESSIDADE DE MODIFICAÇÃO DA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS PARA O ANO 2001 DE FORMA A POSSIBILITAR UM EFETIVO COMBATE AO CRESCENTE DEFICIT HABITACIONAL.
Publicação
Republicação no DSF de 06/05/2000 - Página 9364
Assunto
Outros > ORÇAMENTO. POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, SUPERIORIDADE, NUMERO, POPULAÇÃO, AUSENCIA, RESIDENCIA, IMPORTANCIA, IMPLEMENTAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, GARANTIA, DIREITOS, HABITAÇÃO, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, PROJETO, LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS (LDO), AMPLIAÇÃO, RECURSOS, POLITICA HABITACIONAL, PRIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, DADOS, COMPARAÇÃO, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR, AMBITO, HABITAÇÃO.
  • REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OFICIO, SOLICITAÇÃO, DEFINIÇÃO, ANO NACIONAL, HABITAÇÃO, PROPOSTA, OBRIGATORIEDADE, EXECUÇÃO, PROJETO, POLITICA HABITACIONAL, BAIXA RENDA.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para chamar a atenção, mais uma vez, para um fato grotesco, mas que, de tão repetido, adormeceu a consciência da sociedade brasileira, que já vê com indiferença aquilo que outros povos abominam. Neste exato momento, Sras. e Srs. Senadores, 26 milhões de pessoas estão desabrigadas, vivendo em situação subumana. Para se ter uma idéia de magnitude, o número de desabrigados corresponde à população dos 3.700 municípios brasileiros menos populosos, ou, ainda, à soma da população das nossas oito maiores cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília, Curitiba e Recife. A legião de desabrigados corresponde a significativa parcela da população das cidades em que vivem. Esse problema é vergonhoso para o País e merece todo o esforço do Governo e da sociedade para sua solução.  

Há muito, venho lutando pela população desabrigada da nação brasileira. Em junho de 1996, o Brasil participou da Conferência Habitat II, convocada pela Organização das Nações Unidas, na qual teve a importante função de relator da Agenda do Habitat. Naquele mesmo mês, visando, não só mitigar o déficit habitacional brasileiro, mas também chamar a responsabilidade dessa missão para o Estado, apresentei proposta de Emenda Constitucional para incluir o direito à moradia entre os direitos sociais constantes do art. 6.º da Lei Maior. Após amplos debates nas Comissões de ambas as Casas e no Plenário do Congresso Nacional, foi promulgada, em 15 de fevereiro deste ano, a Emenda Constitucional n.º 26, que "altera a redação do art. 6.º da Constituição Federal" , incluindo o direito à moradia entre os direitos sociais. Foi uma vitória do povo brasileiro que conta agora com o respaldo constitucional para garantir investimentos no setor da habitação.  

Qual não foi minha surpresa, portanto, Sras. e Srs. Senadores, quando recebi cópia do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO – para o ano 2001, encaminhado ao Congresso Nacional no último dia 15 de abril. Cabe a esse projeto estabelecer as metas e prioridades da administração pública federal e orientar a elaboração da lei orçamentária anual. Dispõe, ainda, sobre a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento e as alterações na legislação tributária. Dessa forma, a LDO fornece uma radiografia do que pretende o Governo no exercício subseqüente. Há apenas três meses da promulgação da Emenda que torna a moradia um direito constitucional, o Governo acena com uma proposta insensível à massa de desabrigados.  

Segundo estatísticas oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o déficit habitacional chega a 5,2 milhões de residências.  

A estatística oficial é otimista quando comparada com estudos baseados em condições mínimas de qualidade de vida aceitáveis por organizações internacionais. Segundo o entendimento dessas instituições, a questão habitacional diz respeito à qualidade de vida mínima aceitável e não se concentra na construção direta de casas populares ou no financiamento de moradias para as classes média e alta. Muitas outras ações governamentais contribuem para a consecução desse objetivo, quais sejam, a implantação de sistemas de abastecimento de água, saneamento básico, transporte, etc.  

Parece ser essa também a opinião do Poder Executivo. Em discurso proferido na cerimônia de posse do atual Secretário de Estado de Desenvolvimento Urbano, o Presidente da República ratificou esse entendimento quando afirmou que "a questão urbana não é fazer casas. Fosse isso, já seria muito complicado. Mas é muito mais do que isso: é poluição, é transporte, é transformar em ‘vivível’ o que hoje é dificilmente habitável." O discurso presidencial aludiu à questão habitacional, dando a ela dimensão muito além da simples moradia.  

Com base nesses parâmetros, o déficit habitacional brasileiro subiria para cerca de 7 milhões de residências, o que corresponde a 35 milhões de pessoas, ou a toda a população do Estado de São Paulo. Mas ficaremos com os dados oficiais, que, pelo menos, não serão refutados pelo próprio Estado.  

O déficit habitacional de 5,2 milhões corresponde a 29% de tudo o que foi construído no País nos últimos trinta e três anos, período de existência do Sistema Financeiro de Habitação, e, se o Governo continuasse nesse ritmo, levaria cerca de onze anos de investimentos para ser erradicado. Isso, sem levar em consideração o aumento da população que eleva a demanda por residências.  

No entanto, foi prevista a construção de apenas 12.708 unidades habitacionais no projeto da LDO para 2001. Considerando-se que 94% da demanda por residências ocorre nas classes sociais mais baixas, não atendidas, historicamente, pelo SFH, seriam necessários não apenas onze anos, mas 400 anos para a erradicação do déficit habitacional. Além disso, se levarmos em conta o aumento populacional que, apesar de decrescente, ainda é significativo, pode-se considerar que nunca será solucionado o problema no ritmo proposto pela LDO.  

Relatórios de execução dos orçamentos anuais indicam que, na média dos últimos seis anos, R$ 1.603 milhões são destinados, anualmente, à habitação, correspondendo a apenas 0,4 % dos recursos orçamentários. Há impropriedades nesse tipo de análise, que podem levar a uma conclusão errônea acerca do volume de recursos efetivamente gastos para aumentar a oferta de residências à população carente. Pasmem, Sras. e Srs. Senadores, mas, na verdade, o volume é bem menor, próximo aos ínfimos 0,09% do total orçado anualmente.  

São quatro as impropriedades na análise da destinação e execução dos recursos à Habitação no Brasil. A primeira diz respeito ao montante de recursos gastos com ações que pouco ou nada contribuem para o aumento da oferta de residências à população; a segunda refere-se à insuficiência, em termos absolutos, de recursos para fazer face aos investimentos necessários à redução do déficit habitacional, frente ao crescimento da população; a terceira tange o baixo percentual de execução das dotações orçamentárias, agravando a insuficiência e a inadequação dos recursos; e, finalmente, a quarta, refere-se à inadequação da oferta habitacional para as classes sociais mais baixas, o que mascara a verdadeira situação em que as camadas pobres se encontram.  

A maior parte dos recursos para habitação destinam-se a construção, reparo e conservação de unidades habitacionais de órgãos públicos, bem como ao Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS, cujo objetivo é, basicamente, a cobertura de resíduo resultante de contratos firmados com o Sistema Financeiro da Habitação – SFH. Obviamente, esse tipo de despesa em nada contribui para a redução do déficit habitacional, extremamente concentrado nas classes mais baixas.  

De fato, o montante de recursos com manutenção e construção de imóveis funcionais chegou a cerca de R$ 241 milhões entre 1994 e 1999, representando 2,4% do total, mas a grande maioria dos recursos reservados para a habitação destinam-se ao FCVS, que em nada contribui para a redução do déficit de moradia da população carente, como demonstrarei a seguir.  

Durante seus trinta e três anos de existência, o SFH, criado para reduzir o déficit habitacional, além de ter financiado apenas 28% dos 23,7 milhões de novas residências construídas no período, gerou um passivo financeiro para a sociedade de cerca de R$ 50 bilhões no chamado Fundo de Compensação das Variações Salariais.  

As dotações destinadas ao FCVS chegaram a R$ 7.925 milhões entre 1994 e 1999, representando nada menos do que 78,7% do total dos recursos para a habitação naquele período. Em 2000, a situação se repetiu e 76,0% dos recursos da habitação novamente foram destinados ao fundo.  

Dessa forma, em média dos últimos seis anos, 20% dos recursos da habitação são destinados à população carente, por meio de ações que visem a construção de casas populares, saneamento básico e melhoria das condições de vida.  

Adicionalmente, a insuficiência de recursos, aliada ao baixo percentual de execução, são outras considerações que devem ser feitas para que se chegue ao montante exato de recursos que, efetivamente, contribuem para a redução do déficit habitacional.  

Uma rápida pesquisa no orçamento para 1999 levaria à conclusão de que R$ 1.062 mil foram destinados à habitação. No entanto, desse montante, apenas cerca de R$ 183,5 mil destinaram-se à oferta de moradias às populações carentes. Apenas 17,3%, Sras. e Srs. Senadores. E a execução da previsão foi ainda mais baixa, tendo ficado em R$ 117,3 milhões, distribuídos entre ações destinadas à construção de moradias populares, saneamento básico e melhorias das condições de vida. Mas, não foi diferente nos anos anteriores. A situação vem se agravando paulatinamente.  

Houve uma queda percentual nas dotações aprovadas na lei orçamentária e créditos adicionais destinados à habitação de 34,3% em 1998 e 31,1% em 1999, passando de R$ 2.344 milhões em 1997 para R$ 1.062 milhões em 1999, o que evidencia a tendência de decréscimo nas aplicações em habitação. Devo salientar que tais estatísticas englobam todas as despesas, colaborem ou não para a redução do déficit.  

Se a destinação de recursos é deficiente, a execução é irrisória. Saibam, Sras. e Srs. Senadores, que, entre 1994 e 1999, foram previstos R$ 10.063 milhões para o programa "Habitação", dos quais apenas R$ 1.243 milhões foram executados, totalizando ínfimos 12,4%. É verdade que grande parte dos recursos não executados referem-se, como dissemos, ao FCVS, que em nada contribui para a redução do déficit, mas demonstra o desrespeito do Executivo às decisões congressuais e à sociedade brasileira. Não se trata, vale salientar, de um valor esporádico, uma contingência imprevista em um único exercício, que, ainda assim, seria de enorme gravidade. Trata-se, contudo, da média de execução durante um período de seis anos.  

A tendência de redução na execução das dotações orçamentárias destinadas à habitação é mais evidente nos dois últimos anos. Entre 1997 e 1999, houve uma queda acumulada de 64,7%, sendo 25,5% em 1998 e 52,6% em 1999.

 

Ademais, a simples análise do montante de recursos destinados diretamente à redução do déficit habitacional, excluindo-se despesas que não aumentem a oferta de residências à população, mostra uma forte redução nos dois últimos exercícios financeiros, totalizando, entre 1997 e 1999, 45,2% de queda.  

Para o ano 2000, foram previstos R$ 1.809 milhões, ainda sujeitos à sanção presidencial, representando um acréscimo de 70,3% em relação ao exercício anterior, mas apenas R$ 424 milhões, ou seja, 23,5% do total, destinam-se a ações diretamente relacionadas à redução da demanda por habitação, quais sejam, construção de moradias populares, saneamento básico e melhoria das condições de vida, basicamente.  

A pequena recuperação verificada em 2000 corre o risco de não ter a perenidade necessária à solução do problema, devido, tanto à redução já verificada na LDO, quanto à discricionariedade do Executivo para a execução das dotações. Na LDO para o ano 2001, foram aprovados R$ 1.375 milhões, o que corresponde a uma redução de 24% do total de recursos destinados à habitação em 2000. O montante de recursos orçados regressou a patamares de 1995. Cabe ao Congresso Nacional corrigir essa falha. No momento em que a sociedade se volta para as ações governamentais que visem à redução do déficit habitacional, em obediência ao dispositivo constitucional que inclui a moradia entre os direitos sociais, não é aceitável que se trabalhe com volume de recursos iguais aos utilizados há quase cinco anos.  

Salta aos olhos, ainda, o contraste na execução dos diversos tipos de ação incluídas no programa "Habitação". Enquanto as ações destinadas diretamente à redução do déficit habitacional das populações carentes variou entre 0% em 1995 e 76,7% em 1997, ficando em 63,9% em 1999, as unidades orçamentárias destinadas a ações de construção, manutenção e reparos em imóveis de órgãos públicos tiveram as maiores execuções, dentre elas, Fundo da Aeronáutica – 100,0%, Fundo Rotativo Habitacional de Brasília – 97,1%, Câmara dos Deputados – 90,7% e Ministério da Aeronáutica – 85,8%. Esses dados nos levam, naturalmente, à reflexão sobre quais são, de fato, as prioridades do Governo brasileiro.  

Chama também a atenção o fato de que, enquanto 80,3% dos créditos aprovados na lei orçamentária e em créditos adicionais, no programa "Habitação", foram destinados ao grupo de natureza de despesa "Outras despesas correntes" e apenas 18,3% objetivaram o grupo "Investimentos". A situação se inverte depois da execução das dotações aprovadas. Cerca de 75,0% dos empenhos liquidados pertencem ao grupo "Investimentos", enquanto que 23,7% objetivaram despesas com o custeio dos programas. Se, por um lado, há o atenuante em virtude de a execução ter priorizado os investimentos, por outro, há a vergonha pela completa falta de consideração do Executivo com relação aos créditos aprovados pelo Congresso Nacional.  

Finalmente, chega-se à questão da inadequação da oferta de moradias, que tem desprezado a demanda das populações de baixa renda.  

Os recursos destinados à habitação nesse País, Srs. Parlamentares, destinam-se, basicamente, à cobertura de uma dívida que beneficiou, exclusivamente, as classes mais favorecidas. O próprio Secretário de Estado de Desenvolvimento Urbano admitiu, em seu discurso de posse, que "o Sistema Financeiro da Habitação ... foi ineficiente no atendimento da população de baixa renda, a quem teve e continua tendo o propósito de proteger." A população carente já nem se lembra da última vez que foi beneficiada de forma consistente.  

De fato, dos 5,2 milhões de novas habitações necessárias, 94% são para famílias com renda até cinco salários mínimos, sendo que cerca de 4,2 milhões são na cidade e 1 milhão, no campo. Percebe-se que o problema se alastra pela população pobre das cidades, o que explica, pelo menos em parte, o aumento da criminalidade e da violência nas capitais brasileiras.  

A variação percentual da execução das dotações e dos empenhos liquidados, avaliada mensalmente, aliada aos baixos percentuais de execução das respectivas dotações e ao tipo de ações adotadas pelo Governo, prioritariamente, voltadas à manutenção de residências institucionais e cobertura do resíduo de contratos firmados com o SFH, são um claro indicativo de que os investimentos governamentais destinados à habitação no Brasil não priorizam a erradicação do déficit habitacional brasileiro, definido como direito social a partir da promulgação da Emenda Constitucional n.º 26, de 2000.  

Imbuído da missão de provocar o debate sobre o déficit habitacional brasileiro, trazendo à tona a realidade e abrangência do problema, encaminhei ao Exmo Sr. Presidente da República Ofício solicitando que o ano 2001 seja o "Ano da Habitação" no Brasil. Proponho, desde já, obrigatoriedade na execução das dotações destinadas à erradicação do déficit habitacional das classes baixas. Dessa forma, estaremos valorizando o esforço parlamentar para a obtenção de recursos orçamentários, que, muitas vezes, assistem impotentes a protelação de ações necessárias às comunidades que representam.  

Solicito, também, neste momento, união dos parlamentares das duas Casas do Congresso Nacional para que seja corrigida a falha da LDO e observado o direito constitucional à moradia.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/05/2000 - Página 9364