Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REGISTRO DA VIAGEM DE S.EXA. AOS EUA, COMO MEMBRO DE DELEGAÇÃO BRASILEIRA, PARA CONHECER POLITICAS DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HIDRICOS PARA APRIMORAMENTO DOS MECANISMOS GESTORES DE AGUA NO BRASIL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • REGISTRO DA VIAGEM DE S.EXA. AOS EUA, COMO MEMBRO DE DELEGAÇÃO BRASILEIRA, PARA CONHECER POLITICAS DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HIDRICOS PARA APRIMORAMENTO DOS MECANISMOS GESTORES DE AGUA NO BRASIL.
Aparteantes
Marina Silva, Ney Suassuna, Paulo Souto.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2000 - Página 9483
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, DELEGAÇÃO BRASILEIRA, VIAGEM, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONHECIMENTO, POLITICA, RECURSOS HIDRICOS, UTILIZAÇÃO, CONSERVAÇÃO, AGUA, OBJETIVO, APERFEIÇOAMENTO, MAQUINARIA, GESTÃO, RECURSOS NATURAIS, BRASIL.
  • APOIO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, IMPEDIMENTO, PERDA, INEFICACIA, UTILIZAÇÃO, APROVEITAMENTO, AGUA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, integrei uma delegação brasileira que foi aos Estados Unidos, atendendo a convite da Coordenação do Banco Mundial e do Ministério da Integração Nacional. Estivemos no Colorado e em Washington, para examinar, no primeiro Estado, as políticas de gerenciamento de recursos hídricos, de utilização e de conservação da água, com vistas ao aprimoramento dos mecanismos gestores de água no Brasil, inclusive no momento em que o Senado analisa a criação da Agência Nacional da Água – ANA. Em Washington, na sede do Banco Mundial, o Ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, teve a oportunidade de apresentar, juntamente com sua equipe técnica, o esboço do projeto de transposição das águas do rio São Francisco.  

Destaco aqui a importância da visita ao Estado do Colorado pela oportunidade que tivemos de conhecer de perto mecanismos eficazes de gerenciamento do uso da água para sua melhor utilização. Na verdade, sete Estados, entre eles, Califórnia, Novo México, Arizona, Utah, Colorado e Wisconsin, firmaram um pacto que inicialmente determinou o percentual de água da bacia do rio Colorado que iria para cada Estado.  

Alguém poderia indagar o que há de comum, por exemplo, entre a geografia, o regime hidrológico daquela região e o do Nordeste brasileiro. Aquela região é semi-árida, ou mesmo árida, como às vezes eles intitulam. Há regiões lá em que a precipitação pluviométrica anual atinge cerca de 300 milímetros; ou seja, é bastante baixa. O regime de chuvas e a oferta de água decorrente do degelo nas montanhas ocorre praticamente num intervalo de 100 dias, o que é mais ou menos o que acontece no Nordeste brasileiro. Há, portanto, escassez de água e necessidade de instrumentos eficientes de gestão, de racionalidade do uso e opções para o uso preferencial da água.  

No fim do século passado, a própria comunidade, independentemente da participação do governo, organizou-se para estabelecer condições para a utilização da água. É interessante notar que, à época do processo de colonização do oeste americano, as pessoas adquiriram, à medida que iam chegando, o direito de utilizar determinado volume de água por dia, direito esse que se tem mantido praticamente intocado ao longo do tempo. Estou me referindo a fins do século passado, por volta do ano de 1860. Esse direito se transformou em título, em propriedade, que é inclusive negociada, vendida, transferida. Na negociação, venda ou transferência desse título, pode inclusive haver alteração quanto ao uso da água. Por exemplo, alguém era detentor de um título para usar determinado volume de água para irrigação. Vendido esse título, o comprador pode transferir essa utilização de irrigação para água bruta industrial ou para abastecimento humano. Isso, evidentemente, requer uma grande capacidade de articulação, de coordenação, para permitir o uso mais racional e mais eficaz da água.  

O governo americano investiu, ao longo dos anos, por intermédio do Bureau Reclamation , uma soma bastante alta de recursos na construção de barragens. Essas barragens serviram para fins hidroelétricos, bem como para regularização de rios e até transposição de água de um rio para outro. É interessante assinalar que lá os barramentos ocorreram visando ao abastecimento de água, ao uso da água para consumo e irrigação, ao contrário daqui do Brasil, onde os grandes barramentos aconteceram tendo como objetivo principal a produção de energia elétrica. Em segundo lugar, destinou-se ao abastecimento humano e à irrigação.  

Evidentemente, a necessidade de multiusos para a água gera conflitos que, às vezes, chegam ao litígio, até mesmo entre Estados - como o grande litígio que foi à Suprema Corte Americana entre os Estados de Wisconsin e do Colorado - ou entre usuários. Água para abastecimento humano, água para irrigação, isso necessita de arbitragem, mas, principalmente, de definição de regras estáveis, claras, e a participação da comunidade na decisão para o melhor uso dessa água.  

Tivemos oportunidade também de ir ao campo visitar obras para a utilização de recursos hídricos no Colorado. Em um dos distritos de conservação da água que lá existe, verificamos como funciona a gestão desses recursos.  

Independentemente de que se haverá ou não a transposição das águas do rio Francisco para outros Estados do Nordeste – e sou cada vez mais um apologista dessa obra –, tivemos a impressão de que ali, nos Estados Unidos, basicamente dessa experiência da bacia do Rio Colorado, é possível colher muitos conhecimentos interessantes para aplicação no Brasil, considerando, é claro, a nossa diversidade cultural, geográfica, hidrográfica e assim por diante.  

Em Washington, na sede do Banco Mundial, o Ministro Fernando Bezerra e o Secretário Rômulo Macedo tiveram oportunidade de expor as linhas gerais do projeto de transposição das águas da Bacia do São Francisco.  

Espero que, dentro de mais ou menos trinta dias, o Ministério da Integração Nacional esteja com os projetos de engenharia, econômico e o estudo de impacto no meio ambiente prontos.  

Lá, nos Estados Unidos, como aqui, houve muita discussão, muitos debates, que se arrastaram por muitos anos. Haverá sempre conflitos entre os que estão na bacia doadora e os que estão na receptora, ou seja, os que têm a água no seu território e aqueles que vão recebê-la. Mas esse conflito tem de ser administrado, porque é justo que se concedam compensações aos Estados, às regiões que estão na bacia doadora. Isso aconteceu nos Estados Unidos e deverá acontecer também aqui no Brasil. Faz-se necessário que esses Estados que estão na bacia doadora apresentem claramente suas reivindicações, as compensações que desejam e esperam para que possam prescindir daquela água. Não tenho dúvida alguma de que o projeto é consistente do ponto de vista econômico, financeiro, ecológico, de conservação do meio ambiente, isso para não falar no aspecto social.  

Nessa região do oeste americano é de se notar, por exemplo, que o Estado da Califórnia é o que mais recebe água dessa bacia; no entanto, não oferece nenhuma água para a bacia do Colorado. Mas o pacto foi considerado razoável, foi aprovado pelo Congresso americano, e de fato está funcionando.  

O Sr .Ney Suassuna (PMDB - PB) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Ouço o aparte do nobre Senador Ney Suassuna.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) – Senador Lúcio Alcântara, louvo e considero excelente a síntese que V. Exª faz. Ela vem ao encontro dos nossos interesses. É claro que tem de haver compensação para os Estados doadores, mesmo para aqueles que estejam acima das tomadas de água. Contudo, estamos tratando de uma tese que me parece tão lógica, que não consigo entender como alguém pode ser contrário. De cerca 2.660m³ por minuto, estamos querendo tirar uns setenta e poucos metros. Isso é nada, mas é o suficiente para beneficiar doze milhões de pessoas.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – E tudo abaixo da área regularizada.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) – Exatamente. A não ser que nos provem que essa água é imprescindível para o Oceano Atlântico à criação de peixes e aos corais, não cabe em minha cabeça tal idéia. Há poucos dias ouvi um comentário sobre ser muito difícil uma bacia doar para outra bacia. Ao ouvir esse argumento, pensei sobre o direito bíblico de darmos água a quem tem sede. Não queremos água para irrigações, mas para matar a sede. No caso do meu Estado, 73% do território fica sem água para beber quando chega a seca.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – V. Exª sabe que o Estado da Paraíba, considerando-se os padrões mínimos estabelecidos pela ONU no que se refere à água disponível em relação ao total da população, está em estado de alerta, uma vez que está abaixo do índice mínimo de consumo de água por habitante.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) – Por essa razão, nobre Senador Lúcio Alcântara, é claro que temos que dar compensação aos demais Estados; é claro que temos que fazer a revitalização dessa bacia, buscando assorear o rio, fazendo as matas ciliares e mais o que for necessário. Mas não podemos negar água a quem tem sede. Precisamos de água para o consumo humano e animal. Por isso, acredito que qualquer preço é pequeno se estamos salvando nossos irmãos. Uma nação é feita de solidariedade. E essa é a solidariedade que esperamos dos nossos irmãos – nem falo dos irmãos do restante do País - nordestinos Por isso, louvo V. Exª pela síntese que está fazendo. Estou solidário e não nego, em absoluto, o direito que os demais Estados têm em relação a compensações possíveis.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – Esse projeto não pode ser de iniciativa de um partido político, nem de um Estado. Não é justo que alguém queira tirar proveito político disso. Seria uma atitude com a qual não podemos concordar. Queremos que a discussão se dê em termos racionais, considerando os vários aspectos do problema.  

Na delegação, registramos a presença do Governador Siqueira Campos. S. Exª já tem um estudo preliminar para que seja feita a transposição de água do Tocantins para o São Francisco. Quer dizer, o Governador do Tocantins, avocou para si a tarefa de já fazer os primeiros estudos para examinar a viabilidade dessa transposição. Evidentemente seria trazer sangue novo para a bacia do São Francisco.  

Se essa transposição de fato for efetivada, seguramente vai requerer que se tenham novos cuidados com a bacia do São Francisco, com a sua nascente, com o assoreamento, preservação e recuperação das matas ciliares, por exemplo. Haverá um número muito maior de brasileiros interessados não só na sobrevivência, mas na recuperação do São Francisco, esse que é chamado o rio da integração nacional. Esse projeto vai ratificar a denominação dada ao São Francisco, de rio de integração nacional, que vai percorrer outros Estados para matar a sede de milhões de nordestinos que estão nos Estados onde o problema hídrico assumiu uma enorme gravidade.

 

O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Ouço o nobre Senador Paulo Souto.  

O Sr. Paulo Souto (PFL – BA) – Senador Lúcio Alcântara, eu ouvia o pronunciamento de V. Exª, feito com o equilíbrio, a racionalidade e o brilho habituais do seu comportamento nesta Casa. Realmente, foi uma viagem proveitosa, e o que mais ficou gravado em todos – como V. Exª bem salientou - foi a necessidade de criar consciência da grande importância do gerenciamento de recursos hídricos. O desperdício, a má utilização, isso é o que pode acontecer de pior com relação ao aproveitamento das águas. Isso ficou muito claro. Acho que muitos Estados já têm as suas leis sobre as águas.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Estão começando.  

O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) - Estão começando. Alguns Estados estão avançando mais que outros em relação a essa legislação. Essa é a parte que me parece a parte mais importante. Um outro aspecto que eu poderia destacar é o cuidado que se tem na preparação e elaboração de qualquer projeto relacionado a transporte de águas. As precauções abrangem desde a parte técnica do projeto até o de auscultar as populações envolvidas, como aliás V. Exª deixou muito claro em seu pronunciamento. Eu queria fazer apenas um pequeno comentário, porque talvez ainda venha a falar sobre esse assunto. É sobre o exemplo que vimos, do rio Colorado, de distribuição de águas entre os Estados da mesma bacia. Os Estados da bacia do Colorado reuniram-se e dividiram a água, através de um amplo entendimento, do qual ficou o Arizona separado. Até diziam que, à época, esse Estado, inconformado com isso, teve uma reação inusitada, mas depois aderindo,...  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – ...aderindo ao pacto.  

O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) – dez ou quinze anos depois, ao pacto. Mas foram os Estados da mesma bacia que se reuniram e dividiram a água. A transposição ocorre da parte oeste para a parte leste dentro do mesmo Estado do Colorado.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – É verdade.  

O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) - Não quero absolutamente dizer, com isso, que não seja possível aqui um Estado abrir mão de água para um outro. Estou apenas dizendo que lá o exemplo da transposição ocorre de uma bacia para outra, sendo as duas bacias situadas no mesmo Estado. E mais uma vez não quero dizer com isso que essa seja a atitude que vamos tomar aqui, no Brasil, onde o problema é diferente, onde temos ampla capacidade de negociar. Constatamos lá o cuidado das populações em abrir mão dos recursos hídricos, porque sabem que, uma vez tomada a decisão, é irreversível. E daí a preocupação muito bem revelada por V. Exª de que existam compensações para os demais Estados. Talvez eu venha a falar sobre isso, mas confesso que, é claro, esse assunto me preocupa. Sou baiano, e o meu Estado tem grande parte de suas terras no rio São Francisco. Mas importa-me, sobretudo, que esse projeto seja bom para o País, que atenda aos interesses do País. E, para isso, ele precisa ser feito com muito cuidado. Espero que isso aconteça. Tenho certeza de que o Ministro Fernando Bezerra terá todo cuidado na elaboração desse projeto. Muito obrigado a V. Exª.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – Muito obrigado, Senador Paulo Souto. V Exª foi preciso nos seus comentários. Apenas aditarei o seguinte: embora o transporte de água seja feito entre bacias do mesmo rio – bacias do rio Colorado –, a Califórnia, Estado que mais recebe, não gera água nessa bacia. Só recebe, razão pela qual desperta reação dos outros: querem diminuir a quantidade de água que vai para a Califórnia, pois já estava além da sua cota.  

Quando analisamos a composição de água do rio São Francisco, vemos o seguinte: Minas contribui com 75% da água; a Bahia contribui com 16%. O primeiro pacto que houve nos Estados Unidos entre os Estados envolvidos foi para decidir que percentual de água cada Estado iria receber. Essa foi a primeira coisa que eles fizeram, tal a escassez de água naquela região e a necessidade de conciliar diferentes usos.  

O Senador Paulo Souto foi fiel. Realmente, tratou-se lá, em primeiro lugar, desse aspecto. Tomei conhecimento, Senador Geraldo Melo - V. Exª que já foi Governador -, de que a Companhia e Abastecimento de Denver, no Colorado, tem um desperdício de 6%. Mesmo os técnicos que acompanharam nossa viagem se surpreenderam, porque o desperdício mínimo que eles conheciam era de 15% e ocorria na Alemanha. Em Denver, tal o rigor e a eficiência com que administram a distribuição de água para o consumo humano, há perda de 6%.  

Aqui, no Brasil, parece que a média está em torno de 40%. Há casos de 80% de perda - nem vou citar em que Estado ocorre. Esses dados me foram fornecidos pelo Senador Paulo Hartung, que é um especialista nesse assunto.  

Pois bem, é evidente que em alguns lugares existe pouca água - o Nordeste possui 3% da água doce do Brasil e 30% da população. Trata-se, portanto, de um problema realmente grave, que requer uma decisão nacional, como disse o Senador Paulo Souto.  

É claro que a participação do Banco Mundial nesses debates traga talvez uma certa imparcialidade nas análises técnicas e de financiamento.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT – AC) – Senador Lúcio Alcântara, V. Exª me permite um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) - A luz vermelha acusa que meu tempo já está terminando, mas eu não queria concluir sem conceder o aparte à Senadora Marina Silva.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT – AC) – Serei breve, Sr. Presidente. Cumprimento o Senador Lúcio Alcântara pelo debate que nos traz esta tarde. Aborda a tese, muito bem advogada pelo Senador Ney Suassuna, de que o Velho Chico pode matar a sede de muitos no Nordeste. Isso nos leva a algumas reflexões. É evidente que há o componente social, mas temos de nos preocupar com a capacidade de suporte do rio São Francisco. O Senador Ney Suassuna dizia que tudo está sendo feito dentro do limite. O Senador Lúcio Alcântara é médico e pode falar com alguma autoridade. Não tenho informações técnicas, mas vamos supor que a linha de risco para alguém que está com uma queda de açúcar seja 40. Ou seja, com 40, estaria vivo, normal. Se alguém resolve tirar 5% de açúcar, considerando que a quantidade é pequena, ele entraria em colapso. Portanto, nossa preocupação deve estar sempre voltada para o impacto ambiental da transposição ou de outro processo semelhante que se pretende para o rio São Francisco. Fico feliz porque a questão dos recursos hídricos hoje está sendo debatida com um grau de sofisticação à altura da importância desse recurso para a sociedade, para a Humanidade e para a vida. Quando V. Exª falou da Bahia e de Minas Gerais, mencionou os percentuais com que aqueles Estados contribuem para a água do São Francisco. Hoje vamos falar da seguinte forma - e falo com a autoridade de quem tem a maior quantidade de água doce do Brasil -: na Amazônia, temos 81% da água doce do Brasil, graças a Deus. Conhecemos a argumentação de que com água se resolve o problema da fome, e sabemos que não é verdadeira. Água apenas não é o suficiente, embora seja um bom passo. Na Amazônia, temos pessoas passando fome em cima de palafitas, sobre as águas. Então, faz-se necessária uma maior reflexão quanto às questões ambientais.  

O SR. LÚCIO ÂLCANTARA (PSDB - CE) – Têm água e peixe, o que ainda é mais grave.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) – Têm água e peixe. Infelizmente, mesmo numa realidade como essa, nem todos os caboclos vivem à margem do rio, com peixe para comer. Boa parte das pessoas não os têm. Há na Amazônia o problema de seca, a necessidade açudagem. Trata-se de uma imensa contradição, e serve para que possamos ter idéia do que significa não tratarmos adequadamente as nossa ações no que se refere ao impacto ambiental das mesmas. Para concluir, sou autora de um projeto de lei que institui que 2% do Fundo de Participação dos Estados destine-se ao Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável. Uma das ações possíveis seria a recuperação no Nordeste com relação à diversificação. Lamentavelmente, esse projeto não foi aprovado aqui, porque não houve, à época, por parte de alguns Colegas, a compreensão de que a proposta iria também beneficiar as suas regiões. Fui informada de que, agora, há parecer contrário do Sr. Senador Lúdio Coelho na Comissão de Assuntos Econômicos, mas espero que tenhamos oportunidade de aprová-lo, usando os argumentos que o nobre Senador Ney Suassuna mencionou ainda há pouco, de que nosso País precisa ser visto como um todo, e não apenas como regiões. Espero contribuir inclusive com os programas de combate à seca do Nordeste, aprovando esse Fundo, que, com certeza, beneficiará também a Região Nordeste.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Muito obrigado, Senadora Marina Silva. Sempre ouvimos V. Exª com muita atenção, quando fala em matéria ambiental, porque é o "saber de longa experiência feita", como dizia o grande Camões. Filha da região amazônica, morando na floresta, vivendo na cidade, conhece esse assunto de ciência própria, além do que sabemos que tem estudado, que tem aprendido e, sobretudo, que nos tem ensinado.  

Ninguém, em sã consciência, pode advogar uma solução que signifique a morte do rio ou pelo menos a sua debilitação. Temos de examinar esse projeto com todo o cuidado, vendo as diferentes implicações e impactos sobre a bacia.  

O Senador Paulo Souto há de recordar que essas obras a que nos referimos, da bacia do rio Colorado, começaram no início do século, em 1908, salvo engano, e, depois, sobretudo a partir de 1935. Nessa época, a preocupação com o meio ambiente não era tão grande como é hoje. Por isso, temos que levar em conta hoje, muito mais do que naquela época, as questões do meio ambiente. Mesmo assim, o impacto ambiental, pelas perguntas que foram feitas e pelas respostas que tivemos, parece ter sido relativamente pequeno, Senador Paulo Souto, o que não significa que não se tenha cuidado redobrado agora com qualquer coisa que se vá fazer na bacia do rio São Francisco.

 

Sr. Presidente, eu queria apenas trazer essas informações. Pudemos ouvi-las e delas tomar conhecimento. Esperamos que esse debate, essa discussão sobre o melhor gerenciamento da água no Brasil possa conciliar usos e fazer com que o desperdício seja cada vez menor, ou que até a transposição de águas seja feita num clima de racionalidade, entendimento, civismo e patriotismo.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2000 - Página 9483