Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO PROFESSOR ANISIO TEIXEIRA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO PROFESSOR ANISIO TEIXEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2000 - Página 13841
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ANISIO TEIXEIRA, PROFESSOR, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, RENOVAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, familiares de Anísio Teixeira, convidados, senhoras e senhores, na galeria dos educadores brasileiros muitas figuras se destacam por suas lutas, contribuições originais e realizações. Cito, entre eles: Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Paulo Freire e Darcy Ribeiro. Lamentalvelmente, a sociedade brasileira não tem demonstrado, para com a memória desses mestres, zelo à altura de sua importância para a educação nacional.  

Há um, especialmente, que foi, sem dúvida, o mais injustiçado de nossos educadores, seja pela incompreensão de seus propósitos, seja pelas maliciosas acusações feitas por aqueles que se sentiam prejudicados em seus interesses ou pontos de vista. Refiro-me a Anísio Teixeira, cujo centenário de nascimento ocorre neste 12 de julho, oportunidade que se me oferece de trazer ao Senado um pouco da história de um brasileiro exemplar.  

Nascido na cidade sertaneja de Caetité, na Chapada Diamantina, era filho de Diocleciano Pires Teixeira e de Ana de Souza Spínola, ambos de famílias de grande influência econômica e política na região.  

Terminado o curso primário, matriculou-se no "ginásio de preparatórios" São Luiz, destacando-se logo pelo rigor de seus trabalhos e granjeando a administração dos jesuítas. Em 1915, transferiu-se para o Internato Antônio Vieira, em Salvador – também dirigido pela Companhia de Jesus –, já ali entrando com a auréola de aluno excepcional.  

Entre as perspectivas que se lhe abriam, a que mais o atraía era de ingressar na vida religiosa. Entretanto, iniciou na Bahia seu curso de Direito, vindo depois a se formar no Rio, em 1922.  

Depois de formado, passou Anísio quase todo ano de 1923 em Caitité, dedicando-se sobretudo à advocacia e a assistência política a seu pai, que nele depositava a esperança de um destino político, não desejando para ele a carreira sacerdotal.  

Eleito Goes Calmon para governador, em caráter de oposição à situação anterior, buscou logo novos talentos para compor sua administração. Teve um encontro com Anísio e, com aguda intuição de descobridor de valores, convidou-o para o cargo de inspetor-geral de ensino, para o qual foi nomeado a 17 de abril de 1924. A nomeação causou espanto ao próprio Anísio e à sua família, pois para tais cargos eram geralmente nomeados administradores que houvessem militado no setor, enquanto que Anísio era até então um simplesmente um advogado do interior.  

Do exame das condições materiais e humanas em que se encontravam as escolas da Bahia, não seria difícil concluir que tudo necessitava de renovação. Mas como encontrar recursos para isso e como combater a burocracia que dominava os serviços e a própria mentalidade reinante na administração escolar?  

Anísio logo sentiu a necessidade de nova legislação para dar suporte às modificações necessárias. Para isso, apresentou um relatório que, depois de debatido e ordenado na esfera administrativa, transformou-se em projeto de lei encaminhado à Assembléia Legislativa em julho de 1924.  

Entre numerosos outros pontos abordados, o projeto estabelecia ser o Estado obrigado a despender, anualmente, com a instrução pública, no mínimo, a sexta parte de sua renda tributária bruta e determinava a criação de quinhentas novas escolas primárias, que o Governo localizaria onde conviesse. Igual percentagem das receitas municipais deveria concorrer para o mesmo fim. Aos municípios dava-se ampla liberdade para criar, manter ou transformar escolas primárias dentro dos limites da lei.  

Era criado um conselho superior de ensino, com atribuições consultivas, bem como conselhos municipais que deveriam estimular o ensino primário, fiscalizá-lo e propor medidas convenientes à sua melhor adaptação às condições locais. Isso demonstra que, desde então, Anísio se mostrava partidário de uma ampla autonomia local, princípio modernamente adotado.  

Não obstante as críticas e oposições de interesses contrariados – foi qualificado na imprensa de "verdoso educador", "bebê" e "irrequieto pedagogo" – e, limitando-nos apenas ao ensino primário, os esforços de Anísio levaram, de 1923 a 1927, a um aumento de 25% da população escolar, elevando-se a freqüência em termos equivalentes. Durante o mesmo período, a proporção de gastos com o ensino em relação à receita geral apresentou uma elevação de 4,55% para 8,47%, isto é, um aumento relativo de 85%. Não poderiam ser traduzidos em números os aperfeiçoamentos ocorridos nos currículos e nos processos de ensino.  

Em março de 1928, Vital Soares, sucessor de Goes Calmon no Governo da Bahia, amigo e admirador de Anísio, convida-o a continuar na já então Secretaria de Educação. Anísio apresentou novas sugestões e críticas ao processo educativo, apontando possíveis melhoramentos, inclusive na formação do professorado. Tais sugestões, entretanto, não lograram receptividade, preferindo Anísio, em novembro de 1929, exonerar-se do cargo a ter que marcar passo. Foi então nomeado professor de Filosofia da Educação na Escola Normal de Salvador.  

Anteriormente, em 1927, havia sido comissionado para estudos de organização escolar, tendo passado 10 meses no Teacher’s College da Columbia University, onde se graduou como Master of Arts . Chegou católico aos Estados Unidos e de lá voltou liberado de qualquer crença religiosa revelada. De certo modo tolhido anteriormente pela perspectiva muito fechada das pregações jesuíticas, debatia-se em face de uma filosofia científica da vida. Declarou então: "Senti haver superado essas mortais contradições", acrescentando que trouxera de seus cursos universitários na Europa e na América não somente uma paz espiritual, mas um programa de luta pela educação no Brasil. Foram a filosofia educacional de John Dewey e os ensinamentos em Kilpatrick, Cerents e outros que mais o influenciaram em suas idéias posteriores sobre educação.  

Pouco depois da Revolução de 30, foi Anísio nomeado para o cargo de Diretor do Departamento de Educação do Distrito Federal, cabendo-lhe a árdua tarefa de concretizar a renovação iniciada por Fernando de Azevedo. Em 1932, este último, reunindo o pensamento de quantos ansiavam por uma significativa reconstrução da educação no Brasil, prefaciou e redigiu o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, subscrito por 26 expoentes do movimento renovador, entre cujas assinaturas figurava a de Anísio Teixeira.  

Anísio aceitou dirigir a educação carioca desde que lhe assegurassem autonomia de ação. As modificações legislativas indispensáveis vieram com os decretos de 1932 e 1933. O Instituto de Educação foi confiado a Lourenço Filho. Foram criados diversos outros serviços especializados, cujas direções foram exercidas por especialistas. O sistema educacional implantado teve como coroação a Universidade do Distrito Federal, compreendendo escolas de Educação, de Ciências, Filosofia e Letras, Economia e Direito e um instituto de artes, tendo sido Afrânio Peixoto o primeiro reitor da universidade.  

Durante esse período, Anísio foi alvo das mais caluniosas acusações, partidas muitas vezes de elementos católicos e de parte do clero, que julgavam ver idéias esquerdistas em alguns de seus pronunciamentos. Do golpe comunista frustrado em 1935, começavam a nascer os prenúncios do Estado Novo e foi logo exigido, por seus inimigos, o afastamento de Anísio Teixeira. Vendo que sua permanência dificultaria a posição do Prefeito Pedro Ernesto, Anísio pediu exoneração em 1º de dezembro de 1935.  

Ocorreu, então, um hiato nas atividades de Anísio como administrador educacional, durante o qual exerceu várias tarefas, inclusive no setor de mineração, e colaborou por mais de um ano na Unesco, exercendo as funções de conselheiro para o ensino superior.  

Com a redemocratização do Brasil, Octavio Mangabeira foi empossado em janeiro de 1947 no Governo da Bahia e convidou Anísio para Secretário de Educação. O ensino se encontrava em situação deplorável, com a média de 33 alunos por mil habitantes, superior apenas à do Maranhão. A deficiência qualitativa acompanhava essa deficiência quantitativa.  

Como sempre, Anísio lançou-se com todo vigor à obra de reconstrução. Envidou enormes esforços para a realização de um diagnóstico da situação e para a elaboração de diretrizes e prioridades, conjugando, para tal, a contribuição de vários especialistas em ciências sociais.  

Entre numerosas iniciativas desse período, cabe citar a construção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, definidora, por excelência, dos postulados de sua política educacional. O centro foi parcialmente erguido em outubro de 1950, com três escolas em pavilhões distintos. Posteriormente, em 1961, estava quase concluído, com três escolas e a escola-parque, pavilhões de trabalho, setor socializante, pavilhão de educação física e jogos, biblioteca, setor artístico, etc. Sua missão era a de reintegrar a escola primária em seu sentido amplo, aliando os estudos tradicionais à formação de hábitos, atitudes e aspirações que dessem à criança, ao mesmo tempo, o preparo para a civilização técnica e industrial. Dava-lhe, também, alimentação, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que se encontrava.  

Em 1951, a convite de Ernesto Simões Filho, que assumira a Pasta de Educação e Saúde, Anísio assumiu a direção da recém-criada Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Em 1952, passou a acumular a função de Secretário-Geral da Capes com a de Diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP.  

Durante 12 anos, como Diretor do INEP e Secretário da Capes, Anísio obteve que a esses órgãos se agregassem o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – CBPE e vários outros centros regionais de pesquisas, no propósito de diversificar a obra que se processava. Entre seus dirigentes havia homens do mais alto valor, como Gilberto Freyre, em Pernambuco; Fernando de Azevedo, em São Paulo; Mário Casassanta e Abgar Renault, em Minas Gerais.

 

Repentinamente, em 1958, desabou sobre esse quadro de trabalho sério e produtivo a denúncia de bispos do Rio Grande do Sul que, mal interpretando certos pronunciamentos de Anísio, apresentaram memorial ao Presidente da República acusando-o de "preparar o povo para reivindicações sociais".  

Diante do fato, iniciou-se, então, de um extremo a outro do País, um dos mais belos e eloqüentes movimentos de solidariedade a Anísio, pela manifestação de centenas de professores e cientistas, dezenas de instituições prestigiosas voltadas para a educação, conselhos e congregações de universidades, câmaras de vereadores e assembléias legislativas.  

Tais manifestações ecoaram na sensibilidade do Presidente Juscelino Kubitschek, que ouviu Anísio, consultou assessores de sua confiança e, pouco depois, o Ministro da Educação declarava que Anísio não seria demitido. E, em seguida, Anísio foi convocado a fim de planejar o sistema escolar de Brasília.  

Anísio concebeu um sistema em que, a cada quadra que constituía a estrutura urbana da capital, oferecia-se um jardim de infância, e a cada grupo de quatro quadras, uma escola-parque. Os centros de educação média tiveram um planejamento adequado às suas finalidades e, para atender ao ensino superior, criou-se, em setembro de 1961, a Universidade de Brasília – UnB, instituída como fundação.  

Contrariamente às demais universidades então existentes no Brasil, quase sempre meros agregados de faculdades ligadas administrativamente por um reitor, a UnB constituía um todo orgânico, em que uma plêiade de excelentes professores se dedicavam, em tempo integral, ao magistério e à pesquisa, bem como ao atendimento dos alunos que os procuravam para discutir trabalhos ou resolver problemas específicos.  

Mas essa organização ímpar não duraria muito nas condições em que foi planejada. Com a instalação do regime militar, passou a ser encarada como um centro de propaganda subversiva. Em 1965, cerca de 200 professores e cientistas do mais alto nível foram forçados a pedir sua exoneração, e a UnB perdeu o que de melhor possuía em sua organização e funcionamento.  

Anísio, deposto de suas funções de administrador educacional, entrou em contato com a Fundação Getúlio Vargas, onde foi acolhido com entusiasmo por Simões Lopes e sua equipe.  

A 19 de março de 1970, depois de dois dias e meio de desaparecido, Anísio foi encontrado sem vida no poço do elevador de um edifício da Avenida Rui Barbosa, onde fora fazer uma visita protocolar como candidato à Academia Brasileira de Letras. Findou-se dessa estranha maneira um dos mais singulares pensadores brasileiros e um dos maiores expoentes da educação em nossa terra.  

Anísio foi essencialmente um educador. Quero dizer, um pensador e gestor das formas institucionais de transmissão da cultura, com plena capacidade de avaliar a extraordinária importância da educação escolar para integrar o Brasil na civilização letrada. Para ele, a escola pública de ensino comum é a maior das criações humanas e também a máquina com que se conta para produzir democracia. É, ainda, o mais significativo instrumento de justiça social para corrigir as desigualdades provenientes da posição e da riqueza.  

O pensamento educacional de Anísio está consubstanciado em sua obra, mas esse registro, forçosamente fragmentário, não é o melhor exemplo de suas idéias fundamentais. Anísio, como poucos pensadores, foi um homem de idéias fecundas. Seu pensamento "brotou" em realizações que, ainda hoje, contribuem para a melhoria da educação brasileira, mesmo que não possamos, muitas vezes, identificar a sua "paternidade".  

Alguns exemplos dessa inestimável contribuição são a obrigatoriedade de aplicação de um percentual orçamentário em educação, o reconhecimento da autonomia local e da municipalização do ensino e a valorização do planejamento educacional com suas etapas de diagnóstico e elaboração de diretrizes e prioridades.  

Outra concepção educacional de inspiração no pensamento de Anísio é a escola de tempo integral, idéia tão explorada nos CIEPs, nos CIACs e nos CAICs de nosso tempo.  

Além da fecundidade das idéias, Anísio parecia exercer influência sobre as instituições em que trabalhou, legando-lhes um idealismo e entusiasmo e a capacidade, tão sua, de sobreviver às adversidades. É o caso do INEP, da CAPES e da UnB que, não obstante as dificuldades enfrentadas, continuam a prestar relevantes serviços à educação brasileira, fazendo-o com reconhecida competência e inegável dedicação.  

Como se vê, senhoras e senhores, nada mais permanente do que a dignidade, a nobreza e o patriotismo. Hoje, quando assistimos, estupefatos, a manifestações de descompromisso e leviandade no trato das questões públicas, é impossível não pensar que nos faltam homens com a estatura e a grandeza de Anísio Teixeira.  

Na história da nossa educação, o nome de Anísio Teixeira marca uma fase decisiva. O desejo de resolver problemas nacionais com um projeto educacional para a Nação brasileira.  

Anísio Teixeira foi um homem excepcional. Poucos no Brasil tiveram uma vida tão profícua.  

Muito obrigado. (Palmas)  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2000 - Página 13841