Discurso durante a 94ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DA LEGISLAÇÃO PENAL DE FORMA A CONTEMPLAR OS CRIMES PRATICADOS PELA INTERNET BEM COMO O TRAFICO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DA LEGISLAÇÃO PENAL DE FORMA A CONTEMPLAR OS CRIMES PRATICADOS PELA INTERNET BEM COMO O TRAFICO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2000 - Página 16328
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • DEFESA, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, INCLUSÃO, CRIME, AMBITO, INTERNET, ESPECIFICAÇÃO, AGRESSÃO, HONRA, PESSOAS, DIVULGAÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, INFANCIA.
  • DEFESA, INCORPORAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, CONCEITO, TRAFICO, INFORMAÇÃO, SETOR PUBLICO, SEMELHANÇA, PUNIÇÃO, PRIVILEGIO, AMBITO, BOLSA DE VALORES, IMPORTANCIA, COMBATE, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, CRIME DO COLARINHO BRANCO, BRASIL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL, DEFINIÇÃO, CRIME, PRIVILEGIO, INFORMAÇÃO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL – TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem tratei de um assunto que reputo da mais alta importância: a tramitação da nova lei das sociedades anônimas. Hoje, em seqüência, gostaria de apresentar também uma matéria correlata.  

A evolução da vida em sociedade ao longo dos séculos implica, evidentemente, um grau de complexidade cada vez maior em todos os campos da atividade humana. Tudo se sofistica e se torna mais complexo: das práticas médico-terapêuticas às formas de deslocamento espacial; das técnicas construtivas aos processos de ensino-aprendizagem; das relações trabalhistas aos métodos de produção agrícola e industrial.  

No âmbito da atividade delinqüencial, na esfera dos atos ofensivos à ética e ao ordenamento jurídico, não é diferente. Na mesma medida em que se sofistica a atividade econômica em seu conjunto, em que se sofisticam os diversos gêneros de relações negociais, sofisticam-se também os planos, os instrumentos e os métodos de ação dos meliantes. Não é sem fundamento a noção, tão presente no senso comum, de que as mentes criminosas estão sempre maquinando novos golpes e concatenando os planos para viabilizá-los.  

Por isso, o legislador penal nunca pode cochilar. Não se pode pretender que uma legislação criminal criada seis décadas atrás mantenha-se suficientemente abrangente para reprimir todas as modalidades delituosas propiciadas pela evolução social. É necessário, de tempos em tempos, modificar a lei penal, ajustando-a à evolução dos comportamentos delitivos. Hoje, os delitos patrimoniais, por exemplo, vão muito além do mero despojamento sofrido pela vítima de um bem que tinha em seu poder, com ou sem o uso de violência ou grave ameaça.  

Os tempos que correm, caracterizados pelo ritmo vertiginoso do progresso das transformações, agudizam a necessidade de dar contemporaneidade à legislação penal. A título exemplificativo, vale lembrar a Internet, a hoje onipresente rede mundial de computadores, cujo advento vem colocando novos desafios também no campo da repressão criminal, haja vista sua utilização para a prática de inúmeras condutas de caráter nitidamente anti-social, desde as agressões à honra de indivíduos e ao bem nome das instituições até a divulgação de pornografia infantil, passando pelo ensino da fabricação de explosivos.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, também a evolução no mundo dos negócios e a crescente inter-relação entre as economias mundiais vieram abrir novas oportunidades de ação para os delinqüentes. A popularização dos investimentos em bolsas de valores, por exemplo, propiciou o surgimento de toda uma nova gama de modalidades delituosas vinculadas ao que se convencionou chamar "informação privilegiada" ou " insider trading" . A expressão em língua inglesa, origem da anterior, pode ser traduzida como "por dentro do negócio".  

O insider trading , prática proibida pelo art.155 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 – Lei das Sociedades por Ações -, se constitui na utilização de informações privilegiadas sobre uma companhia de capital aberto, por parte de pessoas que, em virtude de seu exercício profissional, estejam "por dentro" de seus negócios e transacionem com valores mobiliários de emissão dessa companhia antes que tais informações estejam disponíveis para o público.  

Agindo assim, o insider compra ou vende no mercado, a preços que ainda não estão refletindo o impacto das informações sobre a companhia emissora, as quais são de seu conhecimento exclusivo. Desse modo, ele fica em nítida e desleal posição de vantagem em relação aos demais investidores.  

Com efeito, na bibliografia especializada, as expressões "informação privilegiada" e " insider trading" são exclusivamente empregadas para conceituar ilícito praticado na compra e venda de ações, no âmbito das relações companhia de capital aberto-bolsa de valores. Nos últimos tempos, contudo, o uso social da expressão "informação privilegiada" foi estendido entre nós, informalmente, àquelas informações originárias de entidades ou órgãos do serviço público, embora esse novo conceito não tenha sido incorporado, ainda, à legislação.  

É fácil entender por que o sentido da expressão "informação privilegiada" foi estendido ao âmbito do serviço público. Afinal, não é difícil imaginar o uso que pode ser dado ao conhecimento antecipado de que o Governo irá promover uma maxidesvalorização da moeda nacional, ou irá bloquear os ativos financeiros confiados às instituições bancárias. Aliás, episódios recentes da nossa história motivaram o afloramento de graves suspeitas de irregularidades que teriam sido praticadas com informações dessa ordem.  

De fato, no Brasil, tal como nas demais nações, a opinião pública é, volta e meia, sobressaltada com a divulgação de escândalos financeiros e de enriquecimento ilícito, originados em inconfidências e manipulações ilegais de informações por parte de grandes empresários, de funcionários, de servidores públicos e até de membros do governo. Evidentemente, o forte clamor popular contra a impunidade ganha vulto ainda maior nesses momentos.  

Não que nossa legislação seja totalmente destituída de dispositivos aptos a apenar tais condutas. Existem dispositivos genéricos que atribuem penalidades civis e administrativas à utilização ilícita de informações, por exemplo, na Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, Código Civil, e na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, Regime Jurídico Único do Servidor Público.  

Já as Leis nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que cria a Comissão de Valores Mobiliários; nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Lei das Sociedades por Ações; e nº 7.913, de 7 de dezembro de 1989, que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários, prevêem penas administrativas e procedimentos civis para o caso específico de manipulação ilegal de informação privilegiada e a prática de insider trading.  

E até nossa legislação penal possui dispositivos incriminadores dessa prática. O Código Penal, de forma genérica, comina pena para quem quer que, por ação ou omissão, utilize, de forma delituosa, informação de qualquer natureza que deva permanecer em segredo. Essas cominações estão contidas nos artigos 154, que tipifica a violação de segredo profissional, 171, que define o estelionato, 317, corrupção passiva, 325, violação de segredo profissional, e 333, corrupção ativa.  

O que se observa, porém, é que, não obstante a existência dessas previsões legais, raramente são aplicadas, no Brasil, punições civis ou administrativas quando da prática desse tipo de ilícito. Pior ainda é constatar que sequer a lei penal tem alcançado esses delinqüentes.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a partir dessa constatação, tomei a iniciativa de oferecer à consideração da Casa o Projeto de Lei do Senado nº 528, de 1999, que " altera o Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal -, definindo o crime de informação privilegiada ". 

O projeto de minha autoria propõe o acréscimo ao Código Penal de um artigo com a seguinte redação:  

"Informação privilegiada  

Art. 154-A. Divulgar ou utilizar, em benefício próprio ou de outrem, informação relevante de que se tem ciência em razão da função, cargo, ofício ou profissão, ou obtida junto a quem dela tem ciência, e que, por sua natureza, se saiba dever permanecer em segredo:  

Pena – reclusão, de 1(um) a 6 (seis) anos, e multa.  

Parágrafo único. Informação relevante é aquela cuja divulgação ou utilização delituosa, por quem dela tem ciência, possa trazer-lhe vantagens pecuniárias, ou a terceiros, ou causar prejuízos econômicos a outrem, ou ao patrimônio público."  

Temos consciência de que a mera edição de norma penal mais específica para incriminar esse delito não confere garantia do fim de sua impunidade. Guardamos, porém, a convicção de que é necessário aperfeiçoar a legislação, para, ao menos, criar melhores condições de repressão a essa modalidade delituosa. Nesse particular, reportamo-nos à conclusão da Nota Técnica nº 460, de 1999, elaborada pelo Consultor Legislativo Stelson S. Ponce de Azevedo:  

"Do exposto, concluímos que, em nosso País, a revelação de informações relevantes que deveriam ser mantidas em segredo ou a obtenção de vantagens ilícitas através delas, quer por servidores públicos, quer por administradores de empresas de capital aberto, ou por quem quer que tenha obtido essas informações por intermédio dessas pessoas, são alcançadas por penalidades administrativas, civis e penais definidas em nossas normas de direito.  

Cabe notar também que essas normas são bastante semelhantes e têm acompanhado a evolução da ciência jurídica de países desenvolvidos.  

No entanto, observamos que, nesses casos específicos, as penalidades administrativas e civis têm tido modesta e hesitante aplicação, sem a abrangência e profundidade definidas na lei, e, particularmente, as penalidades do Direito Penal têm sido pouco aplicadas. Constatamos, então, a baixa eficácia social da lei.  

Normalmente, esse tipo de ilícito, por sua natureza, é praticado, principalmente, por pessoas que ocupam altos postos na administração pública e privada e dispõem de poder político ou econômico, ou ambos, que, em virtude de nossa cultura, são capazes de obstruir, retardar ou neutralizar a ação da Justiça.  

Achamos que, considerando a nossa cultura e comportamento social, é pouco provável que a promulgação, por si só, de uma lei, reunindo normas penais abrangentes, dotando-as de uma nova ‘roupagem’ e tornando-as específicas para um determinado delito, aumente consideravelmente a eficácia da lei penal.  

No entanto, seria uma tentativa válida na medida em que consideremos a medida da transformação da sociedade, que poderá, futuramente, criar condições para seu emprego eficaz."  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é chegada a hora de começarmos a desmentir o conceito tão difundido de que rico não vai para a cadeia. Não são os "ladrões de galinha" do linguajar popular os responsáveis pelas lesões de grande monta à ordem jurídica. Temos que voltar nossa atenção para os criminosos de colarinho branco - para isso a Nação inteira hoje volta a atenção e está alerta. Em termos do volume dos prejuízos que causam e do número de vítimas que fazem, esses são os delinqüentes de maior periculosidade. São estes que, com suas fraudes e manipulações, são capazes de criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado, dilapidando as suadas poupanças de milhares de investidores de boa-fé.

 

Sr. Presidente, aqui abro um parêntese para fazer uma referência não muito comum nesta Casa: a minha própria pessoa. Assim que cheguei ao Senado, sem conhecer os meandros da economia, fui instado a aplicar na Bolsa de Valores. Havia vendido uma pequena fazenda no meu Estado do Tocantins. E apliquei todo o valor recebido. Isso se deu exatamente naquela semana da grande especulação do Naji Nahas. Recebi o meu dinheiro de volta um ano depois, sem correção, quando a inflação beirava a casa dos 84% ao mês. Até hoje eu não sei se aconteceu qualquer coisa com esse cidadão, que manipulava as bolsas e se chamava Naji Nahas. Conto esse caso apenas para ilustrar a necessidade de se criar dispositivos específicos para questões de informação privilegiada.  

São estes de colarinho branco, que, valendo-se de suas ligações, obtêm informações antecipadas das medidas de política econômica que serão adotadas pelo Governo e utilizando-as inescrupulosamente, lesam o Erário em quantias astronômicas, prejudicando toda a Nação.  

Vamos, portanto, estreitar a malha da legislação penal. Vamos tipificar com maior precisão os delitos praticados por esses "peixes" graúdos – porém escorregadios -, que são useiros e vezeiros em escapar pelas brechas existentes na lei.  

Esse é o meu intuito com o Projeto de Lei nº 528, de 1999, que tipifica criminalmente o uso de informação privilegiada. Para ele peço – e tenho certeza de que obterei - o apoio dos meus ilustres pares nesta Casa..  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2000 - Página 16328