Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM PELO TRANSCURSO DO TERCEIRO ANO DE FALECIMENTO DO SOCIOLOGO HERBERT DE SOUZA, O BETINHO.

Autor
Maguito Vilela (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Luiz Alberto Maguito Vilela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM PELO TRANSCURSO DO TERCEIRO ANO DE FALECIMENTO DO SOCIOLOGO HERBERT DE SOUZA, O BETINHO.
Aparteantes
Agnelo Alves, Eduardo Suplicy, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2000 - Página 16469
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, HERBERT DE SOUZA, SOCIOLOGO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, DEFESA, ETICA, ATIVIDADE POLITICA, COMBATE, FOME, MISERIA, PAIS.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), HOMENAGEM, HERBERT DE SOUZA, SOCIOLOGO.

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB – GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o dia de hoje marca o terceiro ano da morte do sociólogo Herbert de Souza, o querido e saudoso Betinho. Parece que foi ontem, tão fortes são as marcas e as lembranças de suas lutas pela ética na política e por uma ação mais aguerrida contra a fome e a miséria neste País. Mas já são longos três anos de saudades e de uma falta fundamental que a sua forte presença faz ao cenário brasileiro.  

Orgulho-me de ter tido a oportunidade de conhecer e conviver com Betinho durante os últimos anos de sua vida. Sou um forte seguidor de seu ideário de ética e cidadania. Foi inspirado em sua Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, de 1993, que implantei, na condição de Governador de Goiás, programas de complementação alimentar que beneficiavam 150 mil famílias em meu Estado, programas que tiveram o acompanhamento zeloso e dedicado do nosso querido Betinho.  

Betinho sempre foi, antes de tudo, um idealista nato, que sempre acreditou na possibilidade de construirmos uma humanidade melhor. Mas ele é mais do que isso. Além de acreditar, em vida foi um exemplo de luta concreta pelas transformações sociais pelas quais o País precisa realmente passar. Talvez esse seja o grande diferencial dessa personalidade fantástica. Betinho não apenas discutia os problemas, não somente defendia suas idéias, suas teses, mas também botava a mão na massa, articulava com a sociedade civil, com o mundo político, buscava as alianças necessárias e, realmente, fazia acontecer.  

Foi assim que ele agiu em manifestações como o Terra e Democracia, em 1990, ou no Movimento pela Ética na Política, em 1992, e na emblemática Ação da Cidadania Contra a Fome entre 1993 e 1995, modelos muito bem acabados de movimentos pacíficos e democráticos que têm o poder de mudar a nossa realidade.  

É importante lembrar Betinho. É essencial resgatarmos a sua personalidade. O exemplo de ontem encaixa-se com perfeição nas ações que temos que buscar hoje. O sociólogo Cândido Grzybowski, diretor do Ibase, a ONG fundada por Betinho que funcionava como o seu QG, publicou hoje na Folha de S.Paulo um artigo impecável, onde imagina o que seria a postura e a ação de Betinho em meio aos acontecimentos atuais. Irei reproduzir apenas dois trechos, que dão bem a dimensão do pensamento de Betinho e que muito bem poderiam servir para apontar novos caminhos na condução da política e da economia brasileiras.  

É fácil imaginar a indignação que sentiria Betinho diante das revelações de quão profunda está a corrupção na política. Estaria ele a dizer que o País não pode marchar para a democracia enquanto o que deve ser de todos estiver sendo privatizado pelo conluio que mina o Poder Público. Talvez só os gestores da nossa economia, escondidos pela capa da arrogância, mereceriam indignação maior, pela incapacidade total de sequer considerar milhões de famintos, junto com milhões de condenados ao desemprego, como uma equação no seu modelo de desenvolvimento.  

Mas é a sensação de impasse que mais o incomodaria. Como homem de ação, Betinho não suportaria a paralisia diante dos problemas. Tentaria entender porque o crescimento da insatisfação popular, revelado pelas pesquisas, não se traduz em ação aqui e agora.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL – SP) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB – GO) – Com muito prazer, concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL – SP) – Senador Maguito Vilela, desculpe-me interromper o discurso cheio de emoção e de forte valor social de V. Exª, mas V. Exª cita Betinho em um momento difícil e confuso da Nação brasileira, em que afloram denúncias de corrupção que fazem com que se rememore a Comissão que V. Exª presidiu, juntamente com a Senadora Marina Silva, inspirada, provavelmente, no que o Betinho propôs: a luta contra a fome. V. Exª a conduziu com inteligência, com a alma e com o coração. Pudemos ver, nos lugares em que tive oportunidade de acompanhar as diligências da Comissão Especial, fatos tristes da miséria que reina em todos os cantos do País. Não há Estado rico onde a miséria se instala. Sentimos isso bem de perto quando V. Exª faz referência à corrupção. Imagine V. Exª se ela não existisse! Se pudéssemos coibir definitivamente esse câncer que assola as autoridades que se comprometem dentro do Poder Público, seria bem menor a miséria que aí está. O discurso de V. Exª é um canto, é uma advertência contra aqueles que se corrompem, porque, provavelmente, eles são mais criminosos do que aqueles que assaltam e matam. Não se tem conhecimento de quantas crianças, quantas pessoas deixam de ser assistidas e morrem devido à falta de verba, que é desviada em razão da "necessidade" desses canalhas de se enriquecerem ilicitamente. Cumprimento V. Exª pelo discurso.  

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) – Agradeço a V. Exª e incorporo as suas palavras ao meu pronunciamento.  

Realmente, todos nós políticos temos de estar muito atentos a essas desigualdades sociais a que V. Exª se referiu. Não é possível viver em um País tão rico, com tantas potencialidades, mas com 25 milhões de indigentes. São 50 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza. São muitos os nossos irmãos que passam fome no Entorno de Brasília, a 20 quilômetros do Congresso Nacional e dos Palácios da Alvorada e do Planalto. São muitos os nossos irmãos que passam forme no nordeste goiano, no Nordeste brasileiro. Aliás, em todos os Estados, existem brasileiros passando fome hoje. A fome humilha, envergonha, maltrata, acaba com a vida das pessoas. A forme é o que mais humilha os seres humanos. Possivelmente, a morte pela fome deve ser a mais humilhante de todas as mortes.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) – Concedo, com muito prazer, o aparte a V. Exª.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) – Senador Maguito Vilela, hoje V. Exª lembra muito bem o Dia Nacional de Mobilização pela Vida e faz uma homenagem a Herbert de Souza, o Betinho. Gostaria de me associar à sua palavra forte e determinada. Hoje foi encaminhado ao Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer - e acredito será encaminhado também ao Presidente do Senado, Senador Antonio Carlos Magalhães -, um manifesto subscrito pelo próprio Ibase, de Betinho, pela Conic, pela CNBB, pela Ethos e por dezenas de entidades. Esse documento já conta com quatro mil assinaturas. Solicito a V. Exª que autorize a inclusão deste texto na íntegra em seu pronunciamento, se considerar adequado. Passo a lê-lo: "Carta Aberta. Dirigida aos Presidentes do Senado e da Câmara e a todos os Parlamentares do Congresso Nacional. Srs. Parlamentares, nós, abaixo-identificados, cidadãos da República Federativa do Brasil, em cuja Carta Magna de 1988 ficaram estabelecidos, como PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, a CIDADANIA e DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (Incisos II e III do Art. 1º), vimos solicitar que o dia 09 (nove) de agosto, dia em que faleceu o sociólogo Herbert de Souza, o BETINHO, seja instituído, por Lei, como o DIA NACIONAL DE MOBILIZAÇÃO PELA VIDA. Um dia de lembrarmos os compromissos do art. 3º de nossa Constituição: CONSTRUIR UMA SOCIEDADE LIVRE, JUSTA E SOLIDÁRIA (Inciso I), ERRADICAR A POBREZA E A MARGINALIZAÇÃO E REDUZIR AS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS (Inciso III). Que a lei a ser promulgada estabeleça que os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no DIA NACIONAL DE MOBILIZAÇÃO PELA VIDA, dediquem suas agendas a aprovar iniciativas voltadas para o combate à fome, à miséria, para a valorização da vida e da cidadania. Que a lei determine, também, que neste dia os Governos municipais, estaduais e federal, os Presidentes do Congresso Nacional e dos Legislativos estaduais e municipais publiquem uma avaliação criteriosa das iniciativas voltadas para o combate à fome e à miséria, no ano anterior, e estabeleçam metas claras para o próximo ano, que possam ser monitoradas pelos meios de comunicação de massa, em termos de indicadores da promoção dos direitos humanos de todos os habitantes do nosso território. Que o Congresso Nacional regule imediatamente a implementação do Fundo Nacional de Erradicação da Pobreza, em amplo debate com a sociedade organizada, estabelecendo metas, indicadores e mecanismos claros de monitoramento público, com base na promoção dos direitos econômicos, sociais e culturais e combate a todas as formas de discriminação, cuja avaliação será divulgada anualmente neste dia. Este seria um sinal da vontade política do Congresso em adotar o combate à fome e à miséria como prioridade número um de sua atividade política. Criar o Dia Nacional de Mobilização pela Vida é uma forma de manifestarmos nossa indignação e solidariedade com a situação de milhões de brasileiros excluídos de direitos básicos da cidadania e da dignidade da pessoa humana. É uma forma, também, de homenagear a tantos que, com um jeito "betinho" de ser, não aceitam a fome e a miséria como um fato normal do nosso dia a dia, de acreditar que é possível e urgente viver num Brasil sem fome, indiferença e miséria, de transformar a luta contra a fome e a miséria na prioridade número um do Brasil". Se V. Exª considerar adequado, sugiro que requeira a transcrição na íntegra do documento supracitado, por se tratar de assunto correlato ao teor do pronunciamento que muito bem faz V. Exª.  

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) – Acolho, com muita honra, o pleito de V. Exª. Tanto o aparte de V. Exª como o documento citado serão incorporados ao meu pronunciamento.  

Na realidade, temos que chamar a atenção do País e do povo para essas grandes injustiças. Temos de eliminar, de uma vez por todas, do mapa do nosso País a fome e a miséria absoluta.  

O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) – Com muito prazer, concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) – Quero felicitá-lo pela iniciativa dessa homenagem. Não tive o privilégio de conhecer pessoalmente o nosso querido e inesquecível Betinho, mas tive o prazer e a alegria de conviver profissional e fraternalmente com seu irmão, o também inesquecível Henfil. E posso afirmar a esta Casa e ao Brasil que se trata de uma família privilegiada, pelo talento e pelo espírito público, pela capacidade de solidariedade e pela capacidade de se comunicar. Qualquer que seja o ângulo pelo qual se queira homenagear Betinho, será uma homenagem cabível; qualquer homenagem que se queira prestar a Henfil será perfeita em todos os sentidos. Portanto, renovo as felicitações à iniciativa de V. Exª.

 

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) – Agradeço muito a V. Exª pelo aparte.  

Nos meus últimos anos à frente do Governo do Estado de Goiás, tive uma convivência muito próxima com Betinho. Quando ele não podia viajar, eu saía de Goiânia e ia ao Rio de Janeiro para trocar idéias com ele sobre os programas sociais, inclusive os implantados no nosso Estado. E foi realmente inspirado no ideário de Betinho que criamos em Goiás programas sociais que isentavam os mais pobres, os mais humildes, do pagamento de água e de energia elétrica. Eram mais de 150 mil famílias em Goiás que não pagavam água e energia elétrica, porque não tinham casa, porque não tinham comida, porque não tinham recursos para colocar os filhos na escola, porque não tinham remédios para dar aos seus filhos. Então, o Governo de Goiás, por quatro anos, na minha gestão, não cobrou dos mais pobres um centavo de água e de energia elétrica. Além disso, distribuíamos, todos os dias, infalivelmente, 92 mil litros de leite pasteurizado e 92 mil pães vitaminados a 92 mil criancinhas pobres do Estado. E o Betinho acompanhou de perto esses programas. Distribuíamos ainda 147 mil cestas de 28 quilos às famílias mais pobres.  

Entendo que cada brasileiro e cada político têm que se esforçar ao máximo e lutar realmente contra a fome e contra a miséria absoluta que reinam em praticamente todos os Estados brasileiros.  

Ao finalizar, fica aqui a minha saudação sincera e calorosa a Betinho. Deixo registrado o meu apoio incondicional ao projeto que quer fazer do dia 9 de agosto o Dia Nacional de Mobilização pela Vida. Será uma forma de aglutinar as forças progressistas e interessadas deste País para que estejam sempre mobilizadas, agindo no sentido de construirmos um Brasil que garanta realmente cidadania para todos.  

Muito obrigado, Srª Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2000 - Página 16469