Discurso durante a 100ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre os critérios adotados pelo Ministério da Educação para o fechamento de escolas de medicina no País.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Reflexões sobre os critérios adotados pelo Ministério da Educação para o fechamento de escolas de medicina no País.
Publicação
Publicação no DSF de 17/08/2000 - Página 17085
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), FECHAMENTO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, MEDICINA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), MOTIVO, DESCUMPRIMENTO, NORMAS, ORIENTAÇÃO, QUALIDADE, ENSINO.
  • ANALISE, CRITICA, GESTÃO, SAUDE, GOVERNO, OMISSÃO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, MEDICO.
  • MANIFESTAÇÃO, PRETENSÃO, ORADOR, PROPOSIÇÃO, SUBCOMISSÃO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, SENADO, AVALIAÇÃO, QUALIDADE, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, MEDICO, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, MINISTERIO DA SAUDE (MS), EFICACIA, CONTRIBUIÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), REVISÃO, CONCEITO, CONTEUDO, CURRICULO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, MEDICINA, GARANTIA, QUALIDADE, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, MEDICO, RESPEITO, ETICA, COMPROMISSO, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.
  • LEITURA, CONCLUSÃO, LIVRO, AUTORIA, ANTONIO MARCIO LISBOA, PROFESSOR, MEDICO, APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, MELHORIA, ENSINO, MEDICINA, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, trago ao Senado Federal uma reflexão sobre um assunto recentemente tratado pela mídia nacional e que diz respeito ao fechamento das escolas de Medicina.

Tivemos a informação de que o Ministério da Educação adotou como prática um julgamento condenatório em relação a três escolas de Medicina no Brasil, uma no Rio Grande do Sul, uma no Estado de São Paulo e outra no Rio de Janeiro, se não me falha a memória, apontando como razões para esse possível fechamento o descumprimento de normas e orientação de qualidade de ensino.

Trata-se de uma atitude louvável, que merece o respeito de todos, pois o Ministério da Educação age em favor de um direcionamento novo, de um novo sentido para a qualidade e a formação médica no Brasil, mas acredito que esse assunto tem uma dimensão muito mais ampla, porque diz respeito ao que tem acontecido e o que está por acontecer em relação ao ensino médico no Brasil.

Tive oportunidade de debater, na TV Senado, com o eminente Prof. Antônio Márcio Lisbôa, que tem 50 anos de prática médica neste País, decano da Universidade de Brasília, um dos currículos mais admiráveis em relação ao ensino médico, membro titular da Abem - Associação Brasileira de Educação Médica - e autor de livros, dentre os quais o memorável O Currículo Arco-Íris, onde ele faz uma defesa da medicina verdadeira, que está tão distante das escolas médicas brasileiras e que compromete de maneira decisiva o Sistema Único de Saúde. O Prof. Antônio Márcio Lisbôa diz que precisamos mais de médicos e menos de ultra-especialistas - um vai cuidar de rugas, outro vai cuidar de uma mão, outro vai cuidar de um osso. Com isso, não temos o profissional médico capaz de cuidar das doenças no seu sentido pleno. Precisamos do médico que vê o cidadão de maneira holística, como um conjunto de fatores que formam o ser humano e não a particularidade da Medicina.

É evidente que isso não é um ato isolado das escolas médicas no Brasil. Isso reflete uma herança de um modelo americano, pautado no Relatório Flexner, de 1923, em que se pensou a Medicina a partir do avanço pleno e único da tecnologia e a ultra-especialidade como o grande corredor para o futuro da Medicina no Brasil. O resultado é que temos hoje um País doente em seus indicadores de saúde, uma sociedade aflita, insegura ao procurar um hospital, porque não vê os problemas mais básicos, mais elementares de saúde serem resolvidos de uma maneira ordenada, hierarquizada, universalizada, com como muito bem preceitua o Sistema Único de Saúde.

Este assunto traduz uma situação grave, que deveria refletir uma atitude talvez mais rígida ainda, mais dura do Ministério da Educação no sentido de avaliar de maneira mais profunda a qualidade da formação médica no Brasil e, seguramente, definir se estamos corretos em permitir o funcionamento das atuais escolas de Medicina deste País, particularmente as escolas privadas. Muitas delas não atendem aos critérios mínimos de qualidade, aos critérios mínimos de formação que merece a população brasileira, do que merece a formação científica médica brasileira e do que deveria ser assegurado em relação ao futuro do jovem que ali ingressa com tanto sonho e com tanta vontade de servir à ciência e à população.

Se formos fazer uma avaliação judiciosa da qualidade do ensino médico - no que diz respeito a uma formação médica preocupada com a qualidade de profissionais neste País -, não tenho dúvida de que fecharíamos talvez metade das escolas médicas do Brasil, porque não há garantia de qualidade necessária ao futuro dos profissionais que ali seriam formados.

Se analisarmos o perfil do profissional dono da escola de Medicina, vamos ver que temos um transbordamento de donos de escolas médicas com a função estrita de empresários, ou seja, cujo interesse único é ganhar dinheiro por meio da educação, por meio da formação médica, que, de fato, é uma atividade rentável neste País, mas distanciado de um compromisso ético, humanista e científico na formação médica no Brasil.

            O Ministério da Saúde, por sua vez, distanciou-se: teve como centro de suas preocupações uma ampla reforma sanitária a partir de 1975, criando o Sistema Nacional de Saúde. E, pela Lei 8.080, de 1990, criou o mais belo modelo de saúde pública deste Planeta, que é o Sistema Único de Saúde. Fixou, no seu sistema jurídico e constitucional, que a saúde é um bem básico, incluído no art. 6º da Constituição Federal; determinou, junto com a decisão majoritária e soberana do Congresso Nacional, no inciso II do artigo 23 da Constituição Federal, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm como responsabilidade a gestão do modelo de saúde; definiu, no art. 198, incisos I e II, da Constituição Federal, que o sistema de saúde deve estar hierarquizado, universalizado, deve ter uma direção única e deve estar pautado como prioridade em relação à medicina preventiva.

            Mas, como tenho dito, esquecemo-nos da semente. A formação médica ficou à margem. Hoje, não se sabe para que se forma um médico. A impressão que se tem, infelizmente, é que o médico brasileiro, em sua maioria, está sendo formado voltado apenas para o mercado. Aspirando se inserir bem no mercado, ter uma boa posição social e ter facilidade de ganhar recursos utilizando-se da tecnologia que tem à disposição. A indústria farmacêutica sai de uma receita de US$3 bilhões, em 1990, e chega a US$12 bilhões, no final da década de 90, sendo que temos uma economia basicamente equilibrada, em termos de aumento de moeda, e não teríamos uma alteração desse nível com relação ao dólar.

Isso nos leva a pensar que o médico deve estar sendo um grande instrumento a colaborar com o aumento da arrecadação e da receita da indústria farmacêutica, considerando ainda que os indicadores de saúde mudaram muito pouco em relação os ganhos que as empresas geradoras de equipamentos e insumos, de diagnóstico e de terapêutica de tecnologia avançada obtiveram com tanta facilidade.

Foi criado um impasse. O modelo de gestão de saúde esqueceu da formação médica. Hoje, temos médicos preparados para o mercado, mas uma sociedade doente, esperando um médico que saiba cuidar do ser humano, dos problemas comuns e rotineiros.

Temos atitudes técnicas e de gestão inovadoras dentro do Ministério da Saúde? Temos. O Programa Saúde da Família, que vem desde uma experiência da década de 90, em Icapuí, em Niterói, numa parceria com o Governo cubano, trouxe uma novidade: o médico voltou a ser aquele profissional capaz de cuidar do cidadão, de uma família, de um idoso, de uma criança, de uma mulher, e não mais aquele capaz de olhar uma ruga, um cabelo ou apenas cuidar de um transplante, sem saber cuidar da saúde do cidadão brasileiro.

Há essa situação inovadora, mas, infelizmente, ela é muito tímida e profundamente incapaz de mexer na estrutura de saúde do País.

Penso que há uma exigência subliminarmente posta dentro da sociedade brasileira de que o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde, o Conselho Federal de Medicina, que já tem externado essa preocupação, e a Associação Médica Brasileira têm que se reunir. Pretendo dar a minha contribuição dentro do Senado Federal, propondo uma subcomissão à Comissão de Educação do Senado Federal, para que possamos fazer uma avaliação judiciosa, precisa, da qualidade da formação médica neste País e possamos traçar um plano de intervenção com autoridade, rigidez e ampla responsabilidade, porque não podemos permitir a presença de tantos profissionais alheios à realidade de saúde do Brasil.

Hoje, um estudante de Medicina não sabe o que é a vida em uma favela, o que são os indicadores de saúde nas áreas de invasão. O médico que está sendo formado na Amazônia não sabe o que são as doenças da Amazônia porque ainda constam do seu conteúdo curricular as doenças que ocorrem em Nova Iorque, que ocorrem na França e, em menor importância, aquelas de um conteúdo curricular amazônico.

É mais do que necessário uma revisão profunda de conceitos, de conteúdo programático, de conteúdo curricular, de grade curricular, comprometendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios como responsáveis por aqueles profissionais que estão saindo das escolas médicas brasileiras, senão o resultado vai ser um mercado com grande movimentação de dinheiro e a sociedade com seus indicadores de doenças alarmantes e que agridem a consciência dos profissionais.

Entendo que o Ministério da Saúde precisa dar um choque na formação médica, precisa contribuir de maneira decisiva para que o Ministério da Educação encontre um caminho para mudar essa situação. Tínhamos menos de 18 escolas médicas, alguns anos atrás, e, hoje, temos mais de 100 escolas médicas, sendo que o grande interesse da abertura é o mercado, é o ganho de dinheiro, e não a solução dos problemas de saúde no Brasil.

Na Região Norte, hoje, há quatro escolas médicas, sendo duas no Pará; uma, no Amazonas; e outra, em Roraima, para uma população de 25 milhões de habitantes. Lá, temos necessidade de novas escolas com conceitos, com conteúdo e com metas bem definidas e distintas. E, aqui, deveríamos ter a decisão de fechar aquelas que não atendem ao compromisso de cuidar da saúde do povo brasileiro.

É a contribuição que eu gostaria de trazer, Sr. Presidente, lembrando algumas conclusões apresentadas pelo nobre Pensador Professor Antônio Márcio Lisbôa - com quem tive o prazer de debater -, em seu livro intitulado O Currículo Arco-Íris, onde ele apresenta reflexões sobre o ensino médico. O livro propõe o seguinte, como conclusão:

“O ensino médico melhoraria se as escolas médicas:

1.     Definissem uma política educacional e o tipo de médico que pretendem formar: generalista, especialista, cientista, preparado para ingressar em programa de residência médica, para se tornar médico.

2.     Adotassem o modelo pedagógico holístico, que enfatiza o caráter unitário do ser humano.

3.     Selecionassem e utilizassem adequadamente os métodos e as técnicas de ensino, diminuindo a carga horária dedicadas às aulas expositivas, dando prioridade, no ciclo clínico, às atividades de aprendizagem, sob a forma de treinamento em serviço.

4.     Definissem as competências em função das áreas de treinamento e da importância e freqüência das situações encontradas, identificadas por inquéritos epidemiológicos.

5.     Centrassem o processo ensino-aprendizagem no aluno, tornando-o o principal responsável pelo aprendizado, deixando ao professor as funções de orientação, supervisão e, principalmente, avaliação.

6.     Criassem oportunidades para que os alunos pudessem treinar em diferentes níveis de saúde (promoção, prevenção, recuperação, reabilitação) e de atenção (níveis primário, secundário, e terciário), utilizando a integração das funções educacionais (docência, pesquisa e serviço) e os programas de integração docente-assistencial, em parceria com unidades de serviços de saúde.

7.     Estruturassem os cursos sob a forma de módulos ou programas, ao invés de disciplinas, para evitar a fragmentação do ensino e promover a integração multidisciplinar e multiprofissional.

8.     Integrassem as áreas básicas com as clínicas, estimulando e promovendo a criação de blocos de ensino ou disciplinas integradas que contassem com a participação de professores das duas áreas, para que os alunos tivessem oportunidade de verificar a importância dos conceitos básicos na prática clínica.

9.     Valorizassem o professor, respeitando-o, remunerando-o condignamente e avaliando-o, sobretudo, pela qualidade de competência profissional, pelo comportamento humano, ético e moral e pelo seu compromisso social.

10.      Proporcionassem oportunidades para que os professores adquirissem noções de administração hospitalar e de relação custo-benefício, sem prejuízo dos pacientes.

11.      Promovessem o trabalho em equipe.

12.      Avaliassem seus alunos periodicamente (avaliações formativas, somativas), seus professores, os objetivos institucionais e educacionais, a metodologia utilizada, as atividades, as técnicas de avaliação e, principalmente, a qualidade do médico que está formando.

            Essa é a síntese de uma profunda contribuição do Professor Antônio Márcio Lisbôa ao ensino médico do Brasil. Acredito que esse muro invisível que separa hoje escolas médicas e as necessidades de saúde, o modelo de saúde apresentado pelos gestores públicos, por meio do Sistema Único de Saúde nos Estados, Distrito Federal e nos Municípios, não tem mais razão de existir. E espero, sinceramente, que o MEC aja com muito mais firmeza em relação a essa fragilidade do conteúdo e do compromisso das escolas médicas do Brasil.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO:

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/08/2000 - Página 17085