Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Congratulações ao Tribunal Penal Internacional pela promoção da defesa dos direitos humanos e do combate a sua violação em qualquer parte do planeta.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. JUDICIARIO.:
  • Congratulações ao Tribunal Penal Internacional pela promoção da defesa dos direitos humanos e do combate a sua violação em qualquer parte do planeta.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2000 - Página 20731
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. JUDICIARIO.
Indexação
  • RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, FUNCIONAMENTO, TRIBUNAIS, LEGISLAÇÃO PENAL, AMBITO INTERNACIONAL, IMPEDIMENTO, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, ESPECIFICAÇÃO, JULGAMENTO, CONDENAÇÃO, MILITAR, PAIS ESTRANGEIRO, BOSNIA-HERZEGOVINA, ACUSADO, ESTUPRO, MULHER, PERIODO, GUERRA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o noticiário internacional vem denunciando que, um ano depois de iniciados os bombardeios da OTAN em Kosovo, que duraram quase 80 dias, “a vida de milhares de fugitivos está longe de voltar ao normal”. Pelo menos 70 mil kosovares albaneses estão afastados de suas casas, sendo inúmeras as mulheres que sofrem os traumas da guerra e da violência sexual praticada pelos sérvios.

           Organizações mundiais dedicadas à defesa dos direitos humanos confirmaram que as mulheres de Kosovo estão dando à luz bebês gerados pelo abuso sexual de sérvios. Pelo menos cem crianças nascidas em Pristina, e em suas redondezas, foram abandonadas pelas mães, por terem sido geradas em estupros.

           Esclarece a doutrina que o estupro, sob a ótica do antigo direito romano, correspondia a qualquer relação sexual apontada como indevida, envolvendo homens e mulheres, aí incluídos o homossexualismo e o adultério. Por sua vez, aplicava-se a pena de morte ao homem que violasse mulher prometida em casamento, segundo a legislação hebraica.

           Na Grécia, vigorava também a pena de morte para a prática de estupro, enquanto no Egito aplicava-se a mutilação. As antigas leis espanholas, por igual, puniam com a pena capital o réu condenado por estupro. E, pelas velhas leis inglesas, esse crime era punido com a morte, pena mais tarde substituída pelas de castração ou de vazamento dos olhos.

           No Brasil, as Ordenações Filipinas igualmente puniam o estupro com a morte, condenação que era mantida mesmo que antecedida de matrimônio. O Código Penal de 1830 punia o estupro com prisão de 3 a 12 anos, acrescida da obrigação de dotar a vítima.

           O Código da República, de 1890, mais brando, estabelecia a pena de prisão celular de 1 a 6 anos, mais o dote, para o estuprador. Com esse Código, foi consagrada a denominação de estupro, para esse tipo de crime, identificando exclusivamente a relação sexual obtida mediante violência ou grave ameaça, conforme disposto em seu artigo 268.

           Em nosso País, o conceito de estupro adquiriu conotação própria, servindo apenas para designar a relação sexual forçada com mulher, conforme o artigo 213, do Código Penal, que o distancia do significado no direito romano, que lhe deu origem. Após a Constituição de 1988, alterou-se a ótica jurídica das relações de gênero, uma vez estabelecidas, em definitivo, a igualdade entre homens e mulheres, assim como a igualdade de todos perante a lei.

           Assim, os crimes sexuais deixaram de significar agressões individuais para serem vistos como violência de gênero, que representam uma forma de relação social entre homens e mulheres, ou seja, um relacionamento entre sexos, envolto pelas variantes de poder e violência que lhe são peculiares.

           Entende-se, consequentemente, que esse tipo de violência é ilimitado: permeia todas as classes sociais, tipos de cultura, desenvolvimento econômico, espaço público ou privado. Tanto pessoas estranhas quanto parentes e amigos podem ser agressores sexuais, sendo que, não raro, a violência ocorre dentro da família, na própria casa.

           É possível concluir, daí, que, em face da compreensão do estupro, assim como das demais agressões contra a mulher, como violência de gênero, se evidencia a fundamental importância das alterações trazidas pela Constituição de 1988.

           Promovendo a igualdade social e sexual, e estabelecendo o fim das discriminações, a Lei Maior criou um tipo de “respeito” antes inexistente. Essa importante transformação traz reflexos também no julgamento dos casos concretos submetidos ao Judiciário, contribuindo para decisões mais justas.

           Como dizíamos, as mulheres de Kosovo, vítimas da crueldade da guerra e marcadas pela violência sexual, quando não compelidas ao suicídio, perderam a moradia e o marido, e são ainda apenadas “pelo puritanismo e patriarcalismo de suas famílias muçulmanas”.

           Uma dessas vítimas, juntamente com o marido e a filha de quatro anos, conseguiu fugir para a Alemanha logo após o início dos bombardeios da OTAN. Há quatro meses, teve outra menina, filha de um sérvio desconhecido, gerada em um dos estupros de que foi vítima numa prisão sérvia, onde esteve por três semanas. A família, que ainda vive em Berlim, abrigada pela Prefeitura, logo deverá deixar a cidade, em conseqüência de ter perdido o direito de permanecer naquele país.

           Deve-se acrescentar, como fato positivo, que o tribunal da ONU para crimes de guerra na ex-Iugoslávia está processando três militares sérvios, sob a acusação de estuprarem dezenas de mulheres durante a guerra da Bósnia. O procedimento criminal, nesses casos de crimes de sérvios em Kosovo, é dificultado pelo fato de as vítimas recusarem-se a depor, porquanto, ao admitir o estupro, são fatalmente abandonadas por seus pais e pelos maridos.

           Não obstante, esse tipo de estupro é hoje considerado como crime de guerra. Por isso mesmo, o Tribunal Penal Internacional - TPI para a ex-Iugoslávia, em Haia, condenou um bosno-croata a dez anos de prisão, em decisão definitiva, confirmando o julgamento em primeira instância, concluído em 10 de dezembro de 1998.

           O réu foi declarado culpado de ter autorizado, em maio de 1993, que um dos seus subordinados estuprasse uma mulher muçulmana e torturasse um bosno-croata suspeito de proteger os muçulmanos. A Câmara de Apelação, ao rejeitar, por unanimidade, o recurso, confirmou a condenação e a pena, estabelecendo o veredicto que considerou, pela primeira vez, o estupro como crime de guerra, princípio de direito agora prevalecente.

           Não faz muito, ocupamos esta tribuna para reconhecer que o pleno funcionamento do Tribunal Penal Internacional constituía uma imperiosa necessidade, para inibir, pela dura condenação dos responsáveis, os crimes que se venham a perpetrar contra os direitos humanos, como é o caso do julgamento que agora comentamos.

           De acordo com o estatuto do Tribunal, adotado a partir do consenso entre as nações representadas na Organização das Nações Unidas, deve-se entender que a nenhum país é dada a pretensão de possuir soberania sobre os direitos humanos, em seus aspectos morais, éticos e jurídicos.

           À luz do estatuto, o Tribunal tem jurisdição excepcional sobre crimes de elevada gravidade, como o de violação dos direitos do homem, e complementar em relação aos sistemas judiciários nacionais, sendo sua atuação requerida na eventualidade de obstáculos ao regular funcionamento deles, em conseqüência de guerras e conflitos, e quando houver nítida intenção de os Estados protegerem os acusados.

           De todo o exposto, é de se concluir que o Tribunal Penal Internacional, com o qual nos congratulamos nesta oportunidade, cumpre a contento a elevada tarefa determinante de sua criação, ao promover a defesa dos direitos humanos e de combater a sua violação em qualquer parte do planeta, punindo exemplarmente a prática criminosa e tornando efetiva a realização da Justiça.

           Era o que tínhamos a dizer.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2000 - Página 20731