Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Regozijo com a sanção de projeto que instituiu a criação da Universidade Federal do Tocantins. Reflexões sobre o alcoolismo no Brasil.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Outros:
  • Regozijo com a sanção de projeto que instituiu a criação da Universidade Federal do Tocantins. Reflexões sobre o alcoolismo no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2000 - Página 20989
Assunto
Outros
Indexação
  • SAUDAÇÃO, SANÇÃO, LEI FEDERAL, CRIAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESTADO DO TOCANTINS (TO).
  • GRAVIDADE, AUMENTO, ALCOOLISMO, BRASIL, SEMELHANÇA, PROBLEMA, CONSUMO, DROGA, AUSENCIA, VERBA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), PROGRAMA, PREVENÇÃO, JUVENTUDE, REGISTRO, DADOS, ESTATISTICA, SETOR, CORRELAÇÃO, ACIDENTE DE TRANSITO, VIOLENCIA, GASTOS PUBLICOS, SAUDE PUBLICA.
  • REGISTRO, DIRETRIZ, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), RESTRIÇÃO, PROPAGANDA, BEBIDA ALCOOLICA, CAMPANHA EDUCACIONAL, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, TELEVISÃO, CONTROLE, MOTORISTA, TRIBUTAÇÃO, BEBIDA.
  • APOIO, PROJETO DE LEI, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, LIMITAÇÃO, PROPAGANDA, ALCOOL, FUMO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não poderia ocupar esta tribuna hoje sem dizer da minha alegria e da felicidade de todo o povo tocantinense pela sanção da lei que cria a Universidade Federal do Estado do Tocantins. Mais uma vez, envio minhas congratulações ao povo do meu Estado e meus agradecimentos a todos os membros do Congresso Nacional que participaram dessa luta, assim como ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao Ministro Paulo Renato Souza, ao Senador José Roberto Arruda e a todos aqueles que, de maneira direta ou indireta, colaboraram para a realização desse grande sonho que nasceu com a criação do nosso Estado.

Sr. Presidente, tratarei também de assunto que reputo de extrema importância: a questão do alcoolismo em nosso País. Enquanto os radicais empedernidos lutam pela condenação sumária e exclusiva do consumo e tráfico de drogas ilícitas, o Brasil fecha os olhos para uma outra questão tão ou mais grave quanto aquela. Trata-se da avançada e corrosiva incidência do alcoolismo sobre a saúde da população brasileira. O Ministério da Saúde está alerta para o problema, mas não dispõe de verbas e recursos suficientes para retomar um programa robusto de prevenção junto à população mais visada - a juventude brasileira.

Segundo informações da Coordenação de Saúde Mental, o País deixou, desde 1997, de investir em campanhas ostensivamente preventivas contra o consumo de álcool na população infanto-juvenil brasileira.

Em realidade, o alcoolismo já é uma epidemia que extrai dos cofres desta Nação cerca de US$62 bilhões anuais, seja em função das internações hospitalares, seja em função de acidentes de trânsito. Não por acaso, o Brasil é o quinto maior produtor de cerveja do mundo, com um consumo diário de 35 milhões de garrafas. É o cúmulo da ironia cada brasileiro consumir, por ano, 20 litros de leite em média, e 35 litros de cerveja.

Ora, atrás de um biombo moral socialmente erguido, o álcool segue seu rumo histórico, na qualidade de bebida altamente legitimada para o consumo excessivo, não somente pelo conteúdo alucinante que carrega, mas também pelo valor simbólico que expressa. A bebida alcoólica de uma pele cinicamente legitimadora, de cujas nefastas conseqüências vidas e vidas não cessam de virar vítimas.

A princípio, o alcoolismo se define como uma doença que se manifesta principalmente na maneira incontrolada de beber. O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas divulgou resultado de pesquisa sobre o tema no qual constata que o alcoolismo afeta nada menos que 15% da população brasileira. Em termos comparativos, em um estudo epidemiológico realizado em três áreas urbanas brasileiras em 1991, o Ministério da Saúde demonstrava que havia uma prevalência de 8% a 10% para o abuso e dependência do álcool. Em outras palavras, o alcoolismo atacava uma em cada dez pessoas que bebiam. De lá para cá, o quadro somente se agravou.

Nesse mesmo contexto, trabalhos desenvolvidos em hospitais gerais de várias regiões do País já mostravam, igualmente em 1991, que 9% a 32% dos leitos eram ocupados por pacientes que apresentavam um consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Ainda por aquela ocasião, identificava-se que tal grupo de patologias representava elevado custo para o Estado e para as famílias. No entanto, apesar da alta incidência, o alcoolismo não era, com freqüência, diagnosticado nas consultas e internações hospitalares, como se pretende hoje.

Sr. Presidente, o consumo de bebidas alcoólicas é um traço comum a todas civilizações. Elas trazem uma substância psicoativa com capacidade de produzir alterações no funcionamento do sistema nervoso central, modificando o comportamento dos indivíduos que delas fazem uso. Seus efeitos prazerosos induzem à repetição. Há tragédias sociais cuja freqüência tem sido utilizada para testar a implicação do uso de bebidas alcoólicas na deterioração das condições de vida de uma população.

Nessa linha, destacam-se os acidentes de trânsito e de trabalho, violência e baixa produtividade na escola e no trabalho. Surgem até evidências apontando para a correlação direta entre aumento de consumo de álcool e crescimento de óbitos por cirrose, homicídios, suicídios, acidentes de trânsito e acidentes de trabalho. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o alcoolismo já ocupa o terceiro lugar na escala das doenças que mais matam no mundo.

No Brasil, segundo informações do Ministério da Saúde, o Sistema de Internação Hospitalar do Sistema Único de Saúde registrou que a cirrose alcoólica do fígado, em 96, foi a sétima maior causa de óbito na população acima de 15 anos. Ainda nesse mesmo ano, o alcoolismo já ocupava o quarto lugar no grupo das doenças que mais incapacitavam o trabalhador no País. Isso para não dizer que, no triênio 95/97, os gastos relativos a internações decorrentes do uso abusivo e da dependência de álcool superou a marca dos R$310 milhões.

Em 1999, o Ministério da Saúde confirmava que o alcoolismo ocuparia o segundo lugar do ranking das causas que desencadeiam internação psiquiátrica no Brasil. O total de despesas do Estado com tal montante de internações correspondeu, no mesmo ano, a quase R$58 milhões.

Na retrospectiva, somente em 1989, o Brasil teve um prejuízo de cerca de 5,4% do PIB, do Produto Interno Bruto, perto de US$20 bilhões, em decorrência do alto índice de alcoolismo detectado na força de trabalho brasileira, se computarmos o reflexo disso na produtividade e no volume de produção.

De qualquer modo, os indivíduos que abusam do álcool de modo prejudicial a si e aos outros não são portadores de defeito moral. Isso significa que tais sujeitos não devem ser rechaçados ou punidos, devem, sim, ser tratados como doentes que necessitam de auxílio e cuidados terapêuticos.

No atendimento aos alcoólatras, há duas fases distintas: a de desintoxicação e a de recuperação. Para tanto, o paciente pode optar pelos seguintes tratamentos: médico, psiquiátrico, de aversão, alcoólicos anônimos e centros multidimensionais de tratamento.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, agora, diante da gravidade do exposto, resta a pergunta: não seria o caso de o Estado exercer a função de agente profilático, para que, assim, evitasse a tendência nitidamente crescente do alcoolismo no País? Não seria até o caso de se perguntar sobre as reais condições de suspender propagandas e publicidades relacionadas ao consumo de álcool?

Nessa ordem de indagações, a fácil disponibilidade do álcool tem sido objeto de enorme reflexão entre os estudiosos, na medida em que se verifica até que ponto tal característica contribui para o aumento do consumo. Indiscutivelmente, a maior disponibilidade do álcool faz com que suas necessidades de transporte sejam muito menores do que a de outras drogas psicotrópicas. Da mesma maneira, a maior disponibilidade se traduz também em seu baixo custo, quando comparado com outros psicotrópicos.

Infelizmente, os programas de prevenção contra o consumo de álcool são raríssimos em nosso País. A Organização Mundial de Saúde é bem enfática quando propõe diretrizes para políticas públicas específicas para o alcoolismo. Adota uma filosofia que desloca o eixo terapêutico do dependente alcoólatra para a ação profilática na sociedade. Tal profilaxia guardaria suas raízes, fundamentalmente, na crença de que “beber é um ato cultural” e, portanto, passível de ser corrigido por meio de veiculação maciça de informação sobre os perigos. Nessa lógica, propõe restrições na propaganda e no acesso físico à bebida, projetos nas escolas, campanhas educacionais na televisão, controle dos motoristas e taxação das bebidas.

A solução apontada, evidentemente, não apela para o extremismo da lei seca. O que se considera, na verdade, é uma ação pública, nacional, contra o consumo abusivo do álcool. Na palavra dos especialistas, os limites devem ficar bem claros, pois a disseminação do hábito da bebida entre os jovens se expande a taxas assustadoras e mais precocemente, tal qual o tabaco na décadas de 60 e 70.

Para fins ilustrativos, desde 1991, é feito levantamento anual junto aos estudantes de Medicina, a partir do qual já se pôde concluir que o álcool é a droga menos desaprovada, exercendo mesmo a função recreativa no grupo. Por outro lado, tem-se observado que a violência familiar guarda relações muito estreitas e perigosas com o consumo de bebidas. Segundo dados colhidos junto às Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, 90% das ocorrências registradas correspondem a agressões cujas causas se relacionam necessariamente com o álcool. No mesmo diapasão trágico, 70% dos casos de agressão física ou sexual contra criança se desencadeiam motivados, essencialmente, pelo consumo exagerado de álcool.

           Como era esperado, a participação da indústria de bebidas em favor do consumo moderado de seus produtos é quase nula ou, na melhor das hipóteses, exageradamente discreta. O máximo a que se chegou consubstanciou-se na aposição de leves advertências nos rótulos das latas e garrafas. Sem dúvida, a sociedade brasileira não se conforma mais com tão pouco e conta com a sensatez e a sensibilidade dos fabricantes no processo de conscientização da população sobre os limites da ingestão de álcool.

           Tal tarefa não será fácil, pois nossa cultura, para o bem ou para o mal, não se enquadra em moldes muito fixos. Sua intrigante maleabilidade conduz a uma relação tenebrosamente intransigente e até promíscua com o mundo das drogas. Por isso mesmo, explorando o caráter simbólico do álcool em nossa modernidade, vale frisar o seu caráter social de identificação. A bebida coletivamente consumida cria laços, promove ligações e faz com que as pessoas se sintam mais próximas, menos inibidas umas com as outras.

           Por vezes, quando alguém se recusa a beber numa roda de amigos, isto pode ser percebido como uma recusa de identificação, o que é desconfortavelmente ofensivo. No Brasil, a cultura nacional não somente tolera, mas, sobretudo, estimula o hábito etílico como índice de prestígio e poder. Para se ter uma ligeira idéia do problema, cultua-se ainda, por aqui, a abominável prática de os pais se orgulharem do primeiro porre do filho. Nada mais repugnante e extemporaneamente primitivo.

           De acordo com estudos realizados pelo Detran, em 1997, a presença de algum nível de álcool no sangue entre as vítimas de trânsito é altíssima. Nessa pesquisa, foram aferidos os graus de alcoolemia entre 865 vítimas de trânsito nas cidades de Brasília, Curitiba, Recife e Salvador. Lá, registrou-se, para espanto de todos, que um terço da amostra carregava em seu sangue quantidade excessiva de álcool, ultrapassando muito o limite fixado pelo Código de Trânsito Brasileiro.

           Além disso, constatou-se que 61% das vítimas consultadas portavam alguma presença de álcool no sangue, o que, a princípio, implica uma interpretação menos relaxada do índice de causalidade entre o álcool e a violência no trânsito. A propósito, cabe trazer à consciência atual dado divulgado pelo Ministério da Justiça segundo o qual a quantidade de acidentes de trânsito duplicou nos últimos dez anos no Brasil.

           Em recente pesquisa realizada nos Estados Unidos, comprovou-se que a probabilidade de um jovem que se inicia no álcool com 15 anos virar alcoólatra é quatro vezes maior que de outro cuja iniciação se dê aos 21 anos. Mais ainda, verificou-se que a veiculação de publicidade de bebidas alcoólicas associada a imagens de prática de esportes constitui um apelo quase irresistível por parte do público jovem. Em virtude disso, naquele País, diversas organizações não se cansam de requisitar ao Estado contrapropagandas alertando o consumidor para os riscos da ingestão de álcool.

           Com esse intuito, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania acabou de aprovar um projeto de lei que, taxativamente, restringe a publicidade de produtos derivados do álcool e do fumo a ambientes fechados. Nesse sentido, o projeto prevê a proibição de anúncios de bebidas nas rádios, televisões, cinemas, jornais, revistas, impressos, outdoors, cartazes, displays, equipamentos para acampamento e brindes promocionais. Além disso, determina que as embalagens tragam advertências explícitas sobre os malefícios que causam à saúde. Tal iniciativa do Senado Federal conta, naturalmente, com o nosso mais enfático endosso.

           Dentro dessa mesma filosofia, devemos saudar a iniciativa da Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL), que, durante o 6.º Encontro Nacional da entidade, realizado em abril último, lançou folheto informativo relacionado à proteção à saúde física e mental do jovem, com uma tiragem de 400 mil exemplares. Do mesmo modo, devemos elogiar a iniciativa do Hospital das Clínicas em promover, doravante, o Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, planejado para o dia 27 de setembro. Nesta oportunidade, será também inaugurado o novo centro do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas, em cuja sede se pretende multiplicar por dez o número de procedimentos realizados, atualmente, com dependentes de álcool e drogas.

           Para concluir, é com tal espírito de trabalho e dedicação que o País poderá, de fato, minorar o temível mal do alcoolismo. Obviamente, o Estado não pode fingir que o assunto não lhe toca de muito perto. O Ministério da Saúde tem o dever de encarar o problema de frente, propondo a retomada de campanhas preventivas contra o consumo do álcool, para, assim, esclarecer seu caráter tipicamente patológico.

           Creio, Sr. Presidente, que esses assuntos devam ser discutidos no âmbito desta Casa, mesmo porque o desperdício de dinheiro, quando estamos procurando alguma fonte para dar sustentação à elevação do salário mínimo, aqui mostramos o quanto se esvai por causa da irresponsabilidade daqueles que não sabem controlar o uso do álcool.

           É importante que o Ministério da Saúde tome conhecimento e procure estabelecer principalmente as campanhas educativas para que diminuamos o consumo do álcool em nosso País.

           Muito obrigado.


C:\Arquivos de Programas\taquigrafia\macros\normal_teste.dot 7/18/244:35



Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2000 - Página 20989