Discurso durante a 143ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso, hoje, do dia do nascimento de Darcy Ribeiro.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro do transcurso, hoje, do dia do nascimento de Darcy Ribeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/2000 - Página 21156
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, DARCY RIBEIRO, EX SENADOR, ELOGIO, EMPENHO, BUSCA, ETICA, EXERCICIO, POLITICA, DEFESA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é a lembrança de Darcy Ribeiro que me traz, hoje, a esta tribuna.

Não, não se trata de nenhum comunicado extraordinário, nem nada de muito especial a motivar este pronunciamento. Quero, apenas e tão somente, registrar nesta Casa a passagem do 26 de outubro, dia do nascimento desse admirável brasileiro que, entre suas múltiplas atividades, enobreceu o Senado Federal com o invulgar brilhantismo de sua presença e honrou a população do Estado do Rio de Janeiro ao compor sua representação parlamentar.

Morto, Darcy vive pela força de suas idéias, pelo vigor com que abraçava suas causas, pelo generoso espírito de solidariedade que sustentava suas lutas.

Não é tarefa das mais elementares definir aquela rica e multifacetada personalidade. Antropólogo, educador, romancista, político: mesmo que fiquemos apenas nos setores nos quais mais se notabilizou, ainda assim teríamos dificuldades imensas para sintetizar sua atuação. Quando insistimos na tentativa de conceituá-lo, aí, sim, é que compreendemos a total inutilidade de fazê-lo, dada a pobreza do resultado a que chegamos.

Hiperbólico, grandioso em tudo que fazia, Darcy Ribeiro era uma espécie de contradição física: ao corpo miúdo, duas vezes atacado por moléstia insidiosa, cabia sustentar um cérebro de gigante. Melhor seria dizer, em vez de cérebro, um autêntico vulcão a expelir, contínua e incessantemente, qual usina de funcionamento ininterrupto, idéias e mais idéias.

Em Darcy, a reflexão era ato contínuo, rotineiro, que brotava com a naturalidade dos verdadeiros sábios. A rapidez com que aquela cabeça privilegiada pensava era tamanha que, no mais das vezes, as idéias atropelavam a verbalização, engolindo as palavras. Mas, que importância terá a dicção perfeita - nada mais que invólucro - ante a magnitude do conteúdo que à palavra compete divulgar?

Foram inúmeros os momentos de convívio com Darcy Ribeiro, aqui mesmo nesta Casa, dos quais seria impossível esquecer. Recolho da memória um, por ser, a meu juízo, provavelmente o mais ilustrativo, o que melhor informa acerca desse personagem incomum. Reporto-me ao instante solene em que, pela primeira vez e cercado da mais generalizada expectativa, pronunciou seu primeiro discurso neste plenário. Poucas vezes testemunhei algo assim: Plenário cheio, galerias repletas, jornalistas atentos, todos os olhares se voltavam para a tribuna onde estava o novo Senador.

Não me recordo bem do título por ele dado ao seu pronunciamento. Mas o título, que existia, como a conferir importância maior ao texto, era alguma coisa parecida com “Fala ao Senado da República”. E Darcy falou. Mais que um pronunciamento parlamentar, ali estava o inventário de uma vida inteira, em que não faltaram a profissão de fé no trabalhismo socialista, a respeitosa lembrança de suas grandes referências nacionais, as quais tanto admirava - Vargas, Goulart e Brizola, na política; Anísio Teixeira, na educação; Rondon, no indigenismo - e o anúncio do que seria, dali em diante, suas maiores preocupações no exercício do mandato de Senador.

Lembro-me, especialmente, do momento em que, ao abordar sua história pessoal e sua inserção na história brasileira, Darcy Ribeiro, naquele seu estilo inconfundível, confessava o completo fracasso de sua trajetória. Assim, como antropólogo, teria fracassado ao não conseguir estancar o processo de extermínio de nossos índios; como político, ocupando a Chefia da Casa Civil de um governo comprometido com as reformas de base, de que tanto carecia o País, fracassou por assistir, impotente, à derrubada do Presidente João Goulart; como educador, fracassara no generoso projeto de criação da Universidade de Brasília, pois que, com a ruptura de 1964, viu sua dileta filha “cair na vida”.

Assim era Darcy. Aparentes fracassos eram, em verdade, símbolos da exuberante vitória de quem passou uma vida inteira a perseguir utopias, a tentar materializar sonhos, tudo convergindo para a construção de uma sociedade justa, fraterna, solidária e democrática.

Assim era Darcy. Espírito de eterno travesso, com sorriso largo a espantar tristezas, parece ter sido o mesmo, do berço ao túmulo.

Rememoro, por fim, uma de suas derradeiras aparições em cerimônia pública. Estávamos em dezembro de 1996. O local, a Sala de Atos da Presidência da República, no Palácio do Planalto. À frente de grande público, sentado em sua cadeira de rodas, o velho batalhador de tantas e tantas guerras, testemunhava a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela qual tanto lutara e da qual era o mais indiscutível mentor. Ali, Darcy recebia, talvez, a última e a mais merecida das homenagens: pelas palavras do próprio Presidente da República, a lei sancionada naquele momento deveria ser conhecida, de direito, como Lei Darcy Ribeiro. Ninguém se empenhara tanto quanto ele por uma nova legislação educacional moderna, leve, flexível, inteligente, que “não engessasse” - como gostava de dizer - a educação brasileira.

A falta que sentimos de Darcy é mais aparente que real. Porque, no fundo, bem lá no fundo da alma, sabemos que todas as vezes em que estivermos terçando armas em defesa da educação pública, a cada ocasião em que esgrimimos nossas lanças contra qualquer forma de tirania e de opressão, em toda luta em que nos metermos contra a injustiça e a iniqüidade, Darcy estará conosco!

Muito obrigado.


C:\Arquivos de Programas\taquigrafia\macros\normal_teste.dot 6/26/2412:48



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/2000 - Página 21156