Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REGISTRO DA REALIZAÇÃO DA "CONFERENCIA INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO MEDICA", NOS DIAS 25 A 28 DE OUTUBRO CORRENTE, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR. SAUDE.:
  • REGISTRO DA REALIZAÇÃO DA "CONFERENCIA INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO MEDICA", NOS DIAS 25 A 28 DE OUTUBRO CORRENTE, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2000 - Página 21384
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR. SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ENSINO, MEDICINA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), OBJETIVO, DEBATE, PROBLEMA, SETOR, BUSCA, APERFEIÇOAMENTO.
  • LEITURA, TEXTO, AUTORIA, ORADOR, IMPORTANCIA, INVESTIMENTO, POLITICA, VALORIZAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, ESPECIFICAÇÃO, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, ENSINO, MEDICINA, AUMENTO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, EFEITO, MELHORIA, SETOR, SAUDE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago ao conhecimento deste Plenário a realização, na cidade do Rio de Janeiro, de 25 a 28 de outubro p. passado, a Conferência Internacional de Educação Médica, com sede na Academia Nacional de Medicina. Parabenizo a realização desse encontro, na pessoa do Almirante Ernani V. Aboim, presidente da Comissão Científica.

Por oportuno, tomo a liberdade de pronunciar, aqui, no Senado Federal, texto de minha autoria, encaminhado como uma colaboração ao tema em discussão, onde trato das questões do Poder Legislativo e a educação médica no Brasil.

1. Política de educação do Governo Federal

Os avanços obtidos, na área educacional, nesses últimos anos, pelo Governo Federal, no campo dos ensinos fundamental, médio e profissionalizante são dignos de nota, como resultado de uma política conseqüente, com reformas profundas e consistentes, voltadas para a expansão da oferta e melhoria da qualidade do ensino naqueles níveis.

Com relação ao ensino fundamental e médio, observa-se uma enorme expansão do sistema, com aumento considerável do acesso de crianças e jovens à educação, reduzindo-se, significativamente, as diferenças regionais quanto ao acesso e à qualidade da educação. Prioridade legítima e correta da atual administração, o ensino fundamental possui uma história de bons êxitos.

O mesmo pode ser dito quanto ao ensino profissional, em relação ao qual um programa bem sucedido de expansão reequipou escolas técnicas públicas, criando uma rede de novas escolas em parceria com municípios, entidades sindicais e associações.

O Congresso Nacional assumiu o que lhe compete, propondo uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996, propiciando o ambiente necessário à implementação de mudanças significativas no panorama educacional do País. Em 1997, aprovou a Emenda Constitucional nº 14, que cria os Fundos de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, instituindo novos mecanismos de financiamento da educação, que viabilizaram a implementação daquelas políticas, em especial as referentes ao ensino fundamental.

Se há avanços significativos em relação aos ensinos fundamental e médio, o mesmo não se pode dizer quanto ao ensino superior. A expansão do sistema, caracterizada pelo aumento do número de matrículas, se fez, predominantemente, no setor privado, sem o correspondente incremento da qualidade. Em verdade, verificou-se uma perda significativa de qualidade que os sistemas de avaliação implantados - uma das poucas ações a louvar, nessa área - têm demonstrado a cada ciclo de avaliação.

Uma das mais graves conseqüências dessa política de descaso para com o ensino superior e a universidade pública, foi a perda de significativo contingente de docentes e pesquisadores, afugentados por salários aviltantes, pela reforma da Previdência e pela ausência de condições e meios para o exercício de suas funções, o que comprometeu ainda mais a qualidade do ensino e da pesquisa. A carência de recursos para o desenvolvimento da pesquisa, da ciência e da tecnologia é outra marca da atual política de governo.

A proliferação de cursos superiores no Brasil, sem padrões mínimos de qualidade, constitui-se um grave problema. Não podemos ser coniventes com ações irresponsáveis que visam exclusivamente o lucro, acarretando conseqüências prejudiciais à sociedade.

2. Deficiências do ensino médico no Brasil

A existência de sérias deficiências que caracterizam o ensino médico oferecido hoje no Brasil é reconhecida por todos os especialistas na matéria1, conferindo ao problema um caráter inquietante, uma vez que se trata de diagnóstico antigo de uma situação que tende ao agravamento.

Duas iniciativas recentes foram tomadas, com vistas à avaliação do ensino médico no Brasil: a criação da Comissão Insterinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem) e da Comissão Interministerial dos Ministérios da Educação e da Saúde.

A Cinaem foi criada em 1991, por iniciativa de entidades médicas, estudantis e universitárias, objetivando a integração dessas entidades para a avaliação do ensino médico, buscando melhor qualidade da formação dos médicos do País.

A Comissão Interministerial dos Ministério da Educação e da Saúde foi criada por portaria dos ministros das duas áreas2, em 1997, com a finalidade de definir e propor procedimentos, critérios, parâmetros e indicadores de qualidade para orientar a análise dos pedidos de autorização de cursos de graduação em Medicina, Odontologia e Psicologia, e instituir parâmetros e indicadores de qualidade para a avaliação de mérito acadêmico e da necessidade de perfil profissional.

A Cinaem realizou, nesses nove anos de existência, três estudos3: um estudo ecológico, em 1991, que caracterizou as escolas médicas brasileiras observando suas estruturas econômico-administrativa, político-administrativa, de infra-estrutura material e de recursos humanos e seu modelo pedagógico; um estudo transversal, em 1997, analisando os docentes das escolas médicas quanto a características demográficas e de formação profissional e seu desempenho docente, isto é, sua inserção nas atividades da escola e produção científica; e um estudo de corte, também de 1997, avaliando o crescimento cognitivo dos estudantes durante o internato curricular, com suas habilidades e atitudes ao final do mesmo.

A Comissão Interministerial deveria ter apresentado as conclusões de seu trabalho em 30 de outubro de 1997. No entanto, nenhum resultado, documento ou relatório veio a público até o momento.

Os resultados do Cinaem reafirmam a opinião dos especialistas em ensino médico e demonstram a realidade que salta aos olhos: estamos lançando na vida profissional um contingente de médicos mal preparados.

Gostaria de comentar alguns dos mais importantes resultados dos estudos da Cinaem. 

Em primeiro lugar, em relação às escolas de Medicina.

Estão em funcionamento no Brasil, hoje, 85 escolas que diplomam, anualmente, cerca de oito mil e duzentos médicos.

A primeira constatação do Cinaem foi a ocorrência de uma inversão no padrão de criação de escolas médicas no País, a partir de 1965, quando passa a haver um predomínio das escolas privadas em detrimento das públicas, com ampliação do acesso a seus cursos.

Atualmente, cerca de 45% das escolas médicas existentes no País são mantidas pela iniciativa privada, contra 40% mantidas pelo Governo Federal, 13% pelos Governos Estaduais e 2% pelos Municípios.

            Isso não seria problema se os estudos não demonstrassem o desempenho medíocre das escolas em relação a aspectos de estrutura político-administrativa e econômica, de infra-estutura e de recursos humanos. Essas carências são maiores em relação a fatores considerados críticos para os bons resultados em termos de formação, pesquisa e assistência, tais como recursos humanos e modelo pedagógico.

A atividade docente é realizada, predominantemente, por um contingente de professores auxiliares e assistentes, que exercem a profissão há menos de dez anos, em tempo parcial e insatisfeitos com a infra-estrutura da instituição e o salário.

De um modo geral, esses profissionais são pouco preparados para o ensino, para a pesquisa e para as atividades administrativas em que se inserem. Na opinião do Prof. Irany Moraes, da Faculdade de Medicina da USP, mesmo quando se trata de médicos conceituados, não estão, na grande maioria das vezes, academicamente capacitados a ensinar.4

Para a grande maioria dos professores, a docência constitui-se em atividade complementar à profissão médica. As maiores cargas de ensino e assistência recaem sobre os professores em regime de quarenta horas, mais jovens, sem formação e insatisfeitos com sua situação financeira, revelando, nas palavras de um dos relatórios do Cinaem, “a situação crítica em que ocorrem a maioria das atividades de ensino e assistência com os alunos de graduação”. Nas escolas privadas, a proporção de docentes com atividades fora da escola e em regime de trabalho de até 39 horas semanais é maior que nas escolas públicas. Nesses estabelecimentos, a proporção de professores com formação pós-graduada é a metade da encontrada nas escolas públicas.

A produção científica é limitada. Citando mais uma vez o relatório, “o que se observou entre os docentes com maior dedicação à carreira acadêmica e maior vínculo com a produção de conhecimento foi uma justa insatisfação com o salário e a situação financeira em geral. Esses achados revelam o desestímulo absurdo a que estão sendo submetidos os docentes que optam pela carreira científica.”

A autorização de funcionamento de novas escolas médicas, sem a imposição de condições e sem controle, é a causa dessa situação, agravada pelo fato de que esse crescimento de novas escolas e de novos médicos se faz, exatamente, nas regiões onde já existem escolas e médicos suficientes, mas não naquelas em que são necessárias.

Os resultados do Cinaem, em relação ao produto das escolas, isto é, o conhecimento, as habilidades e as atitudes dos formandos, também mostram uma situação de muito cuidado.

O crescimento cognitivo dos alunos é lento durante os cinco anos do curso de graduação, representando um investimento muito grande de tempo e recursos, dirigidos a um contingente enorme de adolescentes em uma fase extremamente rica de suas vidas, representando um retorno bastante aquém do possível e do desejado. Além disso, esse crescimento é diferenciado entre os alunos de maior e menor desempenho, ficando evidente que, durante o curso, essas desigualdades tendem a se ampliar, ou seja, o sistema aparentemente privilegia aqueles alunos que já eram, de alguma forma, privilegiados.

Uma elevada proporção de formandos apresenta deficiências em aspectos básicos do conhecimento aplicado, habilidades e atitudes. A avaliação realizada pelo Cinaem evidenciou que mais da metade dos formandos em Medicina não dominavam os princípios básicos do manejo de pessoas doentes, nem os valorizava. Observamos haver uma total ausência de tradição.

Tão grave quanto isso, o estudo mostrou que os formandos apresentavam dificuldades no processo de incorporação racional da tecnologia disponível, tanto em relação às novas tecnologias como em relação a procedimentos diagnósticos e terapêuticos tradicionais e de baixo custo, o que é grave.

Da mesma forma, ficou evidenciado o despreparo dos médicos formados para a solução de problemas correntes e comuns de saúde de nossa população.

Disso tudo, fica claro que nossas escolas médicas, fora raras exceções, não estão formando médicos, mas apenas diplomando-os de forma irresponsável.

Irresponsável porque lança no mercado profissionais tecnicamente despreparados, incapazes de lidar com os problemas mais simples de saúde da nossa população.

3. Possibilidades e limites da integração docente-assistencial no Brasil

Mais de 80% do treinamento prático dos médicos formados no País se dá em hospitais universitários5, entidades especializadas para problemas de maior complexidade. A prática em serviços básicos de saúde, em programas de saúde pública e em administração de serviços de saúde, quando ocorre, não ultrapassa 15% da composição curricular. Isso comprova que, além de estarem sendo mal treinados, nossos futuros médicos não estão sendo habilitados a resolver os problemas de saúde mais relevantes de nossa população.

Essa é a opinião dos nossos especialistas em Educação Médica, que dizem, como o Dr. Eduardo Marcondes, da Universidade de São Paulo-USP, que nossos estudantes não são capacitados a cuidar dos chamados pacientes em pé, constituídos da maioria da população que não freqüenta hospitais superespecializados. O Dr. José Antônio de Almeida Souza, da Universidade Federal da Bahia-UFBa, afirma estarmos produzindo um médico apto a servir à população conveniada a hospitais particulares, excluindo os 120 milhões que vivem na dependência do SUS6.

            Na formação dos nossos médicos, prioriza-se, assim, trabalhar numa certa fase do processo saúde-doença e no manejo de casos de difícil diagnóstico ou tratamento, o que resulta em dificuldades para o futuro profissional em reconhecer e tratar tanto a patologia comum prevalente em cada região como a evolução total da maioria dos casos.

Ora, vivemos um momento de reordenamento do setor saúde e de busca de uma nova prática sanitária. Não há mais quem defenda outro paradigma, a não ser aquele que reconhece que a solução das distorções e desigualdades existentes nos padrões de saúde dos diversos segmentos de nossa população ultrapassam os limites de atuação do setor e exigem ações coordenadas em várias esferas de governo.

Esse novo ordenamento e essa nova prática não se implantarão sem uma ação intersetorial. Evidentemente, apesar de existir quem não queira ver e resista à mudança, também o equacionamento das políticas e dos meios para a formação adequada de profissionais de saúde terá o mesmo enfoque. E talvez resida aqui o maior desafio para serviços de saúde e para a universidade: a intersetorialidade, condição básica para a solução do problema, pois traz dificuldades e desafios que, em parte inerentes ao processo, exigem uma atuação que suplanta os limites tradicionalmente alcançados, quer pelo sistema de saúde, quer pelo sistema de ensino. Esta é uma questão de caráter nitidamente interinstitucional, cabendo implementar as formas de tornar seu equacionamento viável e eficiente.

O planejamento estratégico e tático da formação e atualização dos recursos humanos na área de saúde, elaborado de modo interinstitucional, é a forma que vai permitir a integração efetiva de esforços para a formação de trabalhadores mais adequados.

Além disso, vai corrigir ou minimizar os problemas de produção de pessoal em quantidade diferente da necessária ao mercado, em determinadas regiões, de desvio de função, em razão de carência ou deficiência da formação em determinadas áreas, e de formação de trabalhadores com perfis inadequados à realidade epidemiológica e às necessidades dos serviços.

Umas poucas experiências de integração docente-assistencial que florescem no País nos mostram o caminho - difícil e árduo, mas produtivo -, trazendo esperanças de que é possível alterar a situação no sentido de que outros espaços de prática, que não os hospitais universitários, tenham preponderância para a formação de nossos profissionais de saúde.

4. A Constituição brasileira e os recursos humanos na área de saúde

A Constituição Federal, em seu art. 200, inciso III, define como uma das competências do Sistema Único de Saúde a de ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde.

Com vistas a esse ditame, e entendendo que esse é uma matéria cujas políticas e ações envolvem áreas não compreendidas no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS, a Lei Orgânica da Saúde7 previu que serão criadas comissões intersetoriais de âmbito nacional, subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde, integradas pelos ministérios, órgãos competentes e entidades representativas da sociedade civil.

Essas comissões, entre as quais uma de recursos humanos, envolvendo representante dos Ministérios da Saúde, da Educação e do Trabalho, terão a finalidade de articular políticas e programas de interesse comum, inclusive aqueles voltados para o ordenamento da formação dos recursos humanos para a saúde.

Como outras diretrizes constitucionais que obrigavam a uma articulação interinstitucional ou intersetorial, essa também foi solapada pela fragmentação e ultrasetorialização da burocracia estatal, cujo conflito de interesses se estendeu ao Congresso Nacional, através de projeto de lei tratando de regulamentar aquele dispositivo constitucional, proposto pelo Senador Almir Gabriel, arrasta-se em tramitação, desde 1992, entre as comissões de Assuntos Sociais e Educação e o Plenário do Senado.

Para o Ministério da Educação, o referido ordenamento é uma função precípua dos órgãos de educação, cabendo ao sistema de saúde a condição de auxiliar e coadjuvante no processo de formação de recursos humanos.

O Conselho Nacional de Saúde, no entanto, tem outro ponto de vista, entendendo que o fator determinante na formação de profissionais de saúde deve ter caráter epidemiológico. Nesse aspecto, os campos e os processos de atuação das diferentes profissões e dos profissionais de saúde ficam ordenados pelo cliente maior do aparelho formador. Este, por sua vez, atua como fornecedor de recursos humanos para o Sistema Único de Saúde.

Para o Ministério da Saúde, é nesse conceito do binômio cliente-consumidor que deve ser entendido o espírito da lei. O cliente é detentor do conhecimento de suas necessidades, neste caso consubstanciado em razões epidemiológicas e de mercado de atuação profissional, que acabam por caracterizar a necessidade social de formação dos profissionais da área.

Entretanto, o Ministério da Educação alega que essa interpretação viola competências bem definidas a si atribuídas.

Este debate está no Congresso Nacional desde 1992.

Daquele tempo para cá, no entanto, fatos novos recolocam a questão na ordem do dia. Por um lado, agravou-se a situação de inadequação da formação de recursos humanos para a saúde, com a criação de novas escolas médicas e de odontologia em regiões com excesso de profissionais no mercado e com a não implantação de outros cursos, como de enfermagem -- uma grande carência nacional -- ou mesmo de medicina, em regiões carentes daqueles profissionais.

Tal situação é denunciada como absurda pelo Conselho Federal de Medicina8, ao alertar para os reflexos danosos dessa política sobre a criação de demandas artificiais de serviços, equipamentos e procedimentos, com a conseqüente elevação dos custos da assistência médica, além do aviltamento do mercado de trabalho dos médicos.

É idêntica a posição do Conselho Federal de Odontologia, em relação aos reflexos dessa situação quanto à assistência odontológica e à prática da odontologia no Brasil.

Por outro lado, a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB9 atribui às universidades, no exercício de sua autonomia, o poder de criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior (...), obedecidas as normas gerais da União.

Como forma de contrapor-se a essa autonomia assegurada pela LDB e, de alguma forma, manter o controle sobre os cursos superiores, o Ministério da Educação, entre outras ações, expediu o Decreto n.º 2.207, de 15 de abril de 1997, tratando de regulamentar alguns de seus artigos.

Esse decreto dá ao Ministro da Educação a atribuição de estabelecer os procedimentos e as condições para a autorização e o reconhecimento de cursos de graduação e suas respectivas habilitações, ministrados por instituições integrantes do Sistema Federal de Ensino, dispondo que a criação de cursos superiores de graduação, fora de sua sede, por universidades integrantes do Sistema Federal de Ensino, depende de autorização do Ministro da Educação, ouvido o Conselho Nacional de Educação.

Determina, ainda, que, em qualquer caso a criação e implantação de cursos de graduação em Medicina, Odontologia e Psicologia, por universidades e demais instituições de ensino superior, deverão ser submetidas à prévia avaliação do Conselho Nacional de Saúde. Havendo manifestação desfavorável deste, os processos deverão ser encaminhados ao Conselho Nacional de Educação, ouvida a Secretaria de Educação Superior, que emitirá parecer conclusivo, dependendo, no entanto, de homologação pelo Ministro da Educação para que surta seus efeitos legais. À criação e ao reconhecimento de cursos jurídicos foi dada solução similar, dependendo de prévia manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Os dispositivos em análise, do Decreto n.º 2.207/97, constituem-se, assim, em parte das normas gerais da União, a que se refere a LDB, com competência para regulamentar o poder de criação de cursos pelas universidades.

5. Atuação do Legislativo Federal e o tema Ensino Médico nas últimas Legislaturas.

Entre 1989 e os dias de hoje, treze ações tratando do ensino médico no Brasil foram registradas nos bancos de dados do Congresso Nacional, das quais a grande maioria (dez) são discursos, duas são requerimentos de informação e uma, um projeto de lei.

Tratando-se de matéria cuja iniciativa das leis é privativa do Presidente da República10, é natural que a produção legislativa sobre o assunto seja limitada. No entanto, considerando a gravidade e o agravamento apresentado, no período, pelo problema da má qualidade e inadequação da formação dos profissionais de saúde, é de estranhar que os parlamentares tenham limitado sua atividade fiscalizadora à duas intervenções, isto é, dois requerimentos de informação ao Ministro da Educação, e optado pela denúncia e pelo debate parlamentar, ainda assim com um número relativamente pequeno de discursos que, na grande maioria, não receberam apartes.

De qualquer forma, os deputados foram mais ativos que os senadores: treze dos dezesseis discursos e os dois requerimentos tiveram deputados como autores. Os senadores, por seu lado, proferiram três discursos e apresentaram um projeto de lei.

Sete discursos foram proferidos sobre o tema ensino médico durante a 48ª e a 49ª Legislaturas (entre 1989 e 1994). Na grande maioria das vezes (5/7), esteve envolvido um parlamentar do PMDB e da bancada do Centro-Oeste.

Na 50ª Legislatura o número de discursos aumentou - foram proferidos seis -. Alterou-se o perfil partidário e regional do parlamentar envolvido: as Bancadas do Sul e do Nordeste foram mais ativas, mas não se observou preponderância de nenhuma orientação partidário-ideológica entre os que se ocuparam da matéria.

Na Legislatura atual, isto é, nos últimos dois anos, já foram proferidos três discursos - agora caracterizados por apartes, antes inexistentes, com maior participação de Senadores e de Partidos de Centro-Esquerda.

Na 48ª e 49ª Legislaturas, as principais motivações para os pronunciamentos sobre ensino médico, por parlamentares, no Legislativo Federal, foram, principalmente, a denúncia de uma crise da saúde pública brasileira ou da má qualidade da assistência sanitária à população, que decorre, na opinião dos parlamentares, entre outras coisas, da má qualidade da formação dos médicos. A denúncia da mercantilização da medicina nacional e do ensino médico - com suas repercussões sobre a qualidade dos médicos formados -, também foram motivos para discursos.

Um dos discursos tinha por motivo a denúncia e a crítica à expansão desordenada de escolas de Medicina e à má qualidade do ensino que ministram.

Por fim, dois fatos conjunturais ensejaram a que parlamentares se pronunciassem a respeito, a elevação do número de vagas por residências médicas, adotada pelo Ministério da Educação e a denúncia de problemas com o Hospital Universitário de Brasília - HUB.

A necessidade de integração docente-assistencial como forma e solução para uma formação mais adequada de médicos e demais profissionais de saúde permeou a maioria dos discursos do período.

Durante a 48ª e a 49ª Legislaturas, os principais elementos dos discursos sobre ensino médico foram a crise na saúde, a formação de médicos com perfil inadequado à realidade sanitária e dos serviços e a apresentação da estratégia de integração docente-assistencial como a provável solução para esses problemas. A implantação do Sistema Único de Saúde é vista como uma esperança para esse bom encaminhamento.

O grande tema dos discursos sobre ensino médico, no Legislativo Federal, neste período, é, sem dúvida, a integração docente-assistencial.

Durante a 50ª Legislatura, nem sempre se identifica, por meio da análise do texto, a razão ou motivo que levaram o parlamentar à tribuna. No entanto, à medida que eram dados a público, os relatórios da CINAEM, passaram a constituir esse motivo. Ações e pronunciamentos dos Ministros da Saúde e Educação também motivaram discursos.

A grande maioria dos documentos desta época critica o excesso de formação de médicos, a proliferação de escolas médicas sem condições de dar um ensino de qualidade e a omissão das autoridades de saúde e educação em coibir o processo.

Pela primeira vez, é sugerido o fechamento das escolas ruins e considerada a distribuição regional inteiramente desequilibrada de médicos no País, refletindo que, se há pletora de escolas e médicos no Sul e no Sudeste, há uma enorme carência deles no Norte e no Nordeste.

Pela primeira e única vez, há um discurso sobre a carência de recursos humanos auxiliares e é retomada a crítica à insuficiência de vagas para residência médica.

Os discursos continuam criticando a formação de especialistas em detrimento da formação de generalistas e a busca do lucro em substituição ao compromisso social, referindo-se tanto às novas escolas privadas quanto à organização dos serviços médicos.

Os dados dos relatórios da CINAEM são apresentados para denunciar a catástrofe e pedir a intervenção das autoridades.

Nos últimos anos, os discursos passaram a ser motivados, principalmente, pela ação pública das organizações médicas do País, em especial os conselhos de Medicina e a Associação Médica Brasileira, em campanha contra a abertura de novos cursos de Medicina e pelo fechamento de escolas médicas sem qualidade.

O teor, agora, já não é apenas de denúncia, trazendo à reflexão outros elementos do problema, entre os quais a absoluta e aguda insuficiência de recursos humanos para a saúde e de médicos em particular - generalistas e especialistas - da Região Amazônica; a insuficiência de vagas para a formação de médicos e outros profissionais de saúde nas regiões Norte e Centro-Oeste, que levaram mais de oito mil brasileiros a buscar formação fora do País e a atuação de médicos estrangeiros - em especial cubanos - naquelas áreas.

Outro elemento importante é a ampliação do debate para a qualidade e a quantidade da formação de outros profissionais de saúde.

A questão da inadequação dos currículos e do perfil do médico formado e da má qualidade desta formação continuam em tela.

Por fim, os discursos sobre esse tema passam, agora, a receber apartes do plenário, o que não acontecia antes.

6. O Relatório Flexner e o envolvimento do legislativo federal na Reforma do Ensino Médico nos Estados Unidos no início do século XX

A pesquisa realizada indica que a iniciativa do Relatório Flexner, de 1910, e a implementação das reformas no ensino médico americano que a ele se seguiram, não partiu dos poderes públicos, mas do setor privado. Nem o Legislativo nem o Executivo Federais tiveram participação neste caso.

A iniciativa da realização de um estudo sobre a situação do ensino médico nos Estados Unidos, que resultou no Relatório Flexner, foi de uma fundação privada, a Carnegie Foundation for the Advance of Teaching. Ao que consta, Abraham Flexner, um professor e proprietário de uma escola preparatória para o college, de Louisville, foi convidado a realizar tal estudo pelo Presidente da Carnegie Foundation, em vista de seu livro, publicado em 1908, de avaliação do college (The American College: A Criticism). Esta fundação teria igualmente financiado a pesquisa e foi ela que o publicou11, em 1910.

Um publicação da Universidade de Toledo e disponibilizada pela Internet, no entanto, relata que o estudo conduzido por Abraham Flexner foi para a American Medical Association.

O financiamento da reforma que se seguiu foi ativamente canalizado por outra fundação privada, a Rockefeller Foundation, por meio de seu General Education Board, do qual Flexner foi secretário por muitos anos, e envolvendo mais de meio bilhão de dólares, provenientes de doadores privados.

7. Os limites do Congresso Nacional

Pouco pode ser feito, em vista das competências constitucionais do Congresso Nacional, em relação à gravidade da situação do ensino médico no País.

Aos parlamentares cabe a iniciativa, prevista na Constituição Federal12, de convocação dos Ministros ou do Secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação para prestarem informações sobre o assunto, frente às Comissões de Educação ou Assuntos Sociais; ou de requerer informação àquelas autoridades sobre providências tomadas em vistas dos relatórios da CINAEM e Portaria Interministerial nº 880/97.

Existe, no entanto, uma contribuição devida ao País, pelo Congresso Nacional, em relação à fixação de normas permanentes para a formação de recursos humanos na área de saúde.

Faz-se necessário, portanto, dar balizamento legal ao desafio de se obter integração interinstitucional na formulação de políticas sociais, a começar por dois setores que, espera-se, atuem de forma cooperativa e harmônica. Para tanto, a solução seria a regulamentação do inciso III do art. 200 da Constituição Federal, dando andamento ao projeto de lei do Senado sobre essa matéria.

O citado projeto de lei, de autoria do Senador Almir Gabriel, apresentado em 199913, obteve pareceres favoráveis das Comissões de Assuntos Sociais e de Educação do Senado, estando desde março de 1999, aguardando inclusão na ordem do dia para ser apreciado pelo Plenário do Senado.

Era o que tinha, a dizer.

Muito obrigado.

______________________________

1. GONÇALVES, EL & SAMPAIO, H. O Ensino Médico e a Saúde no Brasil. In: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO / NUCLEO DE PESQUISAS SOBRE ENSINO SUPERIOR O Ensino Médico e a Saúde no Brasil. São Paulo (Série Capa Azul - Seminários nº CA1/94), 1994. 32p.

 UM TRABALHO CONJUNTO DE AVALIAÇÃO (Entrevista como Ministro da Educação Paulo Renato de Souza) Medicina (Jornal do Conselho Federal de Medicina), a. 10, n. 85, p. 22-3, Set. 1997.

 MORAES, I.N. Escolas inadimplentes. Quem responde pelo caos no ensino médico do Brasil? Problemas Brasileiros, n. 332, p. 31, Mar/Abr, 1999.

2. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO / MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria Interministerial Nº 880, de 30 de julho de 1997.

3. COMISSÃO INTERINSTITUCIONAL NACIONAL DE AVALIAÇÃO DO ENSINO MÉDICO. Avaliação do Ensino Médico no Brasil. Relatório Geral, 1991-1997. Brasília, 1997.

4. MORAES (1999) op. cit.

5. CAMPOS, G.W.S. Educação médica, hospitais universitários e o Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 187-193, Jan/Mar, 1999.

6. Receituário Prático. Escolas mudam métodos e currículos para formar médicos mais voltados para os pacientes. Época, a. 1, n. 42, p. 68-9, 8/Mar/99.

7. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (art. 12 a 14)

8 ABSURDO BRASILEIRO. Medicina (Jornal do Conselho Federal de Medicina), a. 10, n. 80, p. 1, (Editorial) Abr. 1997. 

9. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (art. 53, inciso I)

10. Constituição Federal, art. 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’.

11. A publicação resultante apareceu com o título Medical Education in the United States and Canadá: A Report to the Carnegie Foundation for the Advance of Teaching

12. CONSTITUIÇÃO FEDERAL art. 50, caput e §§ 1º e 2º.

13. Projeto de Lei do Senado nº 137, de 1992, de autoria do Senador Almir Gabriel.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2000 - Página 21384